Mais de 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos e
água foram despejados sobre a região de Mariana (MG) com a queda das barragens.
Um grupo de especialistas independentes no sistema
em direitos humanos das Nações Unidas pediu ação imediata do governo brasileiro
e das empresas envolvidas para solucionar os impactos – ainda persistentes – do
colapso de uma barragem de rejeitos de mineração da empresa Samarco, ocorrido
em 5 de novembro de 2015 em Mariana, Minas Gerais.
Na declaração, que marca o primeiro aniversário do
desastre provocado pela ruptura da barragem de rejeitos de Fundão, os
especialistas destacaram vários danos não solucionados, dentre eles o acesso
seguro à água para consumo humano, a poluição dos rios, a incerteza sobre o
destino das comunidades forçadas a deixar suas casas, e a resposta insuficiente
do governo e das empresas envolvidas.
Leia abaixo o comunicado, na íntegra:
“Na véspera do primeiro aniversário do colapso
catastrófico da barragem, de propriedade da Samarco, instamos o governo
brasileiro e as empresas envolvidas a darem resposta imediata aos numerosos
impactos que persistem, em decorrência desse desastre.
As medidas que esses atores vêm desenvolvendo são
simplesmente insuficientes para lidar com as massivas dimensões dos custos
humanos e ambientais decorrentes desse colapso, que tem sido caracterizado como
o pior desastre socioambiental da história do país.
Avanço da lama do Rio Doce sobre o Oceano Atlântico
Após um ano, muitas das seis milhões de pessoas
afetadas continuam sofrendo. Acreditamos que seus direitos humanos não estão
sendo protegidos em vários sentidos, incluindo os impactos nas comunidades
indígenas e tradicionais, problemas de saúde nas comunidades ribeirinhas, o
risco de subsequentes contaminações dos cursos de água ainda não recuperados, o
avanço lento dos reassentamentos e da remediação legal para toda a população
deslocada, e relatos de que defensores dos direitos humanos estejam sendo
perseguidos por ação penal.
Relembramos o governo e as empresas que um desastre
dessa escala — que despejou o equivalente a 20 mil piscinas olímpicas de
rejeitos — requer resposta em escala similar.
Apelamos ao Estado brasileiro para que forneça
evidências conclusivas sobre a segurança da qualidade da água dos rios e de
todas as fontes utilizadas para consumo humano e que estas atendem os padrões
legais aplicáveis. Estamos preocupados com relatos sugerindo que alguns dos
cursos de água nos 700 km afetados, sobretudo do vital Rio Doce, ainda estejam
contaminados pelo desastre inicial. Especialmente, de que níveis de alguns
metais pesados e de turbidez ainda estariam violando os limites permissíveis.
Tal quadro é particularmente urgente, à luz de
relatos de que comunidades afetadas pelo desastre estarem sofrendo efeitos
adversos sobre sua saúde. Receamos que o impacto sobre as comunidades
ribeirinhas sejam resultado não apenas da contaminação da água, mas também da
poeira resultante do ressecamento da lama.
Destacamos ainda as conclusões do Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), indicando que os
esforços das empresas envolvidas — Samarco, Vale e BHP Billiton — para deter os
contínuos vazamentos de lama da barragem de Fundão, estejam sendo
insuficientes. Receamos que mais rejeitos possam atingir as regiões de jusante
quando a temporada chuvosa iniciar, daqui a algumas semanas.
Além de estarmos solicitando urgentes
esclarecimentos sobre a qualidade da água e a saúde das vítimas, estamos
preocupados também com o destino das comunidades que foram forçadas a abandonar
suas casas devido ao desastre. Após um ano, o processo de reassentamento está
longe de concluído. Devem ser tomadas medidas de restituição e reassentamento
que incluam a reinstalação de povos indígenas e comunidades locais deslocados
para terras, territórios e recursos de igual qualidade, tamanho e estatuto
jurídico às terras de onde foram forçados em decorrência do desastre.
Acreditamos que o Governo Brasileiro e as empresas
envolvidas necessitam acelerar o processo de reassentamento e assegurar que
esteja em consonância com o marco internacional dos direitos humanos. Atenção
especial deve ser prestada aos direitos dessas comunidades, à melhoria
progressiva de suas condições de vida, e ao respeito a seus valores culturais.
