Ninguém menos do que Bill Gates, o fundador da Microsoft, alerta: a carência de engenheiros e cientistas nos Estados Unidos representa um sério risco para a liderança global do país em inovação e produtividade. Em palestras e até em seu depoimento na Câmara dos Deputados dos EUA, ele tem destacado a disparidade entre as oportunidades de emprego na área de computação e o número de pessoas formadas nessa área.
A preocupação de
Gates é reforçada por dados oficiais. O Departamento de Estatísticas do
Trabalho dos EUA prevê que até 2026 haverá uma falta de 6 milhões de
engenheiros formados no mercado de trabalho. E os números se referem a um
país em que o trabalhador tem produtividade 4 vezes maior que a dos
brasileiros.
O que dizer
então da situação do Brasil, que enfrenta as mesmas dificuldades lembradas por
Bill Gates, mas em uma proporção infinitamente maior? Os números mostram que
temos motivos de sobra para ficar em alerta. O Brasil ocupa o 78º. lugar no
ranking de produtividade que abrange 131 países. Estamos abaixo até de países
com nível de desenvolvimento considerado, a princípio, inferior ao nosso, como
os vizinhos Uruguai, Argentina e Chile, e ao lado de Mongólia e Venezuela.
Se planejamos
construir um país melhor não podemos aceitar passivamente esses dados. A
mudança precisa acontecer e sem demora, sob pena de ficarmos ainda mais para
trás quando se trata de produtividade – e, portanto, de geração de riqueza.
Não existe
fórmula mágica para mudar esse quadro, mas um bom começo seria olhar com
atenção para o que tem sido feito no mundo por países que têm conseguido
aumentar sua produtividade.
Quando se
observa o que deu certo nesses casos, salta aos olhos a ênfase à melhoria do
ensino superior. Esse é um dos principais alicerces para os ganhos de
produtividade em uma ampla gama de nações. E não é difícil entender porquê:
profissionais mais bem preparados nas escolas e universidades, com capacitação
em linha com as necessidades do mercado, são diretamente responsáveis pela
maior qualidade da produção.
No Brasil,
estamos bem distantes dessa realidade. Na verdade, vivemos um aparente
paradoxo: o número de pessoas com nível superior de ensino tem crescido, mas a
produtividade não dá sinais de melhoria.
Os dados nos
ajudam a entender o que acontece. De acordo com o IBGE, a proporção de pessoas
com 25 anos ou mais com nível superior completo cresceu 2,7 vezes entre 2000 e
2022. No entanto, há crescente desconexão entre o que se ensina nas
universidades e as necessidades do mercado de trabalho – um sinal claro de que
a qualidade do ensino precisa melhorar. Resultado: a correlação entre
produtividade e ensino superior fica seriamente prejudicada.
Lembrando mais
uma vez de Bill Gates, temos no Brasil significativa redução do número de
engenheiros formados, com prejuízos para setores fundamentais para o país como
infraestrutura, energia e tecnologia. Estudo da CNI (Confederação Nacional da
Indústria) mostra que há um déficit de 75 mil engenheiros no país, ao mesmo
tempo em que aconteceu redução de 44,5% nas matrículas em cursos presenciais de
engenharia nas universidades entre 2014 e 2020, de acordo com levantamento do
Semesp (Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior).
Entre as origens
desse descompasso está a crescente resistência às Ciências Exatas e também a
errônea visão de que Matemática e Física são “muito difíceis” de aprender. O
erro, na verdade, está na metodologia utilizada no ensino dessas matérias,
desde a educação básica. A falta de aplicação prática e a abordagem rígida
adotadas nas escolas levam os jovens a perder o interesse pela engenharia. É
necessário valorizar o ensino de ciências exatas e modernizar os currículos
universitários.
Para não deixar
que o problema se agrave, precisamos agir. Ciente dessa necessidade, o CIEE
(Centro de Integração Empresa-Escola) reuniu representantes do Instituto Mauá,
Mackenzie, FEI e Poli-USP no Instituto de Engenharia, em São Paulo, para
assinar um Memorando de Entendimentos (MOU) que formaliza a colaboração entre
essas entidades para definir ações de combate à falta de engenheiros.
Além disso,
lançamos a Jornada CIEE, que ajuda a aumentar o interesse pela matemática já
nos primeiros anos escolares. Nesse programa, em um ambiente gamificado na ilha
fictícia de Mátika, os estudantes são desafiados a resolver problemas
matemáticos para ajudar seus habitantes e obter pistas necessárias para
restaurar uma inteligência artificial que controlava todos os cálculos da ilha.
É uma contribuição que certamente se seguirá de várias outras visando a
qualificação da mão de obra com foco em habilidades técnicas e digitais. Em seus
61 anos de existência, o CIEE já ajudou 6 milhões de jovens a entrar no mercado
de trabalho e está colocando sua experiência à disposição da sociedade, sempre
trabalhando em conjunto com outras entidades.
Embora as
comparações com outros países mais desenvolvidos devam ser sempre
relativizadas, não se pode deixar de reconhecer que existem muitas semelhanças
entre a análise de Bill Gates e o que acontece no Brasil, guardadas as devidas
proporções. O fato é que nós precisamos unir forças para acabar com o círculo
vicioso que nos coloca em posição tão desfavorável em relação à produtividade.
É uma demanda da sociedade, para que o país consiga alcançar o desenvolvimento
sustentável. A responsabilidade é de todos nós. Não temos o direito de
procrastinar. É hora de pôr as mãos à obra!
Humberto Casagrande - CEO do Centro de Integração Empresa-Escola - CIEE. É engenheiro de Produção pela Universidade Federal de São Carlos – UFSCAR e Mestre em Administração de Empresas pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Acumula ampla experiência no mercado financeiro, tendo sido conselheiro da Bolsa de Valores de São Paulo – BOVESPA. Atuou como diretor de diversas instituições bancárias como Sudameris, Fator, Citibank e Banespa. É ex-presidente e fundador da APIMEC Nacional – Associação Brasileira dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário