Ao acessar as
redes sociais, deparamo-nos com um vídeo cuidadosamente produzido: uma avó é
surpreendida por um presente simbólico da neta, envolto em emoção e referências
afetivas. No YouTube, outra campanha publicitária investe em narrativa
cinematográfica para mostrar a reconciliação entre pai e filho por meio de um
gesto aparentemente simples — a entrega de um ovo de chocolate. Já no
Instagram, proliferam anúncios com embalagens sofisticadas, brindes exclusivos
e mensagens de urgência comercial. Esse movimento não é acidental: trata-se de
uma estratégia coordenada.
Embora
tradicionalmente associada a valores espirituais e ao convívio familiar, a
Páscoa foi, progressivamente, ressignificada como um evento de apelo comercial.
Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Chocolates (Abicab), em 2024, o
setor movimentou mais de R$3 bilhões apenas no período pascal. A publicidade
tornou-se protagonista nesse processo, articulando emoções, valores sociais e
práticas de consumo. A construção de narrativas sensíveis, associadas à
infância, à partilha e à afetividade, revela-se eficiente para estimular
decisões motivadas não pela necessidade, mas pela expectativa simbólica
atribuída ao presente.
A seguir, cinco
mecanismos utilizados pelo mercado para impulsionar o consumo na Páscoa:
Ativação da memória afetiva
Estratégias
publicitárias comumente acionam registros emocionais ligados a experiências
passadas — sobretudo aquelas vividas no contexto familiar. Tais memórias, ainda
que idealizadas, operam como âncoras psicológicas e tendem a criar uma
predisposição favorável ao consumo. Ao remeter o público a vivências tidas como
genuínas, o mercado associa seus produtos a sensações de segurança,
continuidade e pertencimento. A compra, nesse contexto, transforma-se em
tentativa de resgate emocional, deslocando-se da racionalidade econômica para o
campo simbólico.
Estímulo à reciprocidade social
A publicidade
pascal frequentemente explora o imperativo da partilha. A expectativa de
presentear colegas, familiares ou profissionais do convívio cotidiano é
reiterada por campanhas que vinculam afeto à materialidade do presente. Esse
fenômeno, que o economista comportamental Dan Ariely já descreveu como
“contrato social implícito”, gera um ambiente de pressão silenciosa, no qual a
ausência do gesto material pode ser interpretada como negligência afetiva. O
resultado é a ampliação do consumo por obrigação moral, e não por decisão
autônoma.
Ofertas com valor ilusório
Descontos atrativos,
promoções com tempo limitado e “combos exclusivos” são estratégias recorrentes
neste período. Em muitos casos, os preços previamente inflacionados são
reduzidos apenas superficialmente, criando a sensação de vantagem econômica.
Trata-se de uma tática de ancoragem — conceito bem explorado por Daniel
Kahneman — em que o primeiro valor apresentado serve como referência para
qualquer comparação subsequente. O consumidor, conduzido por esse viés
cognitivo, tende a interpretar como oportunidade aquilo que, na realidade,
representa uma distorção do valor real.
Escassez planejada e edição limitada
A noção de
exclusividade é instrumentalizada por meio de produtos sazonais e coleções
temáticas. O princípio da escassez — descrito por Robert Cialdini como um dos
gatilhos mentais mais poderosos — é utilizado para acelerar decisões de compra.
“Últimos dias”, “edição especial” e “só até domingo” são enunciados que induzem
uma sensação de urgência, levando o consumidor a agir sob a lógica da
antecipação da perda. O efeito psicológico é intensificado por um cenário
saturado de estímulos visuais e emocionais, que reduz a capacidade crítica e
estimula respostas automáticas.
Gamificação da experiência de compra
Muitas marcas apostam em experiências interativas para transformar o ato de comprar em um momento lúdico. Caça aos ovos em realidade aumentada, quizzes com brindes digitais e sorteios vinculados a ações sociais são exemplos disso. Esses recursos deslocam o foco do produto para a vivência, estimulando a participação ativa do consumidor. A sensação de engajamento, somada à promessa de recompensa, reforça o vínculo emocional com a marca e potencializa a conversão em vendas. Trata-se de uma estratégia que une entretenimento e desejo, numa lógica de encantamento contínuo.
Mais do que um simples feriado, a Páscoa tornou-se um sofisticado laboratório de consumo emocional. Os gatilhos acionados pelo mercado não apenas impulsionam vendas, mas moldam comportamentos e valores. Ao converter afetos em produtos e vínculos em transações, a lógica publicitária transforma gestos simbólicos em imperativos comerciais. Compre com consciência — mas saiba identificar quando está levando emoção na embalagem e pagando por ela como se fosse chocolate.
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