Bancos de Sangue
já operam com estoques reduzidos
Em tempos de Corona Vírus é bem provável que os
bancos de sangue vejam seus doares desaparecerem. Não será fácil
convencer pessoas a irem doar. Então, cada pessoa que estiver disposta a ir
doar vale muito, certo? Basta que tenha as condições corretas: pesar mais de 50
kg, ter entre 16 e 69 anos e estar em boas condições de saúde.
Não é bem assim. Se essa pessoa que decidir doar
sangue for homossexual, não poderá doar. Ainda que atenda a todas as
especificações mencionadas acima, não poderá doar.
Em períodos assim, quando a quantidade de doadores
diminui muito, fica mais latente o impacto negativo que a restrição a doadores
de sangue.
O movimento Equal Blood Brasil, que reúne diversas
instituições que lutam pelos direitos LGBTI+, está atuando fortemente para mudar
esse cenário. Hoje, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) deveriam
voltar julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5543 de
2016, que debate as restrições à doação de sangue por homens gays e bissexuais
no Brasil, bem como as travestis e as mulheres transexuais, que o Estado
transfobicamente considera "homens que fazem sexo com outros homens”.
O julgamento da questão pelo Supremo Tribunal
Federal estava agendado para o dia 11 de março, mas foi transferido para hoje e
foi adiado novamente, devido às medidas de isolamento contra o Corona Vírus.
Ainda não há uma nova data, mas já se sabe que acontecerá de forma virtual,
mantendo a segurança quanto à saúde pública.
As restrições a doadores de sangue estão previstas
na Portaria nº 158 de 4 de fevereiro de 2016 do Ministério da Saúde, seguindo
recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), porém, a própria OMS
reconhece que o assunto deve ser debatido novamente conforme os testes e
mecanismos de segurança para doações de sangue avancem.
“A norma presume serem indivíduos potencialmente
contaminados com infecções sexualmente transmissíveis, independente das
práticas sexuais reais das pessoas em questão, o que contraria o entendimento
de décadas, que superou a discriminatória noção de ‘grupos de risco’,
genericamente considerados, para adotar o conceito de ‘comportamento de risco’,
que depende da conduta concreta, descoberta através do questionário padronizado
da doação de sangue.”, explica o advogado Paulo Iotti, presidente do Grupo de
Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero – GADvS.
“É uma generalização supor que toda relação sexual
envolvendo homens gays inerentemente representa um risco de infecção pelo HIV.
Seria mais condizente com a realidade, tomar como regra para inelegibilidade de
doação, a ocorrência recente de uma relação sexual desprotegida, independente
da orientação sexual, identidade de gênero ou outra condição das pessoas
envolvidas.”, comenta Toni Reis, diretor executivo do Grupo Dignidade.
Equal Blood é um movimento global pelo avanço desta
legislação, presente em diversos locais como Reino Unido e Canadá, que surge
também no Brasil para pressionar as autoridades a avançar nesta questão de
justiça e saúde pública, contanto com o apoio de diversas organização do seguimento
LGBTI como o GADvS, Grupo Dignidade, Aliança Nacional LGBTI+, Grupo Arco-Íris e
Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero da OAB-SP.
Histórico da causa:
A ADI nº 5543 foi inicialmente protocolada em 7 de
junho de 2016 e tramitou até ser julgada em 19 de outubro de 2017, quando os
ministros Edson Fachin (relator), Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux
julgaram a ação procedente enquanto Alexandre de Moraes a julgou parcialmente
procedente.
“Esta ação é importantíssima para se combater um
preconceito histórico contra homens gays e bissexuais na doação de sangue, bem
como das travestis e das mulheres transexuais, que transfobicamente têm sua
identidade de gênero feminina negada ao serem consideradas como 'homens'
(HSH).”, argumenta Iotti.
O Grupo Dignidade, sediado em Curitiba-PR, já atua
nesta causa há alguns anos, à frente da campanha “Igualdade na Veia”. Para o
diretor Toni Reis “é uma generalização supor que toda relação sexual envolvendo
homens gays inerentemente representa um risco de infecção pelo HIV. Seria mais
condizente com a realidade, tomar como regra para inelegibilidade de doação, a
ocorrência recente de uma relação sexual desprotegida, independente da
orientação sexual, identidade de gênero ou outra condição das pessoas envolvidas.”
O próximo a votar, o ministro Gilmar Mendes,
requereu vistas do processo para julgar a questão, portanto o julgamento foi
suspenso, retornando à pauta do STF apenas em 17 de dezembro de 2019, quando
foi incluído no calendário de 2020, com retorno agendado para o dia 11 de
março.
Argumento Jurídico: A Portaria nº 158 define que
“homens que tiveram relações sexuais com outros homens” (ou HSH) não podem doar
sangue pelo período de 12 meses, entretanto, esta restrição não leva em
consideração o comportamento do possível doador, apenas sua orientação sexual,
embora seus defensores neguem isso.
Por outro lado, a Constituição Federal prevê em seu
artigo V que nenhum brasileiro ou estrangeiro residente no país será
discriminado de qualquer forma, incluindo questões relativas ao gênero e
orientação sexual.
“Hoje um casal gay monogâmico, que só pratica sexo
entre si e com preservativo está proibido de doar sangue. Isso prova a
inconstitucionalidade da discriminação em questão, por violar os princípios da
razoabilidade, da proporcionalidade e da igualdade.”, comenta o presidente do
GADvS.
Argumento médico:
A restrição do Ministério da Saúde e da Anvisa,
segue o recomendado nas normas da OMS, ou seja, o prazo de 12 meses sem
relações sexuais para homens gays e bissexuais poderem doar sangue, por outro
lado, a norma também afirma que a questão deve ser discutida posteriormente, e
possivelmente alterada, conforme os estudos científicos no assunto avançam, a
norma permanece vigente.
Um dos maiores pontos de questionamento está no
fato de o questionário e a proibição para doação de sangue ignorar o uso de
preservativo, que o próprio Ministério da Saúde define como “o método mais
conhecido, barato e eficaz de prevenir infecções pelo vírus HIV.” Em seu canal
no Youtube, o médico Dráuzio Varella já falou sobre o tema, em vídeo de 26 de
janeiro de 2016, no qual disse: “Esse conceito de ‘Grupo de Risco’ ficou para
trás [...], foi substituído por ‘Comportamento de Risco’, esse é o conceito
moderno. Essa restrição, hoje não tem mais nenhum sentido em existir.”
"Obviamente, queremos que se tomem todas as
precauções necessárias para que o sangue doado não contenha nenhuma infecção,
apenas apontamos que proibir todo HSH de doar sangue sem que esteja em celibato
sexual por um ano configura profundo preconceito anticientífico que, por isso,
é inconstitucional.", conclui Iotti.
Links de referência:
Equal Blood: http://www.equalblood.com.br/
Portaria nº 158 do Ministério da Saúde: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2016/prt0158_04_02_2016.html
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5543: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4996495
Apoio:
Grupo Dignidade
Aliança Nacional LGBTI+
GADvS – Grupo de Advogados pela Igualdade Sexual e
de Gênero
Grupo Arco-Iris
GGM – Grupo Gay de Maceió
Comissão da Diversidade Sexual da OAB-São Paulo
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