Modelo de negócio peculiar que demanda cuidados daqueles
que o empreendem
O Programa
Minha Casa, Minha Vida – PMCMV, instituído em 2009 por meio de Medida
Provisória, posteriormente convertida na Lei 11.977/2009, visa garantir a todos
os brasileiros o seu direito fundamental à moradia digna, por meio de “mecanismos de incentivo à produção e
aquisição de novas unidades habitacionais" para famílias de
baixa e média renda.
As
faixas de renda familiar a que se destina o PMCMV, atualmente, se encontram
divididas em 4 (quatro) “tetos” para cada uma das modalidades de operações,
sendo que os modelos de faixa 1 (um) e de faixa 1,5 (um e meio) destinam-se
àquelas famílias de menor renda. Os limites estabelecidos para o enquadramento
nessas faixas são de até R$ 1.800,00 (mil e oitocentos reais) e R$ 2.600,00
(dois mil e seiscentos reais), respectivamente.
Foi
justamente sobre os contratos firmados para a aquisição da casa própria via
PMCMV e que foram previstos para essas duas faixas de renda que, em recente
sessão de julgamento, o Superior Tribunal de Justiça analisou o alto grau de
responsabilidade que o empresário assume perante essas famílias, concluindo
pela necessidade de promover maior controle jurisdicional sobre tais
contratações.
O
entendimento pacificado na Corte Superior é no sentido de que, para haver a
fixação de indenização por danos morais em favor dos adquirentes por conta de
problemas na vigência do contrato que ensejam o reconhecimento de
descumprimento pelo empreendedor – a exemplo, o atraso na entrega da unidade
habitacional – deve também ser comprovado que o adquirente incorreu em uma
situação extraordinária, que supera o mero dissabor decorrente desta frustração[1]. Ou seja, o mero descumprimento, por si só, não era
suficiente para condenação por danos morais.
Os
exemplos dos chamados fatos extraordinários que levam à necessidade de punição
por danos extrapatrimoniais, porém, não são taxativos. Na prática, estes fatos
se consideram caracterizados quando se comprova que a unidade habitacional foi
entregue ao adquirente com vícios construtivos graves, ou que devido ao atraso
na entrega do imóvel o adquirente foi obrigado a remanejar a sua programação de
mudança após o seu casamento. Isso revela a importância da atuação do advogado,
ao promover a descrição e comprovação dos fatos, correlacionando-os à correta
fundamentação (valendo essa premissa para ambas as partes do litígio).
Todavia,
especificamente para os contratos do PMCMV de faixas 1 (um) e 1,5 (um e meio),
por meio do julgamento do Recurso Especial nº 1.818.391/RN, ocorrido no dia
10/09/2019, houve uma relativização do entendimento até então predominante,
para condenar determinada construtora/incorporadora ao pagamento de R$
10.000,00 (dez mil reais) a título de danos morais, pautado, unicamente, na
efetiva comprovação do descumprimento contratual. Não houve sequer debate
acerca da demonstração de situação extraordinária, que superasse mera
frustração.
O
Superior Tribunal de Justiça, verificando a ocorrência de atraso superior a 12
(doze) meses na entrega do imóvel, consignou em sua decisão que “a postergação de uma realização de
vida, a qual, no mais das vezes, é a mais significativa a ser alcançada por
famílias de baixa renda” geraria um sentimento de frustração que,
por si só, seria capaz de produzir “abalo
psíquico em intensidade superior ao abalo decorrente do mero inadimplemento
contratual”, ensejando a responsabilização da demandada pelos danos
morais.
Considerando
o entendimento pacificado no Superior Tribunal de Justiça – que se mostra
coerente, uma vez que a indenização por danos patrimoniais é suficiente para
ressarcir os prejuízos decorrentes do eventual desatendimento ao contrato pela
construtora/incorporadora – verifica-se que essa nova decisão revela
sensibilidade da Corte Superior ao reconhecer que a comprovação da baixa renda
no momento da contratação, por si só, justifica que o empresário se sujeite,
nesse caso, ao pagamento de danos morais.
Isto
porque, quanto ao adquirente de baixa renda, deve se considerar que o
investimento por ele promovido para a compra de uma unidade habitacional
envolve abster-se de diversos gastos que os demais adquirentes não se veem
obrigados a abrir mão, como o lazer familiar. E isso, por si só, enquadra-se em
uma situação extraordinária.
Fora
isso, também deve ser considerado que os adquirentes de baixa renda, por suas
condições financeiras, na maioria das vezes não possuem direito ao pleito de
indenização material, por não possuírem os meios para a comprovação de que, por
exemplo, teriam pago aluguel no período em que ocorreu atraso na entrega do
imóvel. Diante disso, o arbitramento de condenações a título de danos morais
acaba se revelando como a única forma de compensação.
Em
verdade, tem-se que a conclusão extraída desse julgamento não é a alteração do
entendimento pacificado de que o mero descumprimento do contrato pela
construtora/incorporadora passará a ensejar danos morais. O que se configurou
foi a fixação jurisprudencial de uma situação extraordinária que ensejará danos
morais, ainda que o único debate do processo resida no descumprimento do
contrato pela construtora/incorporadora, qual seja, a condição de baixa renda
do adquirente.
Portanto,
aqueles que empreendem no mercado por meio do PMCMV, diante da peculiaridade
específica do adquirente neste negócio, deverão estar atentos a necessidade de
agirem com maior cautela para que o contrato seja cumprido, sob pena de estarem
expostos a relevantes indenizações que, até então, não eram arbitradas, aumentando
o risco do negócio e tornando o papel da sua defesa mais difícil.
Hugo Pellegrini - advogado da Área
Corporativa do Marins Bertoldi Advogados.
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