Quando Jorge Mario Bergoglio foi eleito Papa em 2013, agregou à
Igreja um movimento de mudança que não se limitou aos sermões e gestos
simbólicos. Francisco, o pontífice que abraçou mendigos, denunciou as
injustiças, defendeu os pobres e lutou muito pelo entendimento entre povos e
nações, movido pela força de um autêntico evangelizador, também transformou de
modo significativo a estrutura jurídica e institucional da Igreja.
Se, por um lado, resgatou valores essenciais do
cristianismo, como a humildade e a justiça social, por outro, modernizou o
Estado mais peculiar do mundo: o Vaticano. Reformou a legislação vaticana e
canônica. Não é sem razão que o Papa Leão XIV foi eleito para sucedê-lo, pois
era próximo dele e deverá seguir a mesma linha filosófica e religiosa.
Em 2022, Francisco deu um passo histórico ao
modificar o funcionamento da Cúria Romana com a Constituição Apostólica Praedicate
Evangelium, substituindo a antiga Pastor Bonus (1988). Não foi
apenas uma atualização burocrática, mas uma revolução silenciosa. Os altos
postos da Cúria Romana, antes redutos quase exclusivos de cardeais e bispos,
abriram suas portas para leigos, inclusive mulheres, assumirem cargos de
liderança nos dicastérios, equivalentes aos “ministérios” da Igreja. Imaginem
só: um departamento como o da Cultura e Educação, antes restrito a clérigos,
passou a poder ser comandado por uma especialista em pedagogia ou um filósofo
leigo. Isso não foi apenas modernização, mas sim uma total nova visão face a
séculos de tradição hierárquica da Igreja.
Entretanto, Francisco não parou por aí. Ele fundiu
órgãos, criou outros e deu ênfase máxima à evangelização, mas não no sentido
antigo de proselitismo. Foi uma evangelização que dialogou com o mundo, que
enfrentou a crise climática, acolheu migrantes e combateu a desigualdade. O
Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral foi a prova disso,
como órgão que passou a tratar de justiça social, ecologia e saúde como
questões também centrais da fé.
O Papa Francisco, porém, não se limitou à reforma
administrativo-constitucional do Vaticano. Em 2013, já no primeiro ano de seu
pontificado, promoveu mudanças profundas no Código Penal do Estado. Crimes como
abuso sexual de menores, lavagem de dinheiro e corrupção foram tipificados com
rigor.
Pela primeira vez, foram incluídos delitos como
tortura, genocídio e apartheid, mostrando que a Igreja não toleraria
violações dos direitos humanos, mesmo que cometidas por seus próprios membros.
E mais: Francisco acabou com a possibilidade de criminosos se esconderem atrás
das muralhas de São Pedro, pois passaram a poder ser julgados tanto no país
onde o crime ocorreu quanto no próprio Vaticano.
Francisco aboliu até a prisão perpétua,
substituindo-a por penas de 30 a 35 anos, num gesto que refletiu sua visão de
justiça com misericórdia. Mas, não se enganem: isso não foi brandura e sim
coerência. O mesmo Papa que lavou os pés de detentos e refugiados também exigiu
transparência e responsabilidade de seus colaboradores em toda a estrutura da
Igreja.
As mudanças promovidas por Francisco não foram meros
ajustes legais. Tratou-se de avanços que refletiram um projeto bastante claro:
uma Igreja menos palaciana e mais presente na praça pública, com menos poder
vertical e mais sinodalidade (processo de decisão coletiva e participativa),
com menos dogmatismo e mais ação concreta.
Enquanto muitos esperavam um pontificado apenas de
gestos simbólicos, o Papa Francisco mostrou que era possível mudar as
estruturas sem trair os princípios. Provou que espiritualidade e justiça
institucional não são inimigas, mas aliadas. E, no final das contas, foi isso
que o fez não apenas um líder religioso, mas um reformador corajoso, dentro e
fora dos muros do Vaticano.
Ricardo Luiz Salvador - sócio-fundador do escritório
Salvador Associados & Advogados e especialista em Direito Regulatório
Educacional.
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