As perícias
trabalhistas foram criadas como instrumentos técnicos para esclarecer questões
complexas que fogem ao conhecimento do juiz, especialmente em áreas como saúde,
segurança do trabalho e insalubridade. Na teoria, deveriam garantir justiça e
equilíbrio entre empregador e trabalhador. Na prática, muitas empresas relatam
que o sistema atual funciona de forma desigual: mesmo aquelas que seguem
rigorosamente todas as normas legais acabam vulneráveis a decisões que geram
custos elevados e riscos de condenações injustas.
O problema central
está na forma como os peritos são remunerados e nomeados. Mourival Boaventura
Ribeiro, advogado especializado em Direito Trabalhista, aponta um efeito
perverso do modelo atual: “Em muitos casos, laudos que reconhecem insalubridade
ou periculosidade resultam em honorários significativamente mais altos do que
aqueles que concluem pela inexistência de risco. Isso cria um incentivo
perverso que pode levar a condenações injustas”.
A vulnerabilidade
das empresas se intensifica porque o perito é nomeado pelo juiz, deixando o
empregador praticamente sem controle sobre o processo. “Mesmo empresas que
cumprem todas as normas de segurança acabam responsabilizadas por situações
banais, como o uso de produtos de limpeza comuns ou pequenas falhas
documentais. E, muitas vezes, a decisão do juiz segue o laudo quase que
automaticamente”, completa Boaventura Ribeiro.
Casos concretos
ilustram a dimensão do problema. Em um exemplo recente, um perito concluiu que
o simples abastecimento de veículos em postos de combustível conferiria ao
motorista direito ao adicional de periculosidade. “A conclusão foi totalmente
equivocada. A legislação prevê que a exposição ocorre apenas em atividades
contínuas com inflamáveis, o que não se aplica à rotina de motoristas que
abastecem veículos eventualmente”, explica o advogado.
Mesmo com
instrumentos legais para contestar perícias, muitas empresas continuam em
desvantagem. “É possível nomear assistentes técnicos, apresentar quesitos e até
solicitar nova perícia. Na prática, porém, os honorários elevados e o peso do
laudo inicial criam vulnerabilidades. Muitas empresas acabam arcando com custos
altos sem ter o devido espaço para contestar tecnicamente”, afirma Boaventura
Ribeiro.
O custo para
as empresas
O impacto
financeiro é expressivo. Enquanto o honorário de peritos que concluem pela
inexistência de risco gira em torno de R$ 800, laudos que reconhecem
insalubridade ou periculosidade podem chegar a cerca de R$ 3 mil, pagos pela
empresa. “Quando somamos os custos com assistentes técnicos, o valor final do
processo torna-se muito alto, mesmo em situações que poderiam ser facilmente
contestadas”, alerta Boaventura Ribeiro.
Mais do que
custos, há risco real de decisões injustas. “A perícia, na essência, deve
garantir justiça. Mas no cenário atual, ela muitas vezes funciona mais como um
custo inevitável para as empresas”, completa.
Prevenção é a
melhor defesa
A saída para
reduzir passivos trabalhistas, segundo especialistas, é investir pesado em
prevenção. “É fundamental que as ações de segurança recomendadas por
profissionais ou consultorias sejam implementadas no dia a dia da empresa. Sem
isso, qualquer passivo futuro pode se tornar muito mais difícil de contestar”,
alerta Tatiana Gonçalves, sócia da Moema Medicina do Trabalho.
A documentação
estratégica é crucial: PGR (Programa de Gerenciamento de Riscos), LTCAT (Laudo
Técnico de Condições Ambientais do Trabalho) e PCMSO (Programa de Controle
Médico de Saúde Ocupacional). “Laudos de insalubridade e periculosidade são
importantes, mas funcionam como complementares. O que faz diferença, muitas
vezes, é a robustez do PGR e do LTCAT”, explica Tatiana.
Além disso, o
acompanhamento diário das operações é essencial. “Muitas empresas possuem PGR,
LTCAT e PCMSO bem elaborados, mas não acompanham corretamente fichas de EPIs,
treinamentos e registros do dia a dia. Isso fragiliza a defesa e pode gerar
condenações injustas”, alerta.
Integração
entre segurança, jurídico e RH
A prevenção não se
limita à documentação. “O primeiro passo é ter profissionais de segurança com
conhecimento jurídico, capazes de entender os riscos legais do negócio, não
apenas os técnicos. Depois, segurança e jurídico devem alinhar políticas,
documentação e ações, garantindo consistência e aplicabilidade no dia a dia”,
explica Tatiana.
O resultado é
duplo: prevenção de acidentes e passivos trabalhistas, além da construção de
provas sólidas que fortalecem a defesa da empresa. “Implementar as orientações
de forma rigorosa, registrar tudo corretamente e envolver líderes e RH no
processo é essencial para proteger tanto a saúde do trabalhador quanto a saúde
financeira da empresa”, conclui.
Tecnologias e
práticas internacionais
A digitalização
surge como aliada importante. “Registros eletrônicos auditáveis e softwares
homologados podem padronizar metodologias de avaliação e reduzir interpretações
subjetivas. A digitalização garante rastreabilidade e confiabilidade, tornando
a atuação do perito mais objetiva e verificável”, destaca Boaventura Ribeiro.
Práticas internacionais oferecem caminhos para mais equilíbrio. Nos Estados Unidos, as partes contratam seus próprios especialistas, e os juízes avaliam a credibilidade de cada laudo. Na Europa, peritos passam por critérios rigorosos de habilitação e seguem tabelas fixas de honorários, minimizando incentivos econômicos vinculados ao resultado da perícia.
Os especialistas
defendem revisão da remuneração dos peritos, fortalecimento do contraditório
técnico, criação de protocolos nacionais de perícia e valorização das práticas
preventivas. “A perícia trabalhista deve cumprir seu papel de proteger quem
realmente está exposto a riscos, mas também oferecer previsibilidade para
empresas que atuam em conformidade com a lei”, conclui Boaventura.
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