Eu estou exausta. Fico tentando esconder isso da minha família e dos meus colegas de trabalho, mas a verdade é que estou exausta. Afinal, quem não está? Estamos vivendo a sociedade do cansaço e a era da glorificação do ocupado. Com a popularização dos smartphones, que tornou invisível as barreiras entre trabalho e vida pessoal, sinto que meu trabalho é sem fim.
Além de tudo isso, eu me sinto culpada quando paro para descansar
— na verdade, descanso virou sinônimo de dormir. A máxima “trabalhe enquanto
eles dormem” tomou a sociedade como um todo e parece que a todo momento
precisamos otimizar tempo. E otimizamos para quê?
A Organização Mundial da Saúde promoveu um longo estudo em 2019 e depois novamente em 2022 sobre exaustão, ansiedade e burnout, atualmente identificando esse estado como uma crise crônica. No ranking mundial, o Brasil fica em 8º lugar na pesquisa de International Stress Management Association (Isma-BR) , ficando na frente de China e EUA.
Nessa dicotomia entre exaustão e maximização do tempo, as mulheres acabam se apropriando ainda mais dessa figura. Na tentativa de sermos “aquela que dá conta”, que “consegue congelar os efeitos do tempo” em sua aparência enquanto constrói uma carreira admirável, com um parceiro que é complementar e parece ser perfeito para ela e uma mãe exemplar.
Vivemos uma sensação de que a lista é infinita de coisas e nunca
seremos boas o suficiente nessa lista. No âmbito de mãe, mulher, cuidar do
corpo, se relacionar com as pessoas que você ama e estar presente, o resultado
é sempre um acúmulo de funções e expectativas que formam o “trabalho invisível
das mulheres”.
O trabalho invisível começa com o que pode ser chamado de “trabalho emocional”, ou seja, expectativas que se tem sobre as mulheres sobre possíveis funções destinadas a nós nos ambientes de trabalho. Espera-se que sejamos mais tolerantes, pacificadoras e conciliadoras. Esse trabalho emocional, além de ser completamente exaustivo, não recebe remuneração ou reconhecimento e não consta na descrição de cargo de nenhuma função.
Eu sempre quis trabalhar na área comercial. Estar à frente do
negócio, fazer relacionamento com clientes, bater metas, etc. Porém, por alguns
bons anos da minha trajetória eu não podia estar na cadeira comercial. Então me
colocavam na área de marketing e trade marketing a fim de satisfazer minha
vontade, mas sem estar, de fato, à frente de uma carteira de clientes.
Apenas alguns anos depois, quando o Gerente Comercial pediu
férias, que me deixaram cobrir a carteira dele e só a partir dos excelentes
resultados que apresentei é que me deixaram ingressar na carreira de vendas.
Deixaram. Ainda é inaceitável entender que para seguir a carreira que eu queria
e merecia, alguém precisou deixar isso acontecer, como se eu não tivesse
habilidades e nem o poder sobre minha trajetória.
Foram-me sugeridas várias profissões como RH, marketing,
atendimento. Em qualquer carreira que eu escolhesse, com certeza me cobrariam
performar um estereótipo de feminilidade, leveza e simpatia. Além disso,
espera-se das mulheres que elas consigam antecipar necessidades dos outros:
antecipar quando algo irá faltar em casa, antecipar os desejos da família, se
preocupar com as refeições previamente.
Afinal, o trabalho emocional exigido nos ambientes corporativos se
estende na jornada extra em casa, o qual também é invisível. Estima-se que as
mulheres trabalhem cerca de 20 horas semanais a mais do que homens para poder
”dar conta de tudo” e ainda estarmos bem vestidas e jovens.
Dados mostram que mais de 2,5 milhões de mulheres desistiram de
trabalhar e de construir uma carreira em 2022 para cuidar de parentes ou de
tarefas domésticas, ou mesmo as que procuravam, mencionaram esses fatores como
impeditivo para ter uma ocupação remunerada. O número de homens que não
trabalham por esses motivos é de apenas 80 mil, ou 4% do total. Isso, sem dar
destaque ao recorte social e de raça, que deixa esse número ainda mais
alarmante, segundo os dados da Síntese de Indicadores Sociais 2023, estudo do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
É muita coisa. O fardo é muito pesado. Nos últimos anos, ganhamos
espaço e, de acordo com o Censo de Diversidade da Escola Korú, no qual já
entrevistamos mais de 10 mil funcionários do setor privado e público, a
participação de mulheres no mercado de trabalho segue aumentando, mas sem o
reequilíbrio do “trabalho invisível” das mulheres. A tendência é um acúmulo
muito maior de funções.
Resolver essa equação parece bem complexo e realmente é, mas garanto ser também possível. Para o movimento acontecer é preciso falar sobre e discutir as nossas expectativas e do mercado, em relação à nós mulheres. E quando digo “mulheres”, eu me refiro às muitas mulheres e suas funções que cada uma de nós ocupa na sociedade. Estamos cansadas de estar exaustas.
Raissa
Florence — A cofundadora e Diretora de Growth da Koru é formada em Relações
Internacionais e Economia e pós-graduada em Análise de Dados. Atuou como
diretora comercial na Contabilizei, Head Comercial na Remessa Online, Líder de
Startup dentro da Cremer e teve atuação forte na área de Gente & Gestão na
Ambev, em programas de desenvolvimento de liderança. Nos últimos anos,
dedicou-se ao desenvolvimento de negócios disruptivos e tech.
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