Organização reuniu
formuladores de políticas públicas de educação, pesquisadores e profissionais
de vários países para discutir as oportunidades da tecnologia no setor
No momento em que a sociedade passa
pelas transições digital e verde, a Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) coloca a educação como ponto de
origem, de onde vai emanar o potencial que as tecnologias oferecem para apoiar
o desenvolvimento econômico e social. Esse papel disseminador ficou claro na
Digital Learning Week, evento promovido pela organização em Paris, na França.
Após longos debates sobre oportunidades e desafios, a conferência resultou em
direcionamentos para o uso de Inteligência Artificial centrado no ser humano e
apontou nas interligações entre a transformação digital e a educação verde.
O que mais me impressionou durante a semana,
apesar da grande participação de diversos países, com organizações de
diferentes naturezas — públicas, não governamentais e privadas, foi o consenso
entre os participantes: a IA já está presente em nossas vidas e não se trata
mais de uma opção, mas de uma escolha obrigatória que devemos seguir com
consciência, conhecimento e uma avaliação cuidadosa dos riscos e benefícios.
Para seguir esse caminho, faz-se essencial a definição de políticas e regulamentações que orientem tanto o desenvolvimento quanto o uso responsável da IA. Além disso, a implementação de programas de infraestrutura e recursos tecnológicos é fundamental, assim como a criação de diretrizes e guias que ajudem a integrar a IA de forma eficaz no cotidiano das escolas, professores e estudantes. Usar os melhores casos de aplicação que já estão acontecendo ao redor do mundo, inclusive aqui no Brasil, como modelo também se mostrou como principal via para garantir o sucesso dessa transformação.
Abaixo eu destaco cinco direcionamentos para o
uso da IA na educação que resultaram dos debates, e trago alguns exemplos
interessantes que já estão em prática no Brasil.
- Competências para Professores: o papel dos professores na era digital é indiscutível e
extremamente importante. Tanto que a Unesco estruturou competências em IA
para educadores, com diretrizes essenciais para que eles se adaptem às
novas tecnologias e as integrem de maneira eficaz nas salas de aula. A
centralidade, claro, é o estudante que será preparado para o futuro. Mas o
desenvolvimento dos professores é uma prioridade para garantir que a
educação acompanhe as rápidas mudanças tecnológicas. Por aqui, a Nova
Escola tem promovido iniciativas para auxiliar os professores com
conhecimentos em IA, oferecendo oportunidades de aplicação prática tanto
em sala de aula quanto no planejamento pedagógico.
- Inclusão e Personalização: ainda sobre a centralidade do estudante, o encontro reforçou
o papel da tecnologia para uma educação onde a aprendizagem é adaptada às
necessidades individuais. Nesse tema, a IA desponta como ferramenta para
criar jornadas personalizadas e inclusivas. Projetos como a adaptação de
currículos usando IA para estudantes de baixa conectividade e o uso de
chatbots educacionais foram exemplos concretos apresentados. Isso
fortalece a ideia de que a IA pode não só melhorar a eficiência do
aprendizado, mas também proporcionar acesso a grupos historicamente
marginalizados e permitir uma abordagem mais rica e relevante, que engaja
os alunos. Um exemplo promissor é o uso de IA desplugada, como o projeto
da UFAL, que desenvolveu um aplicativo para correção automática de textos
escritos à mão por crianças, oferecendo acesso à tecnologia sem depender
de conexão à internet, atendendo assim a realidade de muitas salas de aula
brasileiras.
- Futuro do Trabalho: em uma era de
transições, a maneira como trabalhamos também passa por mudanças, de
maneira que é inadiável pensar em como a educação está sendo moldada para
preparar os jovens para o futuro do trabalho, especialmente em setores
emergentes. A discussão girou na maneira como as habilidades digitais e a
alfabetização em IA podem ser críticas para empregos em setores
tecnológicos em rápido crescimento. A IA, além de uma ferramenta de
aprendizado, também é vista como um caminho para o desenvolvimento de
novas indústrias e funções profissionais. Um exemplo interessante nesse
sentido é a iniciativa da Secretaria de Educação do Piauí, que está
inserindo a disciplina de Inteligência Artificial na matriz curricular do
9º ano do Ensino Fundamental e no Ensino Médio. Com essa ação, 120 mil
estudantes da rede pública estadual terão acesso ao letramento em IA,
preparando-se para o mundo digital e profissional, com o suporte de uma
formação robusta para professores.
- Acesso Inclusivo e Equitativo à Educação Digital: A equidade foi um dos temas centrais, muito em consonância
com o relatório “Education at a Glance”, estudo aprofundado feito
anualmente pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
sobre o cenário educacional ao redor do mundo e que em 2024 trata
exatamente sobre a equidade na educação e no mercado de trabalho. Enquanto
o documento da OCDE traz indicadores que apontam desigualdades na situação
atual, o congresso da UNESCO aponta que a transformação digital, que já
está em andamento, deve ser inclusiva e beneficiar a todos para que se
faça justiça social. Isso incluiu discussões sobre como alcançar
populações em áreas remotas ou com baixa conectividade, com soluções
tecnológicas adaptadas a esses contextos. O objetivo é que ninguém fique
de fora da revolução digital na educação.
- Integração de IA em Processos de Avaliação: Um dos temas inovadores foi o uso da IA para transformar
processos de avaliação. Soluções como plataformas de avaliação
personalizadas com IA foram discutidas como ferramentas que podem fornecer
feedback imediato e personalizado para estudantes, melhorando tanto o
aprendizado quanto a eficiência dos professores. Foi justamente este tema
que me valeu o convite como palestrante da conferência, para compartilhar
a experiência da Letrus, edtech brasileira que usa IA no ensino de leitura
e redação. O programa pedagógico desenvolvido pela companhia já havia sido
apontado este ano pelo relatório “Shaping the Future of Learning: The
Role of AI in Education 4.0”, produzido pelo Fórum Econômico Mundial,
como referência no bom uso de IA na educação e o reconhecimento por parte
da UNESCO durante o evento mostra que o Brasil segue em uma posição
bastante relevante no debate mundial sobre o uso da tecnologia. A exposição
da Letrus teve como foco o processo avaliativo e, ao mesmo tempo, ofereceu
uma excelente oportunidade para retomar alguns dos itens mencionados
anteriormente nesta pequena lista. Em especial, a equidade, já que um
estudo conduzido pelo J-PAL, centro de pesquisa global para a redução da
pobreza sediado no MIT, comprovou o potencial da redução da diferença de
desempenho entre alunos das redes pública e privada com o uso da Letrus
por estudantes de escolas estaduais no Espírito Santo.
Em um evento que ressaltou a importância da colaboração global na
educação digital, com representantes de diversos países apresentando suas
estratégias, a troca de boas práticas em IA entre Brasil e outros países
mostram que o avanço tecnológico em educação é um esforço global. Isso foi
visível na diversidade de palestrantes e na variedade de experiências
compartilhadas.
Alessandro Arpetti - CTO da Letrus, filósofo e doutor em e-Learning e Ciência da Computação pela Università Politecnica delle Marche, Itália, e pela Universidade Estadual de Campinas
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