Advogada especializada em Direito da Família,
Gardennia Mauri Bonatto, explica que casos vão desde recusar passar chamadas do
outro genitor até falsas denúncias de abuso sexual, e detalha como a alienação
parental é prevista no ordenamento jurídico
De acordo com o
levantamento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, as ações envolvendo
alienação parental subiram 5,5% de 2016 para 2017, saltando de 2241 para 2365.
Mas além do aumento no volume dos processos, o que por si só já é um dado
alarmante, outro indicador que assusta é a forma como acontecem os casos desse
tipo de agressão.
Segundo a
sócia-fundadora da Bonatto & Guimarães Fernandes Advogados Associados e advogada
especializada em Direito da Família, Gardennia Mauri Bonatto, há pais que falam
para os filhos devolverem presentes que venham do outro genitor, que apresentam
novo cônjuge aos filhos como sendo nova mãe ou novo pai, que desqualificam o
outro constantemente e, em situações ainda mais graves, há aqueles que envolvem
até falsa denúncia de abuso sexual.
"Nessa situação
em específico, o alienador implanta falsas memórias na criança, fazendo-a
inclusive a confundir mentira com realidade e a treinando para repetir a
história como se realmente tivesse sido vítima de incesto. E então para ela
aquele fato falso se torna real. É algo muito pesado e doloroso", afirma a
especialista.
Outro dado relevante:
segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de
2017, 83,6% das crianças menores de 4 anos têm como responsável uma mulher –
seja a mãe, avó ou madrasta. "Essa pesquisa só revela que na maioria dos
casos a guarda fica com a mulher. Como essas ações correm sob sigilo, não há nenhuma
estatística oficial que evidencie se é o homem ou a mulher quem mais pratica
alienação parental. Pontuado este fato, em nosso escritório, percebemos que a
proporção é muito maior de homens que sofrem alienação parental", revela a
advogada.
Ainda segundo Gardennia,
o que se nota é que, culturalmente, a guarda em geral tende a ser da mãe,
embora via de regra enquanto a criança está com tenra idade e está em período
de amamentação é evidente que não deve se ausentar da companhia materna. Depois
disso, os direitos jurídicos são iguais. "Neste contexto, considerando o
fato de os filhos em sua maioria passarem mais tempo com as mães, talvez até
por uma questão de proporção, em nosso escritório, a procura é maior por parte
de pais alienados. É possível até considerar, em caráter hipotético, que se
mais homens obtivessem a guarda dos filhos, esse quadro poderia ser outro, o
que revela um outro problema relacionado à guarda. De toda forma, o quadro
atual é esse", analisa.
Diante às polêmicas e
enorme complexidade que envolve o tema, Gardennia – que inclusive é membro do
Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) – elencou 5 tópicos
elucidando todas as dúvidas sobre alienação parental, detalhando o problema na
prática, além de abordar de maneira didática como a questão é prevista no
direito brasileiro.
1 O que caracteriza
alienação parental?
Segundo a Lei nË?
12.318 de 2010, considera-se ato de alienação parental a interferência na
formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um
dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a
sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause
prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.
A lei prevê ainda
alguns exemplos de atos que caracterizam alienação parental, tais como:
realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da
paternidade ou maternidade, dificultar o exercício da autoridade parental e da
convivência familiar, dificultar contato de criança ou adolescente com genitor,
omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a
criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço.
Destaca-se ainda a
apresentação de falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou
contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou
adolescente; e mudança de domicílio para local distante, sem justificativa,
visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro
genitor, com familiares deste ou com avós. "Vale lembrar que a alienação
parental também pode ser caracterizada em outras situações que não as citadas
em lei, desde que os atos sejam assim declarados pelo juiz ou constatados por
perícia", explica Gardennia.
2 Quais são as formas
de se cometer alienação parental?
Além das práticas já
citadas no item acima, outras situações comuns são recusar passar as chamadas
telefônicas aos filhos, organizar atividades sociais e viagens com os filhos
durante o período que o outro genitor deve normalmente exercer o direito de
visitas, envolver pessoas próximas (avós, tios, padrasto/madrasta) na
influência maléfica de seus filhos, impedir que o outro genitor participe de
eventos ou decisões importantes (escolha de religião, escolha de escola,
apresentação de escola, etc), trocar ou tentar alterar o sobrenome da criança,
mudar o tratamento ou castigar os filhos se eles entrarem em contato com o
outro genitor, culpar o outro genitor pelo mau comportamento dos filhos,
esconder ou fazer a criança "esquecer" do seu celular em viagens ou
fins de semana, etc.
