As notícias sobre campanhas
de vacinação e seus resultados revelam sistematicamente que as metas não vêm
sendo atingidas. Esse fato gera natural preocupação na saúde pública devido ao
recrudescimento de doenças existentes e reaparecimento de outras que pareciam
erradicadas. Além disso, há o surgimento de doenças novas que igualmente
merecem atenção em termos preventivos. Até alguns tipos de gripes têm
registrados casos fatais, segundo recentes informações. Dados oficiais revelam
baixa cobertura nas regiões; no Sudeste, que apresenta o melhor desempenho
registrado, não mais do que 77% do público-alvo foram cobertos.
Sem dúvida, há uma espécie de
conspiração contra a mobilização pela saúde pública. Inacreditavelmente, há
pessoas e grupos com ideias anti-vacinação que pelas redes sociais disseminam
conceitos estapafúrdios que vão de crenças religiosas a posições ideológicas.
Esses grupos criam mitos e boatos, como sobre a imunização contra a gripe, de
que a vacina faz com que a pessoa fique gripada, quando na verdade ela previne
infecções e pode salvar muitas vidas. Esta realidade tem feito que os médicos
se mostrem vigilantes e dediquem mais tempo para o convencimento sobre a
importância da imunização preventiva.
A vacinação é o meio de
enfrentar o problema e isso depende de campanhas sociais, chamamento e efetivas
ações. Se as campanhas não estão produzindo os resultados esperados devem ser
revistas e reestudadas para se saber onde estão as falhas. Ultimamente, foram
deflagradas campanhas contra poliomielite, sarampo, febre amarela, dengue,
influenza, entre outras, com baixo nível de imunização, o que é preocupante. No
final da semana passada ocorreu o chamado dia D de vacinação contra sarampo e
poliomielite. O Ministério da Saúde informou que a cobertura ficou em torno de
40% do público-alvo e a mobilização foi estendida até o final do mês.
Essa dificuldade de resposta
positiva não é problema atual, mas deve ser enfrentado com criatividade e
rigor. Quando assumi o Ministério da Saúde, em 1987, ainda havia casos de
poliomielite, principalmente no Nordeste. A população se mostrava refratária ao
chamamento para comparecer aos postos de saúde. Foi necessário desenvolver uma
campanha maciça, até o Exército colaborou indo às casas para vacinar a
população e as metas foram cumpridas. Mas era preciso estimular a vacinação em
todo o país. Então, o Ministério promoveu concurso nacional para criar um
ícone, um personagem que influenciasse principalmente crianças. Surgiu a figura
do “Zé Gotinha”, até hoje mantida, mas ultimamente muito pouco utilizada. Na
época, o Brasil se tornou modelo em vacinação e a pólio foi erradicada. Em
dezembro de 1987 assinei a portaria criando a figura do “Zé Gotinha”.
Atualmente a poliomielite é
ameaça constante e somente pode ser barrada com imunização. De acordo com dados
oficiais há risco de retorno da doença e que mais de 300 cidades estão abaixo
da meta preconizada para vacinação, o que levará à formação de bolsões de
pessoas não vacinadas, possibilitando, assim, a reintrodução do poli vírus e do
sarampo.
O Ministério da Saúde
reconhece que há dificuldade em cumprir as metas e foi feito novo alerta para a
gravidade da situação. Na sequência, campanhas foram realizadas sem modificação
do quadro.
Tenho notado que as campanhas
acabam prorrogadas, por não alcançarem as metas previstas, há casos em que até
sobram vacinas em alguns municípios. Parece que há desinteresse da população,
das famílias, e as doenças vão se alastrando. Entendo que se campanhas
educativas e de conscientização não estão surtindo efeito desejado, que sejam
obrigatórias. Há que se buscar formas e meios para isso e estabelecer punição
de pais e responsáveis que se mostrarem desinteressados ou omissos, algo como
suspensão de benefícios sociais ou mesmo multa pecuniária. Não será nenhuma
arbitrariedade, pois se trata de saúde pública, do bem-estar da população.
Para outras situações que
colocam em risco especialmente crianças, como em educação e questões sociais,
há instrumentos legais para chamar à responsabilidade e até punições previstas.
Por que não adotar salvaguardas semelhantes quando se refere à saúde física?
Somente a possibilidade de punição já seria suficiente para inibir eventuais
omissões de responsáveis.
Não é admissível que doença
que se supunha erradicada reapareça e que as endêmicas sigam a crescer, fazendo
vítimas, causando preocupação e a passividade continue.
Os riscos são evidentes. A
possibilidade de algumas doenças graves que já haviam sido eliminadas no Brasil
voltarem a atingir a população é uma realidade preocupante. Diante da ameaça do
retorno do sarampo e da poliomielite, que podem ser prevenidas a partir da
vacinação, os dados de cobertura vacinal no País se mostram abaixo da meta. É
evidente a importância de manter a vacinação em dia para evitar essas
doenças e suas sequelas.
Enfermidade não é apenas
quadro patológico que afeta a população, contamina também a produção laboral e
onera o sistema de saúde pública. A vacina é a melhor forma para evitar o
retorno de doenças eliminadas e para atacar as que estão assediando a
população. É na saúde que mais vale a máxima de que é melhor prevenir do que
remediar. Imunização vacinal é o caminho preventivo - todavia, com seriedade,
responsabilidade e se necessário com rígida obrigatoriedade.
Luiz Carlos Borges da
Silveira - médico. Foi
Ministro da Saúde e Deputado Federal. Como ministro foi o criador do “Zé
Gotinha”.
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