Quem nunca sofreu ou cometeu bullying alguma
vez na vida? Problema cada vez mais comum, principalmente, nas escolas, em
diversas partes do mundo, o bullying ganhou proporções
incontroláveis quando ultrapassou os muros escolares e ocupou os espaços
ilimitados das redes sociais. Com isso, o ato de ridicularizar e humilhar
alguém, simplesmente, por considerá-lo diferente vem atingindo, cada vez mais,
crianças e adolescentes de modo a gerar sofrimento deixando marcas que atingem
a auto estima da criança e/ou do adolescente, que vivencia uma etapa importante
de desenvolvimento em sua vida que projeta sonhos e olha o futuro com esperança.
“Quando falamos de bullying nas
escolas, estamos falando de violência, isto nos remete que o sujeito está
buscando autoafirmação através de uma relação interpessoal, muitas vezes o bullying
se apresenta em forma de brincadeira, de agressividade”, é o que relata a psicóloga
Maria Helena Brandalise na obra Neurociências
e Educação: Aspectos Cognitivos da Aprendizagem que ela
escreveu, juntamente, com Gerado Maria de Araújo Filho. Segundo Maria Helena,
tal relação surge de um processo de autoconhecimento a partir do contato do
indivíduo com os próprios sentimentos, internos ou externos.
Muitas vezes, esse processo é doloroso para o
sujeito, que acaba usando da agressividade e do ataque ao outro como uma forma
de autoproteção e ocultação do próprio “eu”. No entanto, segundo a psicóloga, a
situação poderia ser diferente: “O autoconhecimento poderia tornar-se menos
doloroso, se nas escolas ensinassem conceitos básicos desse conteúdo,
evitando-se assim o bullying e promovendo o respeito no
lugar; possibilitando um desenvolvimento e autoafirmação sadia, própria dos
educandos em desenvolvimento bio-psíquica-social-espiritual”.
No entanto, de acordo com Maria Helena, a escola
deixa a desejar em tais aspectos tão essenciais para a formação da pessoa e
também para a sua socialização. Assim, muitas crianças e adolescentes acabam
tendo dificuldades em se integrarem socialmente e adotam uma visão
etnocêntrica. O sujeito etnocêntrico acredita que os valores e as
normas de sua cultura são melhores que as outras culturas, e isto pode levar a
crenças, preconceitos e gerar desconforto emocional tanto em quem se acha
melhor como o que é ridicularizado. “O etnocentrismo está relacionado àquele
que possui hábitos e caráter social distinto dos demais, que pode discriminar o
outro julgando-se melhor, seja por causa de sua condição social, pelos
diferentes hábitos ou manias, por sua forma de se vestir, ou até mesmo pela
cultura. Podemos dizer que, deste comportamento, aparece o dito bullying”,
afirma.
Diante disso, a autora ressalta que a visão
etnocêntrica caminha no sentido oposto ao da interação, pois é sinônimo de
estranheza e falta de tolerância do diferente, por isso, a importância do
indivíduo desenvolver o bom relacionamento desde cedo. O diferente enriquece
tanto na cultura como nas ideias diferenciadas, é preciso aprender que isto faz
parte do ser humano. Somos criados de modos diferentes e em diversas culturas.
“O desenvolvimento da capacidade de
relacionar-se começa no ambiente familiar e na escola, onde a socialização é
ampliada. É nesses espaços que o sujeito deve aprender que o relacionar-se
consigo mesmo o capacita para a relação com o outro, a inter-relação”, afirma a
psicóloga. Para ela, o sujeito que observa o diferente passa a conhecer-se
também como diferente, e é nesta diferença que o sujeito passa a se conhecer em
seus sentimentos e emoções e vai capacitando-se para a convivência social,
desenvolvendo boas relações para lidar com seus limites e com os dos outros.
Dessa forma, o indivíduo tende a se
compreender e a se aceitar melhor e, a partir daí, desenvolver um bom
relacionamento com o próximo, independentemente de suas diferenças, pois, a
partir do momento que ele está bem consigo mesmo, consegue reproduzir esse bem-estar
na relação com o outro. Todos esses aspectos influenciam a construção da
identidade conforme afirma Maria Helena: “A pessoa constrói sua identidade
através das relações humanas, interpessoais, na troca de experiências, no
ambiente em que vive”.
Assim, a psicóloga destaca que o exercício do
autoconhecimento em sala de aula pode fazer toda a diferença na relação do
aluno consigo mesmo e com o outro. “O aluno deve ser levado a descobrir a sua
própria identidade por meio de questionamentos como ‘Quem sou eu?’, ‘O que
quero fazer?’, ‘Quais meus sonhos a alcançar?’, ‘Qual meu papel na sociedade?’.
Pouco se fala sobre o assunto, muito menos nas escolas. No entanto,
especialmente nos dias de hoje, marcados pelo excesso de informações divulgadas
pela tecnologia, é essencial tratar tais questionamentos com os alunos”.
Além de contribuir para que o sujeito possa
compreender e conviver com as diferenças, a promoção do autoconhecimento no
espaço escolar, como aponta Maria Helena, é fundamental para o desenvolvimento do
indivíduo enquanto sujeito ativo na sociedade e não, apenas, mero espectador.
“A criança que, hoje, vai aprendendo a cuidar de si mesma, no futuro cuidará da
vida comunitária, social, política, econômica, aprendendo a dirigir e governar
seus sentimentos, com liberdade e responsabilidade, a fazer suas escolhas
tornando-se pelo autoconhecimento e pela cultura um ser independente
emocionalmente, como um sábio administrador de seus desejos e impulso, fazendo
escolhas prudentes. Os conhecimentos adquiridos na aprendizagem, então, tornam
o cidadão com comportamentos adaptativos e integrados socialmente”
Portanto, muito além de operações matemáticas,
vocabulário, gramática, entre outros assuntos, a escola deve trabalhar com seus
alunos algo essencial que levarão consigo para o resto da vida: o
autoconhecimento, para que se aceitem como são e aprendam a cultivar o bom
relacionamento com os demais incessantemente.
Maria
Helena Brandalise - Graduada em Psicologia, Mestra em Psicologia
Práticas Clínicas pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e
doutoranda pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina
(UNIFESP) do departamento de Psiquiatria e Psicologia.
E-mail: mhbrandalise@terra.com.br
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