"Entre os casos
de alienação parental, creio que o mais emblemático e psicologicamente
prejudicial à criança ou adolescente é a falsa denúncia de abuso sexual contra
genitor. Não é pouco usual que algumas pessoas em uma atitude desesperada para
conseguir atingir o objetivo de afastar genitor e filho utilize falsa alegação
de abuso sexual contra o próprio filho", afirma a advogada.
"Há casos em que
ocorre suspensão provisória da visitação do genitor acusado e até que se prove
que a acusação adveio de alienação parental, o tempo transcorreu e o vínculo
afetivo entre um dos pais e filho já foi extremamente prejudicado. Como já
pontuado, nesses casos, o alienador implanta falsas memórias na criança,
inclusive fazendo com que ela repita a história até acreditar que o incesto foi
real", detalha a sócia-fundadora da Bonatto & Guimarães Fernandes
Advogados Associados.
3 Existe algum perfil
mais recorrente de quem comete ou é vítima de alienação parental?
Como já foi dito, os
casos envolvendo alienação parental ocorrem sob sigilo da justiça. Então não
existe um dado oficial sobre quem comete mais esse tipo de agressão. "Em
nosso escritório, a prevalência de pais que são vítimas de alienação parental é
muito maior que o de mães. No entanto, esse dado precisa ser olhado com muita
cautela, porque envolve vários fatores e indicadores e diante a um tema sério
como este, as consequências podem ser irreparáveis", avalia.
"Se a gente
considerar que em mais de 80% dos casos a guarda é da mãe, estatística e
proporcionalmente, é mesmo provável que a maior parte de agressões partam das
mães. No entanto, esse dado esconde um outro problema, que é a guarda em si.
Não há nenhuma razão jurídica cabível para uma desproporcionalidade tão grande.
Há um fator cultural que conclui que a guarda é materna, mas no ordenamento
jurídico, passado o período de amamentação, os direitos são iguais",
explica a advogada.
4 Só o filho pode ser
vítima e só os pais podem cometer alienação parental?
Não necessariamente.
Primeiro, com relação às vítimas: o filho pode sofrer com o problema durante a
infância e adolescência, não tendo uma idade limite, do ponto de vista
jurídico, para deixar de ser vítima. A análise é feita caso a caso, contudo, de
modo geral, entende-se que juridicamente se cessa com a maioridade.
Por uma interpretação
análoga, um idoso também pode sofrer este tipo de abuso psicológico, geralmente
quando um filho o manipula para fazer com que ele se volte contra outro filho.
Geralmente a alienação nestes casos é motivada por uma disputa de herança.
Com relação ao
alienador, a lei é clara ao dispor que não é somente pai e mãe que pode cometer
alienação parental, mas também avós, familiares, padrasto, madrasta ou por
aqueles que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou
vigilância. Vale ressaltar ainda que não há limitação legal em relação ao grau
de parentesco.
5 Quais são as penas
para quem comete e quais são os direitos para quem é vítima de alienação
parental?
Entre os mecanismos de
punição previstos pela lei de alienação parental, constam a advertência, a
ampliação do regime de convivência familiar em favor do genitor alienado, multa
ao alienador, alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão. O
rol de punições contempla ainda o acompanhamento psicológico e/ou
biopsicossocial e até a suspensão da autoridade parental.
"O artigo 9º da
lei de alienação parental permitia ou uso de mediação extrajudicial nestes
casos, contudo foi vetado pelo Presidente da República, pois a Constituição
Federal considera a convivência familiar um direito indisponível da criança e
do adolescente, não podendo ser objeto de nenhuma negociação extrajudicial. Já
o artigo 10º da referida lei, previa pena de detenção de seis meses a dois anos
para o parente que apresentasse relato falso a uma autoridade judicial ou
membro do conselho tutelar que pudesse acarretar na restrição da convivência do
menor com o genitor. Todavia tal previsão também foi objeto de veto
presidencial, já que seria prejudicial para a própria criança ou adolescente e
que as medidas de inversão de guarda ou suspensão da autoridade parental já
seriam suficientes para punir tal prática", esclarece Gardennia.
"Por fim, é importante ressaltar que os
adultos devem saber serem imparciais em relação ao ressentimento que possam ter
com o ex-parceiro e não transmitir nenhum juízo de valor sobre o outro genitor
aos filhos, pois, mesmo que não tenham noção de que as ações configuram a alienação
parental, caso seja provada a conduta, serão punidos", finaliza a
adovgada.
Bonatto & Guimarães Fernandes Advogados
Associados