O trabalho análogo à escravidão vem ganhando cada vez mais visibilidade no Brasil, em razão do crescente número de casos. Isso também chama a atenção das empresas, que precisam estar atentas às condições a que são expostos seus colaboradores, principalmente, seus terceirizados, pois, também nesses casos, são corresponsáveis por esses atos.
E não adianta, depois que os casos ocorrem, buscar afirmar que não sabiam, pois terão que responder judicialmente, e na grande maioria das vezes com razão. Além de ter que enfrentar um grande desgaste para a marca, que se vê prejudicada, impactando nos resultados dos negócios. Ou seja, é preciso entender muito o tema para poder combater tais práticas
“O tema é complexo para empresas indo muito além da questão ética e humanitária, pois tem as questões criminais e trabalhistas que são muito graves e, além disso, o desgaste da imagem quando enfrenta uma crise gerada pela denúncia de trabalho escravo. Nos últimos anos, temos visto diversos casos de eventos que prejudicaram a imagem de empresas, o que demanda tempo e muito trabalho para recuperar o valor perdido pela marca”, alerta Rosa Sborgia, sócia da Bicudo e Sborgia Marcas e Patentes.
O
trabalho análogo à escravidão é aquele que resulta das seguintes situações:
- submissão do colaborador a trabalhos forçados ou a jornada
exaustiva;
- sujeição de trabalhador a condições degradantes de trabalho;
- restrição da locomoção do trabalhador (por dívida contraída,
impedimento do uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador
ou por qualquer outro meio com o fim de retê-lo no local de trabalho);
- vigilância ostensiva a fim de retê-lo no local de trabalho;
- posse de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, por parte do empregador ou de seu preposto, a fim de retê-lo no local de trabalho.
“É importante observar que o trabalho análogo à escravidão está, muitas vezes, ligado ao não cumprimento das normas de saúde e segurança do trabalho. Assim, as empresas expõem os trabalhadores a condições precárias e perigosas. Isso é uma violação dos direitos humanos e, além disso, é uma forma de desrespeito à vida e à integridade física e mental dos trabalhadores”, argumenta a CEO da Moema Medicina do Trabalho, Tatiana Gonçalves.
Em relação
aos casos recentes, ressalta-se a importância de as empresas garantirem um
ambiente de trabalho adequado. “Para os empresários, fica a lição de que é
fundamental que empresas e autoridades responsáveis garantam um ambiente de
trabalho seguro e saudável. Isso se dá respeitando a legislação, adequando-se
às normas técnicas a respeito do tema e promovendo condições dignas a todos os
trabalhadores”, afirma Tatiana Gonçalves.
Cuidados
com terceirizados
Segundo o advogado Mourival Boaventura Ribeiro, sócio da Boaventura Ribeiro Advogados, casos recentes como o de vinícolas no Rio Grande do Sul e de um grande festival em São Paulo têm em comum o fato de envolver funcionários contratados por empresas terceirizadas.
“Se você se atentar bem, estes escândalos de utilização de mão de obra análoga à escravidão na maioria das vezes envolve a prestação de serviços terceirizados. Antes e durante a vigência destes contratos as empresas contratantes devem analisar e fiscalizar o cumprimento dos mesmos, exigir das contratadas documentos comprobatórios de registro dos profissionais, de pagamento de salários e benefícios, do controle de frequência com a carga horária efetivamente cumprida”, alerta Mourival Ribeiro.
A empresa tomadora dos serviços será subsidiária ou solidariamente responsabilizada pelas violações aos direitos dos trabalhadores, o Ministério Público e a Justiça do Trabalho têm atuado no sentido de imputar responsabilidade à empresa que se beneficia desse tipo de mão de obra.
A orientação de Mourival Ribeiro é que as empresas, ao contratar mão de obra terceirizada, fiscalizem e exijam o cumprimento das leis pela empresa contratada, até porque a empresa contratante poderá vir a ser responsabilizada em caso de inadimplência.