Anteriormente, elogiamos a suspensão do acórdão
pelo Superior Tribunal de Justiça brasileiro, devido a várias preocupações
quanto a seus termos. No entanto, observamos que este acordo ainda se encontra
sem solução nas instâncias judiciais inferiores. Reiteramos a nossa grave
preocupação com os efeitos adversos que alguns dos termos do acórdão podem
provocar no direito das populações de acesso à justiça.
Ainda que sejam positivas as iniciativas para a
conciliação e o acesso rápido a medidas reparatórias, o acórdão não deve
desproteger as comunidades afetadas quanto a um acesso pleno a soluções
efetivas a longo prazo.
Instamos as empresas a se absterem de tomar
qualquer ação que traga intimidação do trabalho dos defensores dos direitos
humanos, e a assegurarem que qualquer medida para a proteção de suas
propriedades seja proporcional aos fatos e não conflitem com o direito da
população à liberdade de expressão e acesso à justiça.
Apelamos ao Governo Brasileiro para que
intensifique seus esforços de prover uma solução a esse impasse legal, de modo
a evitar subsequentes impactos sobre os direitos humanos das comunidades
afetadas e a alcançar uma integral reparação. Isto deve incluir garantias de
que desastre semelhante jamais se repita.
Reconhecemos alguns passos importantes que as
empresas vêm tomando para interagir com o Ministério Público, os procuradores
da justiça e lideranças comunitárias, para se encontrarem soluções comuns e
resolver todas as pendências o mais rapidamente possível.
É preciso agora redobrar todos os esforços, para
assegurar que os direitos humanos de todos os afetados, incluídos os familiares
das 19 pessoas falecidas em decorrência do desastre, sejam integral e
rapidamente cumpridos.”
Os especialistas
Dainius Pūras (Lituânia) é o relator especial sobre
o direito de todos ao desfrute do mais elevado nível possível de saúde física e
mental. Foi nomeado pelo Conselho de Direitos Humanos em primeiro de agosto de
2014. Pūras é médico, professor e chefe do Centro de Pediatria Social e
Psiquiatria Infantil na Universidade de Vilnius.
Michel Forst (França) foi nomeado pelo Conselho de
Direitos Humanos como relator especial da ONU sobre a situação dos defensores
dos direitos humanos em 2014. Michel Forst tem uma vasta experiência em
questões de direitos humanos e particularmente na situação dos defensores de
direitos humanos. Foi diretor-geral da Anistia Internacional (França) e
secretário-geral da primeira Cúpula Mundial sobre Defensores de Direitos
Humanos em 1998.
Victoria Tauli-Corpuz (Filipinas) é o relator
especial da ONU sobre os direitos dos povos indígenas. Ela foi nomeada pelo
Conselho de Direitos Humanos em junho de 2014. Membro dos Kankana-ey, povos
indígenas Igorot da região da cordilheira nas Filipinas, é ativista de direitos
humanos cujo trabalho há mais de três décadas tem se concentrado na construção
de movimentos entre os povos indígenas e também entre as mulheres.
O Grupo de Trabalho sobre direitos humanos e
corporações transnacionais e outras empresas foi criado pelo Conselho de
Direitos Humanos da ONU em junho de 2011. Os membros atuais são: Sr. Michael
Addo (atual vice-presidente), Sr. Surya Deva, Sr. Dante Pesce, Sr. Pavel
Sulyandziga (atual presidente), e Sra. Anita Ramasastry.
Léo Heller (Brasil) é o relator especial da ONU
sobre o direito humano à água potável e ao saneamento. Ele foi nomeado pelo
Conselho de Direitos Humanos em novembro de 2014. Heller é atualmente
pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz no Brasil.
Os relatores especiais fazem parte do que se
conhece como procedimentos especiais do Conselho de Direitos Humanos.
“Procedimentos Especiais”, o maior órgão de especialistas independentes no
Sistema de Direitos Humanos das Nações Unidas, é o nome atribuído aos
mecanismos de inquérito e monitoramento independentes do Conselho, que trabalha
sobre situações específicas de cada país ou questões temáticas em todas as
partes do mundo. Os especialistas dos Procedimentos Especiais trabalham a
título voluntário; eles não são funcionários da ONU e não recebem um salário
pelo seu trabalho. São independentes de qualquer governo ou organização e
prestam serviços em caráter individual.
ONU Brasil/#Envolverde
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