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quinta-feira, 24 de julho de 2025

As dores que ninguém vê: minha vida com fibromialgia

A falta de conhecimento sobre a fibromialgia transforma o sofrimento real em julgamento cruel. Muitas mulheres sofrem caladas, sem diagnóstico, sem apoio, desacreditadas até pelos médicos.

 

Falar sobre a minha saúde nunca foi um tabu — ao contrário, escolhi transformar minha dor em ferramenta de conscientização. Vivi, e ainda vivo, um processo profundo de aprendizado após o diagnóstico de lúpus e, pouco tempo depois, de fibromialgia. Ambas vieram como sequelas da Covid-19. Foi um susto, um baque, e também um convite irrecusável à transformação. 

Descobri, já no começo, algo que poucas pessoas sabem: a fibromialgia raramente vem sozinha. Ela costuma estar ligada a outras doenças, muitas vezes autoimunes, como é o meu caso. Por isso, o diagnóstico é complexo. O lúpus aparece nos exames, a fibromialgia não. Ela é invisível, silenciosa e cruel. As dores são crônicas, difusas, inexplicáveis. Dói o corpo inteiro. Dói sentar, dói ficar em pé, dói deitar. As articulações incham. Teve dias em que não consegui escovar os dentes, pentear o cabelo ou sequer encostar os pés no chão. E, pior do que isso, a dor começa a invadir também a mente. Você se sente enlouquecendo.

Durante muito tempo, fui chamada de preguiçosa, de fraca. Cheguei a ser exonerada de um cargo por ser considerada "doente demais". A falta de conhecimento sobre a fibromialgia transforma o sofrimento real em julgamento cruel. Muitas mulheres sofrem caladas, sem diagnóstico, sem apoio, desacreditadas até pelos médicos. Por isso, é tão importante falar. A dor existe. Ela é real. E ela precisa ser reconhecida.

Fiz um caminho difícil, que muitos evitam: mudei meu estilo de vida por completo. Adotei uma alimentação anti-inflamatória, recusei os tratamentos que apenas mascaravam a dor e busquei um cuidado de verdade, que trata a raiz do problema. Hoje, meu tratamento é multidisciplinar: nutricionista, psicólogo, reumatologista, atividade física — mesmo quando chego à academia mancando, saio melhor. Mas nem todas as mulheres têm acesso a isso. Muitos planos de saúde ainda negam esse tipo de cuidado e, durante anos, a fibromialgia nem sequer foi reconhecida como doença.

Felizmente, isso vem mudando. A fibromialgia agora é reconhecida como uma deficiência. Não é totalmente incapacitante, mas é imprevisível. Hoje posso estar ótima, e daqui a uma hora, acamada. Por isso, é fundamental que pacientes com fibromialgia tenham prioridade no atendimento público, acesso a medicamentos e acompanhamento adequado pelo SUS. Precisamos de políticas públicas que acolham, tratem e reconheçam a dor dessas mulheres.

Olhar pra mim hoje talvez não revele nada. Ninguém vê a minha dor. Mas ela está aqui. E se tem algo que aprendi nesse processo foi a me acolher. Quando a crise chega, eu respeito o meu corpo. Paro. Respiro. Cuido de mim. Não me cobro como antes. Porque o autocuidado não é fraqueza — é resistência. E é com essa força que sigo, dando voz àquilo que antes era apenas silêncio.


Carla Simas - advogada


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