Estudo inédito
sobre ONGs e bancos expõe relação conflituosa e cercada por barreiras
operacionais e administrativas
Impossibilidade de abrir uma conta bancária, falta
de acesso a cartões de crédito e de débito, tarifas semelhantes a de outros
clientes, requerimento de antecedentes criminais de toda a diretoria e
exigência de parecer do consulado brasileiro no país-sede. Estes são apenas
alguns dentre uma série de obstáculos enfrentados pelas organizações da
sociedade civil no Brasil e que foram revelados pela pesquisa As ONGs e
os Bancos, primeira sobre o tema no país.
O estudo englobou 123 organizações e é uma
iniciativa do programa de advocacy da ABCR (Associação Brasileira
de Captadores de Recursos), que também faz parte da Coalizão de OSCs pelo GAFI
(Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do
Terrorismo). A investigação nasceu a partir de queixas realizadas pelas
organizações sem fins lucrativos à ABCR sobre a relação conflituosa com o
sistema financeiro. Com o objetivo de compreender e avaliar suas percepções em
relação aos bancos, os dados da pesquisa foram coletados por meio de
questionários on-line, com 39 perguntas abertas e fechadas, entre junho e julho
de 2022.
Ao todo, foram elencadas 28 instituições bancárias
(incluindo o segundo e o terceiro banco com que as organizações trabalham). Os
bancos mais citados pelas organizações foram o Banco do Brasil (14%), Itaú
Unibanco (11%), Banco ABC Brasil (10%) e Bradesco (10%). É provável que a
liderança do Banco do Brasil seja uma consequência da lei 13.019/2014, que rege
as parcerias entre os governos e as ONGs e exige a abertura de conta em um
banco público. Possivelmente, em razão de sua penetração maior no Terceiro
Setor, o BB foi citado tanto como o banco que mais apresenta facilidades quanto
como o que mais apresenta dificuldades para os participantes.
Organizações sociais de todas as regiões do país e
de quase todas as unidades da Federação responderam às questões, sendo que
pouco menos da metade delas (46%) é do estado de São Paulo, mas o restante se
distribuiu de maneira razoavelmente uniforme. O perfil das entidades
respondentes é diverso do ponto de vista de receitas anuais. Aproximadamente um
terço recebeu até R$ 100 mil em 2001, outro terço somou entre R$ 100 mil e R$ 2
milhões de reais, e outro terço contabilizou mais de R$ 2 milhões.
Burocratização, desinteresse e
desconhecimento
O estudo expôs a contínua burocratização exercida
pelos bancos, além de seu grande desinteresse e desconhecimento pelo trabalho
das entidades do Terceiro Setor. Entre as principais queixas estão: 73% das
organizações não possuem cartão de crédito, 2/3 (65%) das organizações não
possuem cartão de débito, 38% foram vítimas de cobrança indevida de tarifas
bancárias ou de impostos debitados em conta, 1/3 (33%) das organizações foram
impedidas de abrir uma conta bancária, 26% precisaram movimentar recursos em
contas de terceiros, uma em cada cinco instituições (21%) já recebeu exigência
inadequada de um banco ou de uma empresa financeira e 17% tiveram sua conta
bloqueada pelo banco ou instituição financeira.
“Este estudo revela algo que faz parte do dia a dia
de quem faz gestão em organizações da sociedade civil, mas que é pouco
conhecido pelo público em geral. As dificuldades são constantes, atrasos e
faltas de respostas são comuns, as soluções são poucas. Isso prejudica o
trabalho de centenas de milhares de organizações, impactando diretamente na
vida de uma grande parcela da sociedade brasileira”, afirma Fernando Nogueira,
diretor-executivo da ABCR.
A recusa de abrir uma conta bancária causa vários
impactos. Em algumas ocasiões, trata-se de uma conta vinculada, exclusiva para
receber recursos públicos e a negativa da instituição bancária atrasa ou
inviabiliza a prestação do serviço. Em outros casos, a organização migra para a
informalidade e utiliza subterfúgios como uma conta bancária de pessoa física
(de seu presidente ou diretor). Essa alternativa já foi utilizada por 26,3% das
instituições, seja porque ainda não tinham conta em banco (11%) ou porque a
conta estava bloqueada (6%) ou em decorrência de outro empecilho (9%).
Falta de cartão de crédito
dificulta execução de tarefas rotineiras
A pesquisa constatou que a maioria das instituições
sem fins lucrativos só consegue abrir uma conta bancária devido à persistência,
mas depois ocorrem dificuldades em ações triviais, como a obtenção de cartão de
crédito. Só um quarto das OSCs dispõem desse recurso para fazer operações
cotidianas, como saques e compras nacionais e internacionais.
Como regra, a maioria dos bancos compreende que o
cartão é um tipo de crédito antecipado e, portanto, algo que preferem não
fornecer a instituições sem fins lucrativos. Porém, ONGs que trabalham com
temas de interesse global têm dificuldade, por exemplo, de assinar publicações
estrangeiras ou de obter certos tipos de software, como os de videochamada.
“Nosso cartão só foi aprovado depois de mais de cinco anos de relacionamento com
o banco. Mesmo assim, o limite de crédito é baixo”, declarou um dos
respondentes da pesquisa.
A recusa dos bancos em conceder serviços simples
ajuda a explicar a grande quantidade de reclamações sobre as tarifas cobradas
pelas empresas. Parte dos representantes de ONGs queixa-se da cobrança por
avaliarem que suas organizações, por terem atuação socialmente relevante,
deveriam ser isentas. Outra parte critica o descompasso entre o que se paga e o
que se tem em contrapartida. “Sabemos que é justo que os bancos recebam pelo
trabalho. Porém, minhas taxas são cobradas como cliente Ouro, mas não tenho nem
cartão de débito”, comentou um dos respondentes.
Como investidores, as entidades preferem
alternativas de menor risco, como renda fixa e poupança. Quase 20% não aplicam
seu dinheiro; algo esperado nas organizações que têm giro financeiro de curto
prazo, que recebem para pagar suas despesas ou investir em seus projetos.
Possivelmente em razão desses entraves, grande parte das ONGs (77%) nunca pediu
empréstimo bancário. Entre as que pediram, 13% tiveram o empréstimo aceito e
10%, negado.
Necessidade de diálogo
Os números sinalizam uma dificuldade do setor
financeiro de compreender o funcionamento e a composição das receitas das OSCs.
Os bancos parecem não saber que organizações sem fins lucrativos têm gestão
financeira, planejam-se da mesma maneira que as organizações com fins
lucrativos e são atores da sociedade que podem necessitar de crédito para
muitas atividades, como investir em obras, ampliar a atuação ou melhorar sua
própria capacidade de captar recursos.
Para as organizações, 48% dos profissionais das
agências bancárias não compreendem o Terceiro Setor, e 45% entendem o setor,
mas não têm qualificação para lidar com as instituições. As reclamações contra
o sistema financeiro mostram uma necessidade de diálogo entre os dois lados
para transformar essa realidade.
“Bancos e ONGs só têm a ganhar com um maior
diálogo. Além dos benefícios para a gestão das organizações sociais, há um
grande potencial comercial para o sistema financeiro. Atender bem quem faz o
bem pode também ser um ótimo negócio”, complementa Nogueira.
O resultado completo da pesquisa pode ser conferido
pelo link https://bit.ly/40GPZLp.
ABCR - Associação Brasileira de Captadores de Recursos
https://captadores.org.br