Mourival Ribeiro conta que, como forma de prevenção, grandes redes têm adotado programas para monitoramento de cadeias produtivas e fazem estabelecer em contratos a obrigação ao integral cumprimento das leis trabalhistas e de outros incidentes na relação contratual, a fim de garantir a não utilização pela empresa parceira de mão de obra infantil ou trabalho escravo, com imposição de restrições em caso de violações a tais regras.
Mas
isso não vale apenas para as grandes empresas, as pequenas e médias precisam
ainda mais se precaver. A descoberta de ações erradas ou associadas a esse tipo
de trabalho é, com certeza, um grande golpe para os negócios, levando muitas
vezes essas empresas a fecharem as portas. Lembrando que elas não possuem a
mesma estrutura jurídica das grandes empresas, nem mesmo de marketing.
Cuidados
em casa
A preocupação também vem aparecendo em relação aos contratos de trabalho domésticos, com muitos casos de famílias que mantêm funcionários em condições deploráveis e com restrições à liberdade do trabalhador.
“No ambiente doméstico, essa situação se agrava. Via de regra, as empregadas domésticas acabam isoladas do convívio social e familiar. Na maioria dos casos, começam a trabalhar ainda quando crianças, e a situação persiste ao longo de quase toda a vida dessas pessoas, obrigadas ao cumprimento de jornadas excessivas de trabalho e sem direitos básicos ou mesmo sem remuneração regular”, explica Mourival Ribeiro.
O advogado conta que, no ano de 2022, o TST julgou um caso no qual uma professora e suas filhas, durante 29 anos, mantiveram a empregada doméstica em condições degradantes de trabalho e confirmou a condenação imposta a elas ao pagamento de indenização por danos morais em valor de 1 milhão de reais.
“Infelizmente,
até mesmo em função do isolamento ao qual são submetidas essas pessoas, a
maioria dos casos vem à tona por meio de denúncias, mas é preciso diferenciar a
violação aos direitos trabalhistas com o trabalho em condições análogas à
escravidão”, explica o advogado.
Normas
regulamentadoras
Para minimizar os possíveis riscos existentes, as empresas devem se atentar e conhecer as regras regulamentares existentes para o ambiente de trabalho, conforme explica Tatiana Gonçalves.
“As normas estão aí e qualquer pessoa pode ter acesso a elas. O importante é se atentar e avaliar se o ambiente de trabalho está condizente às regras. Um exemplo é a norma regulamentadora do trabalho, número 6, que trata dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI). O regulamento deixa claro que a empresa não pode cobrar por essas proteções, além de ser obrigada a fornecer, educar sobre o uso e acompanhar o uso correto”, explica a CEO da Moema Medicina do Trabalho.
Contudo,
Gonçalves detalha outra norma, a NR24, que estabelece as condições mínimas de
higiene e de conforto a serem observadas pelas organizações. Nessa mesma linha,
confira alguns pontos de destaque segundo Tatiana Gonçalves:
- Locais para refeições: os empregadores devem oferecer aos
seus trabalhadores locais em condições adequadas de conforto e higiene
para as refeições por ocasião dos intervalos concedidos durante a jornada
de trabalho.
- Alojamento: é o conjunto de espaços ou edificações, composto
de dormitório, instalações sanitárias, refeitório, áreas de vivência e
local para lavagem e secagem de roupas, sob responsabilidade do
empregador, para hospedagem temporária de trabalhadores. Esses espaços
devem:
- ser mantidos em condições de conservação, higiene e limpeza;
- ser dotados de quartos;
- dispor de instalações sanitárias, respeitada a proporção de
1 (uma) instalação sanitária com chuveiro para cada 10 (dez)
trabalhadores hospedados ou fração; e
- ser separados por sexo.
Caso as instalações sanitárias não sejam parte integrante dos dormitórios, devem estar localizadas a uma distância máxima de 50 m (cinquenta metros) desses ambientes, interligadas por passagens com piso lavável e cobertura.
“Esses
são apenas exemplos básicos dos cuidados a serem tomados pelas empresas, mas
existem muitos outros. Assim, a recomendação é entender as normas e se adequar.
Feito isso, os riscos ficam muito menores, garantindo o normal funcionamento do
negócio”, finaliza Tatiana.