Não faltará, ante a leitura deste texto,
quem diga: “Agora, que alijamos a esquerda do poder, você vem falar nisso?”.
Bom, em primeiro lugar, falo nisso há 33 anos, mesmo tempo durante o qual, na
companhia de uns poucos em todo o país, clamo por um governo liberal e
conservador, contra o esquerdismo hegemônico finalmente derrotado em 2018. Meus
leitores menos jovens são testemunhas disso. Em segundo lugar, este é o momento
certo para, escancarada a inepta e irracional realidade institucional do país,
examinar isso à luz de outro modelo.
Está na ordem do dia a reforma da
Previdência, que Nizan Guanaes denomina “salvação da Previdência” e respeitados
economistas chamam “salvação do Brasil”, significando que, sem ela o país será
abandonado pelos investidores. O motivo desse possível abandono é –dirão alguns
– simples, frio e calculista. Simples como bê-á-bá, frio como a russa Estação
Vostok e calculista como um auditor do IRS dos Estados Unidos: nenhum organismo
financeiro do mundo empresta dinheiro para custeio de aposentadorias! Não
adianta procurar. Mormente se esse financiamento se faz necessário porque se
esgotou a capacidade de pagamento do tomador de recursos. Sem novas regras para
a Previdência, as perspectivas para o PIB, taxa de juros, Selic e dívida bruta
do governo são apavorantes.
Pois mesmo em presença desse cenário, há
resistências à reforma. Ela vem:
· de segmentos sociais cujos interesses
ficam contrariados e o egoísmo fala muito alto (há quem julgue virtuosas as
motivações do egoísmo...);
· de congressistas temerosos de perder
votos porque a prudência que aponta a necessidade de reformar contraria o
imediatismo imprudente de muitos eleitores;
· de partidos e políticos que apostam no
caos e por ele trabalham, quer estejam no governo, quer estejam na oposição;
· de políticos de péssimo caráter que
sistematicamente se valem das urgências nacionais para resolver as próprias,
negociando cargos e verbas, no indecente negócio de formação de maiorias (tudo
já em curso);
· de eleitores injuriados pelos abusos
cometidos nos andares mais altos dos poderes de Estado (também isso a exigir
reforma institucional!).
Se
aproveito o momento para falar sobre parlamentarismo, não é para transformar
Bolsonaro em chefe de Estado e escolher para ele um primeiro ministro, ou
vice-versa. Nada disso! Eu o elegi e o quero na presidência, por dois mandatos,
se possível. Um modelo de maior racionalidade, estabelecido por reforma bem
planejada, deveria prever sua própria vigência para nunca antes do pleito
municipal de 2024 e do pleito nacional de 2026, proporcionando aos agentes
políticos o necessário tempo de adaptação.
Meu
objetivo, aqui, é evidenciar que num sistema de eleição parlamentar por voto
distrital, que separe a chefia de Estado da chefia de governo, que seja
mobilizado e consagre nas urnas uma proposta de governo, e que atribua a função
governo à maioria parlamentar, essa “zona” da política fica mais respeitável. A
maioria governante não venderá votos a si mesma...
Os
motivos são evidentes. A maioria que elege o governo depende de que o governo
vá bem para se manter governando. Governo que perde a maioria cai como goiaba
que o bicho comeu por dentro. Essa característica proporciona muito maior
estabilidade e cobra efetiva fidelidade dos partidos e seus parlamentares.
Congressista infiel à diretriz partidária costuma perder a indicação do seu
distrito na eleição subsequente. O presidencialismo gera irresponsabilidade
parlamentar e produz impasses que se prolongam indefinidamente, sem solução.
Pronto, falei. Eu sei, temos outras
urgências, mas não podemos perder de vista que o modelo institucional
brasileiro é ficha suja e já começa a mostrar suas nódoas. É um sistema ruim de
carregar nas costas.
Percival Puggina - membro da Academia
Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org,
colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo;
Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do
grupo Pensar+.