Condição genética impede o organismo de metabolizar corretamente a fenilalanina, aminoácido presente nas proteínas de alimentos de origem animal e vegetal
Junho é o mês internacional de conscientização
da fenilcetonúria (PKU)
Mesmo com a triagem neonatal sendo obrigatória pelo Sistema Único
de Saúde (SUS) desde 1992 e a fenilcetonúria (PKU), uma condição rara, estar entre
as sete doenças já triadas, um estudo publicado na The Lancet Regional Health – Americas1, que avaliou a jornada do paciente com fenilcetonúria no
Brasil entre 2008 e 2021, revela importantes desafios. Paula Vargas, coautora
do estudo e endocrinologista pediátrica, explica que, entre outros dados, o
levantamento aponta que 100% dos adultos com a doença monitorados apresentaram
histórico de transtornos mentais ou comportamentais.
“Estamos falando de um percentual bastante elevado,
que chama atenção, mas reforça algo que já vínhamos observando na prática
clínica: a fenilcetonúria não afeta apenas o corpo, ela tem um impacto profundo
na mente e no comportamento de quem tem a doença ao longo da vida. É um custo
silencioso de uma condição genética que, mesmo quando diagnosticada
precocemente, exige um cuidado contínuo”, explica a especialista.
Outro dado preocupante observado no levantamento é o
impacto cognitivo nos adultos com PKU. “Constatamos déficits cognitivos
significativos, como menor quociente intelectual e dificuldades em funções
executivas básicas, como memória, atenção e controle emocional”, detalha Paula
Vargas que reforça que esses dados apontam o quanto a ampliação da triagem
neonatal precisa vir acompanhada de investimento em estrutura, capacitação dos
profissionais e resolutividade.
“O teste do pezinho só salva vidas quando vem
acompanhado de políticas públicas eficazes. A doença precisa de um manejo mais
adequado, bem como um suporte neurológico e psicológico especializado. O
cuidado vai muito além do tratamento com a fórmula metabólica, utilizada no
tratamento. Ainda assim, o acesso ao suplemento (livre de fenilalanina) ainda é
uma odisseia para o paciente”, complementa Vargas.
Neste contexto, a médica pediatra, Ivana Van der
Linden, que atua no Apae Anápolis, reforça que o diagnóstico precoce da
fenilcetonúria só é eficaz se estiver ligado a uma resposta rápida do sistema
de saúde. “O teste é só o começo. O que faz a diferença, de fato, é um
tratamento contínuo, com uma equipe multidisciplinar preparada para oferecer o
suporte necessário desde os primeiros dias de vida”, finaliza Van der Linden.
Dificuldade de acesso à fórmula metabólica
De acordo com o estudo, apenas 44% dos pacientes com
PKU receberam a fórmula metabólica. Segundo a presidente da associação de
pacientes, Mães Metabólicas, Simone Arede, ao menos sete estados brasileiros
enfrentam falta de fórmula metabólica atualmente: Piauí, Rio
Grande do Norte, Roraima, Amazonas, Pernambuco e Paraíba.
“Sem a fórmula, o tratamento é interrompido. E isso
anula o propósito da triagem neonatal. Estamos vendo pacientes acumulando
sequelas evitáveis porque o Estado falha em garantir o básico. Não é só uma
questão de avanço tecnológico. É uma questão de equidade e de compromisso com a
vida dessas crianças. O mundo está discutindo tratamentos inovadores. No Brasil
já existem tecnologias disponíveis, mas nós não conseguimos nem manter um
modelo ultrapassado funcionando”, alerta Simone.
Além da dificuldade de acesso ao cuidado adequado, a
representante da associação chama atenção a utilização de fórmulas defasadas,
que não são nutricionalmente completas. “São produtos que eram utilizados na
Europa e nos Estados Unidos há mais de 20 anos, e que por lá já foram
substituídos por opções mais modernas e eficazes. E, mesmo assim, nós ainda
lidamos com a falta de fornecimento”, esclarece Simone.
Referências
[1] Patient journey and disease burden characterization
of the population with phenylketonuria (PKU) in Brazil: a retrospective
analysis through data reported in the public health system administrative
database (DATASUS)
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