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quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Cinco direcionamentos da UNESCO para o uso da IA na educação

Organização reuniu formuladores de políticas públicas de educação, pesquisadores e profissionais de vários países para discutir as oportunidades da tecnologia no setor



No momento em que a sociedade passa pelas transições digital e verde, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) coloca a educação como ponto de origem, de onde vai emanar o potencial que as tecnologias oferecem para apoiar o desenvolvimento econômico e social. Esse papel disseminador ficou claro na Digital Learning Week, evento promovido pela organização em Paris, na França. Após longos debates sobre oportunidades e desafios, a conferência resultou em direcionamentos para o uso de Inteligência Artificial centrado no ser humano e apontou nas interligações entre a transformação digital e a educação verde. 

O que mais me impressionou durante a semana, apesar da grande participação de diversos países, com organizações de diferentes naturezas — públicas, não governamentais e privadas, foi o consenso entre os participantes: a IA já está presente em nossas vidas e não se trata mais de uma opção, mas de uma escolha obrigatória que devemos seguir com consciência, conhecimento e uma avaliação cuidadosa dos riscos e benefícios. 

Para seguir esse caminho, faz-se essencial a definição de políticas e regulamentações que orientem tanto o desenvolvimento quanto o uso responsável da IA. Além disso, a implementação de programas de infraestrutura e recursos tecnológicos é fundamental, assim como a criação de diretrizes e guias que ajudem a integrar a IA de forma eficaz no cotidiano das escolas, professores e estudantes. Usar os melhores casos de aplicação que já estão acontecendo ao redor do mundo, inclusive aqui no Brasil, como modelo também se mostrou como principal via para garantir o sucesso dessa transformação. 

Abaixo eu destaco cinco direcionamentos para o uso da IA na educação que resultaram dos debates, e trago alguns exemplos interessantes que já estão em prática no Brasil.

  1. Competências para Professores: o papel dos professores na era digital é indiscutível e extremamente importante. Tanto que a Unesco estruturou competências em IA para educadores, com diretrizes essenciais para que eles se adaptem às novas tecnologias e as integrem de maneira eficaz nas salas de aula. A centralidade, claro, é o estudante que será preparado para o futuro. Mas o desenvolvimento dos professores é uma prioridade para garantir que a educação acompanhe as rápidas mudanças tecnológicas. Por aqui, a Nova Escola tem promovido iniciativas para auxiliar os professores com conhecimentos em IA, oferecendo oportunidades de aplicação prática tanto em sala de aula quanto no planejamento pedagógico.
     
  2. Inclusão e Personalização: ainda sobre a centralidade do estudante, o encontro reforçou o papel da tecnologia para uma educação onde a aprendizagem é adaptada às necessidades individuais. Nesse tema, a IA desponta como ferramenta para criar jornadas personalizadas e inclusivas. Projetos como a adaptação de currículos usando IA para estudantes de baixa conectividade e o uso de chatbots educacionais foram exemplos concretos apresentados. Isso fortalece a ideia de que a IA pode não só melhorar a eficiência do aprendizado, mas também proporcionar acesso a grupos historicamente marginalizados e permitir uma abordagem mais rica e relevante, que engaja os alunos. Um exemplo promissor é o uso de IA desplugada, como o projeto da UFAL, que desenvolveu um aplicativo para correção automática de textos escritos à mão por crianças, oferecendo acesso à tecnologia sem depender de conexão à internet, atendendo assim a realidade de muitas salas de aula brasileiras.
     
  3. Futuro do Trabalho: em uma era de transições, a maneira como trabalhamos também passa por mudanças, de maneira que é inadiável pensar em como a educação está sendo moldada para preparar os jovens para o futuro do trabalho, especialmente em setores emergentes. A discussão girou na maneira como as habilidades digitais e a alfabetização em IA podem ser críticas para empregos em setores tecnológicos em rápido crescimento. A IA, além de uma ferramenta de aprendizado, também é vista como um caminho para o desenvolvimento de novas indústrias e funções profissionais. Um exemplo interessante nesse sentido é a iniciativa da Secretaria de Educação do Piauí, que está inserindo a disciplina de Inteligência Artificial na matriz curricular do 9º ano do Ensino Fundamental e no Ensino Médio. Com essa ação, 120 mil estudantes da rede pública estadual terão acesso ao letramento em IA, preparando-se para o mundo digital e profissional, com o suporte de uma formação robusta para professores.
     
  4. Acesso Inclusivo e Equitativo à Educação Digital: A equidade foi um dos temas centrais, muito em consonância com o relatório “Education at a Glance”, estudo aprofundado feito anualmente pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico sobre o cenário educacional ao redor do mundo e que em 2024 trata exatamente sobre a equidade na educação e no mercado de trabalho. Enquanto o documento da OCDE traz indicadores que apontam desigualdades na situação atual, o congresso da UNESCO aponta que a transformação digital, que já está em andamento, deve ser inclusiva e beneficiar a todos para que se faça justiça social. Isso incluiu discussões sobre como alcançar populações em áreas remotas ou com baixa conectividade, com soluções tecnológicas adaptadas a esses contextos. O objetivo é que ninguém fique de fora da revolução digital na educação.
     
  5. Integração de IA em Processos de Avaliação: Um dos temas inovadores foi o uso da IA para transformar processos de avaliação. Soluções como plataformas de avaliação personalizadas com IA foram discutidas como ferramentas que podem fornecer feedback imediato e personalizado para estudantes, melhorando tanto o aprendizado quanto a eficiência dos professores. Foi justamente este tema que me valeu o convite como palestrante da conferência, para compartilhar a experiência da Letrus, edtech brasileira que usa IA no ensino de leitura e redação. O programa pedagógico desenvolvido pela companhia já havia sido apontado este ano pelo relatório “Shaping the Future of Learning: The Role of AI in Education 4.0”, produzido pelo Fórum Econômico Mundial, como referência no bom uso de IA na educação e o reconhecimento por parte da UNESCO durante o evento mostra que o Brasil segue em uma posição bastante relevante no debate mundial sobre o uso da tecnologia. A exposição da Letrus teve como foco o processo avaliativo e, ao mesmo tempo, ofereceu uma excelente oportunidade para retomar alguns dos itens mencionados anteriormente nesta pequena lista. Em especial, a equidade, já que um estudo conduzido pelo J-PAL, centro de pesquisa global para a redução da pobreza sediado no MIT, comprovou o potencial da redução da diferença de desempenho entre alunos das redes pública e privada com o uso da Letrus por estudantes de escolas estaduais no Espírito Santo.

Em um evento que ressaltou a importância da colaboração global na educação digital, com representantes de diversos países apresentando suas estratégias, a troca de boas práticas em IA entre Brasil e outros países mostram que o avanço tecnológico em educação é um esforço global. Isso foi visível na diversidade de palestrantes e na variedade de experiências compartilhadas.
 



Alessandro Arpetti - CTO da Letrus, filósofo e doutor em e-Learning e Ciência da Computação pela Università Politecnica delle Marche, Itália, e pela Universidade Estadual de Campinas



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