As
empresas socialmente engajadas terão um vasto novo horizonte para desbravar em 2017.
Reflexo direto das delações premiadas, das descobertas aparentemente
intermináveis de fraudes político-corporativas e das mudanças em algumas
lógicas caras às companhias no decorrer do intranquilo 2016, a descoberta de
novos conceitos ligados àquilo que se chama de "governança
empresarial" vai representar uma fronteira bravia a ser domesticada,
compreendida e inserida na agenda corporativa a partir de agora. As companhias
que hoje se debatem para implantar políticas de compliance e consequentes códigos de conduta
rígidos - para evitar o risco de cair ou recair em práticas sem ética - mal
terão tempo de recobrar o fôlego e já lá terão batendo às suas portas novas
demandas que, para alguns, soarão inusitadas.
Uma
das mais notáveis entre elas será a da elasticidade que se descobrirá no termo compliance. Essa expressão
derivada do verbo em inglês comply
- acatar a uma ordem e agir segundo ela - já se mostra bastante ampla no jargão
empresarial. Ela inclui uma vasta ordem de fenômenos do universo das empresas
privadas, e até de órgãos públicos, em uma tentativa de os controlar por meio
de moldes éticos. Os códigos de conduta das empresas são suas pequenas pontas
aparentes, mas por baixo há toda uma maquinaria de controle que vem ganhando
músculos de grandes proporções.
Ainda
assim, se hoje espremêssemos os complexos de compliance
de diversas empresas como se fossem diferentes frutos, o suco resultante teria
um único sabor com pequenas variantes. Tal sabor remete a uma só frase das
bíblias corporativas: "não roubarás". As variações são as esperadas -
"não darás nem aceitarás propina", "não levantarás falso
testemunho contra colegas" e coisas assim.
Esse
é o ponto onde estamos. O próximo passo pressupõe adicionar predicados à
governança. Não se espante ao ouvir nos corredores da empresa, breve, coisas
como "compliance
humano", "compliance
ambiental" ou "animal", entre outros qualificativos cada vez
mais minuciosos - alguém aí pensou em "infantil" ou
"emocional"? Sim, é nessa direção.
Os
grandes candidatos a ganhar luz em 2017, porém, são os dois primeiros que
enfileirei. O "compliance
humano" é minha maior aposta como primeiro a se tornar fundamental na vida
de uma empresa ética. Ele supõe fazer algo que algumas destas companhias já
fazem, mas de uma nova maneira, muito mais séria, complexa e comprometida.
Trata-se de realizar uma gestão completa dos impactos da empresa, de seus
parceiros, clientes e fornecedores sobre os direitos humanos
fundamentais.
Falando
assim pode soar etéreo como um manual de boas intenções. Na verdade, é algo
longe disso. Imagine pesquisar, avaliar e mapear as ramificações sociais de uma
empresa de maneira a determinar onde, como e porque violações de direitos
fundamentais ocorrem ou podem ocorrer. Esse é o primeiro passo, e a dificuldade
já se mostra grande. O segundo torna hercúlea a tarefa: definir como evitar
tais violações e que fazer se uma delas é descoberta.
Vamos
sair um instante do abstrato para avaliar o desafio. Vou falar de uma
personagem fictícia, mas cujas características são bem possíveis, chamada Zé. A
Borracharia do Zé, ali na esquina, tem dois funcionários. Um deles bate na
mulher dia sim dia não e costuma abusar da filha do vizinho. A Borracharia tem
10 fornecedores de insumos, entre os quais uma firma de cola que mantém
empregados estrangeiros ilegais trabalhando e vivendo escondidos em troca de
comida. Um dos grandes clientes do Zé é um sujeito afável que manda garotas
curvilíneas levar pneus perfurados a faca para conserto. De alguma maneira, a
Borracharia é um nó central nessas relações humanas. O Zé é ético mas não sabe
dos detalhes de seus parceiros. Se ele resolve seguir uma estratégia de compliance humano,
avaliando onde seu negócio faz interface com situações de violação de direitos
das pessoas, vai descobrir que seu maior freguês explora mulheres como cafetão,
seu fornecedor é escravagista e um de seus colaboradores é sociopata.
Agora,
que tal expandir esse cenário para uma empresa com quatro mil funcionários, 500
fornecedores, 300 revendas e mais uma centena de parceiros diversos?
O
problema não está apenas no mapeamento de violações e em medidas para
evitá-las. Ele se abre ainda para questões como as reparações talvez
necessárias. Se o fictício Zé é o único ou principal comprador de cola da firma
escravagista, ele tem responsabilidade, ao menos ética, sobre o que ocorre lá.
Talvez os exemplos que dei pareçam rudes ou exagerados - mas, asseguro, não
são. Além de trabalhar com compliance,
mantenho há anos uma ONG de apoio a pessoas despossuídas de direitos fundamentais.
O que vemos no dia a dia é um cenário aterrador de tráfico de pessoas, de
escravidão sob inúmeros disfarces e de violações que fogem à compreensão. Tudo
invisível e, muitas vezes, de alguma maneira ligado a negócios éticos que não
sabem da existência desse submundo em suas fronteiras ou mesmo dentro
delas.
Uma
das grandes questões para as companhias éticas em 2017, portanto, é se elas
querem dar um passo à frente e abraçar a questão do compliance humano - ousando tornar visível o
invisível para se melhorar.
Barry Wolfe - Advogado pós-graduado em Direito Econômico pela Yale
Law School, Mestre em Direito Internacional por Cambridge, Barry Wolfe é
diretor da Wolfe Associates (www.wolfe.com.br),
consultoria em compliance preventiva, avaliação de riscos e investigação de
fraudes corporativas.
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