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quinta-feira, 1 de agosto de 2019

Por que as escolas necessitam levar os alunos ao autoconhecimento


 Psicóloga Maria Helena Brandalise fala sobre a importância do autoconhecimento para a aceitação e o acolhimento "do diferente."


Quem nunca sofreu ou cometeu bullying alguma vez na vida? Problema cada vez mais comum, principalmente, nas escolas, em diversas partes do mundo, o bullying ganhou proporções incontroláveis quando ultrapassou os muros escolares e ocupou os espaços ilimitados das redes sociais.  Com isso, o ato de ridicularizar e humilhar alguém, simplesmente, por considerá-lo diferente vem atingindo, cada vez mais, crianças e adolescentes de modo a gerar sofrimento deixando marcas que atingem a auto estima da criança e/ou do adolescente, que vivencia uma etapa importante de desenvolvimento em sua vida que projeta sonhos e olha o futuro com esperança.

“Quando falamos de bullying nas escolas, estamos falando de violência, isto nos remete que o sujeito está buscando autoafirmação através de uma relação interpessoal, muitas vezes o bullying se apresenta em forma de brincadeira, de agressividade”, é o que relata a psicóloga Maria Helena Brandalise na obra Neurociências e Educação: Aspectos Cognitivos da Aprendizagem que ela escreveu, juntamente, com Gerado Maria de Araújo Filho. Segundo Maria Helena, tal relação surge de um processo de autoconhecimento a partir do contato do indivíduo com os próprios sentimentos, internos ou externos.

Muitas vezes, esse processo é doloroso para o sujeito, que acaba usando da agressividade e do ataque ao outro como uma forma de autoproteção e ocultação do próprio “eu”. No entanto, segundo a psicóloga, a situação poderia ser diferente: “O autoconhecimento poderia tornar-se menos doloroso, se nas escolas ensinassem conceitos básicos desse conteúdo, evitando-se assim o bullying e promovendo o respeito no lugar; possibilitando um desenvolvimento e autoafirmação sadia, própria dos educandos em desenvolvimento bio-psíquica-social-espiritual”.

No entanto, de acordo com Maria Helena, a escola deixa a desejar em tais aspectos tão essenciais para a formação da pessoa e também para a sua socialização. Assim, muitas crianças e adolescentes acabam tendo dificuldades em se integrarem socialmente e adotam uma visão etnocêntrica. O sujeito etnocêntrico   acredita que os valores e as normas de sua cultura são melhores que as outras culturas, e isto pode levar a crenças, preconceitos e gerar desconforto emocional tanto em quem se acha melhor como o que é ridicularizado. “O etnocentrismo está relacionado àquele que possui hábitos e caráter social distinto dos demais, que pode discriminar o outro julgando-se melhor, seja por causa de sua condição social, pelos diferentes hábitos ou manias, por sua forma de se vestir, ou até mesmo pela cultura. Podemos dizer que, deste comportamento, aparece o dito bullying”, afirma.

Diante disso, a autora ressalta que a visão etnocêntrica caminha no sentido oposto ao da interação, pois é sinônimo de estranheza e falta de tolerância do diferente, por isso, a importância do indivíduo desenvolver o bom relacionamento desde cedo. O diferente enriquece tanto na cultura como nas ideias diferenciadas, é preciso aprender que isto faz parte do ser humano. Somos criados de modos diferentes e em diversas culturas.

 “O desenvolvimento da capacidade de relacionar-se começa no ambiente familiar e na escola, onde a socialização é ampliada. É nesses espaços que o sujeito deve aprender que o relacionar-se consigo mesmo o capacita para a relação com o outro, a inter-relação”, afirma a psicóloga. Para ela, o sujeito que observa o diferente passa a conhecer-se também como diferente, e é nesta diferença que o sujeito passa a se conhecer em seus sentimentos e emoções e vai capacitando-se para a convivência social, desenvolvendo boas relações para lidar com seus limites e com os dos outros.

 Dessa forma, o indivíduo tende a se compreender e a se aceitar melhor e, a partir daí, desenvolver um bom relacionamento com o próximo, independentemente de suas diferenças, pois, a partir do momento que ele está bem consigo mesmo, consegue reproduzir esse bem-estar na relação com o outro. Todos esses aspectos influenciam a construção da identidade conforme afirma Maria Helena: “A pessoa constrói sua identidade através das relações humanas, interpessoais, na troca de experiências, no ambiente em que vive”.

Assim, a psicóloga destaca que o exercício do autoconhecimento em sala de aula pode fazer toda a diferença na relação do aluno consigo mesmo e com o outro. “O aluno deve ser levado a descobrir a sua própria identidade por meio de questionamentos como ‘Quem sou eu?’, ‘O que quero fazer?’, ‘Quais meus sonhos a alcançar?’, ‘Qual meu papel na sociedade?’. Pouco se fala sobre o assunto, muito menos nas escolas. No entanto, especialmente nos dias de hoje, marcados pelo excesso de informações divulgadas pela tecnologia, é essencial tratar tais questionamentos com os alunos”.

Além de contribuir para que o sujeito possa compreender e conviver com as diferenças, a promoção do autoconhecimento no espaço escolar, como aponta Maria Helena, é fundamental para o desenvolvimento do indivíduo enquanto sujeito ativo na sociedade e não, apenas, mero espectador. “A criança que, hoje, vai aprendendo a cuidar de si mesma, no futuro cuidará da vida comunitária, social, política, econômica, aprendendo a dirigir e governar seus sentimentos, com liberdade e responsabilidade, a fazer suas escolhas tornando-se pelo autoconhecimento e pela cultura um ser independente emocionalmente, como um sábio administrador de seus desejos e impulso, fazendo escolhas prudentes. Os conhecimentos adquiridos na aprendizagem, então, tornam o cidadão com comportamentos adaptativos e integrados socialmente”

Portanto, muito além de operações matemáticas, vocabulário, gramática, entre outros assuntos, a escola deve trabalhar com seus alunos algo essencial que levarão consigo para o resto da vida: o autoconhecimento, para que se aceitem como são e aprendam a cultivar o bom relacionamento com os demais incessantemente.





Maria Helena Brandalise - Graduada em Psicologia, Mestra em Psicologia Práticas Clínicas pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e doutoranda pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina (UNIFESP) do departamento de Psiquiatria e Psicologia.

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