É paradoxal, para dizer o mínimo. As
pessoas que mais apaixonadamente defendem a “universidade pública, de
qualidade, para todos”, são as que, de modo mais descarado, dela se apropriam
para fazê-la coisa sua e colocá-la a seu serviço. É o que chamo privatização
político-ideológica da universidade pública.
A dissimulação chega a ser grotesca, mas,
para quem quer ser enganado, meia mentira basta. Se o sujeito acredita no
discurso, danem-se os fatos. Usam do ambiente acadêmico. Na verdade é mais do
que isso. Usam e abusam, fazem dele uma espécie de casa da sogra de genro
malcriado, que não conhece limites a essa apropriação.
Não vou chover no molhado do verdadeiro
caudal de vídeos, denúncias, reportagens, testemunhos, referentes a abusos de
toda ordem e, perante os quais, quem erguer a voz recebe o adesivo de fascista. No Brasil,
hoje, ser chamado de fascista é a melhor evidência de não o ser. Mas não estou
tratando aqui de curiosidades da vida estudantil nem de meros arroubos juvenis.
Estou falando de organizações partidárias e correntes revolucionárias que se
apoderaram do espaço acadêmico causando imenso dano à sociedade brasileira.
A
miríade de órgãos que aí atuam, ao não fazer ou fazer mal aquilo para o que
foram concebidos e para o que recebem recursos públicos, comprometem o
desenvolvimento do país. Ademais, o próprio desenvolvimento mental dos
estudantes é afetado pelo hábito de submeter a busca da verdade aos credos do
“coletivo”. Enfatizo esse aspecto porque ele se faz cada vez mais difícil de
esconder.
A Universidade deveria abrir as mentes,
provocar o saber, estimular os estudantes a estudar. E a estudar muito,
aprender com honestidade intelectual e abertura à divergência, cultivando o
conhecimento e o diálogo na exaustiva busca da verdade. Palavras de ordem,
rotulagem e xingamento talvez caiam bem em reunião de sindicato.
A pergunta que me faço é se os abusadores
da universidade brasileira não se constrangem diante do contraste entre os
meios que usam e os fins de tais instituições. O que diriam os grandes
filósofos sobre esse aparelhamento grosseiro que acontece no Brasil, para
serviço de causas particulares e “conquistas” que dependem do incansável
martírio da verdade?
O cotidiano do espaço acadêmico é tão
relevante sob o ponto de vista do interesse público, que a Constituição
Federal, graças àquela visão do paraíso que regeu o processo constituinte de
1988, lhe concedeu ampla autonomia. Essa autonomia sem limites favoreceu a
invasão pelo corporativismo e o aparelhamento. E, na confluência dessas
condições, a universidade pública virou uma casamata.
Percival Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.