Pesquisar no Blog

quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

Insider Trading: Um Risco para a Eficiência do Mercado de Capitais

 

A prática de insider trading no mercado de valores mobiliários nacional pode ser compreendida pela intenção ou ato de obter vantagem indevida com a utilização de informação privilegiada ao negociar títulos no mercado de capitais, isto é, utilização indevida de informação relevante que ainda não foi divulgada ao público e que são empregadas com a finalidade de obter vantagens ilegítimas na negociação de valores mobiliários, seja em favor próprio ou de terceiros.


Considera-se informação relevante todas as informações de caráter político-administrativo, técnico, negocial ou econômico-financeiro que possam influenciar nas operações, bem como qualquer decisão de acionista controlador, deliberação da assembleia geral ou, ainda, dos órgãos de administração da companhia aberta.

É importante esclarecer que o insider trading pode ser praticado por qualquer pessoa, embora seja mais comum sua prática pelos stakeholders, ou seja, aqueles efetivamente envolvidos e impactados pelas operações.


Tem-se que a prática de insider trading é imensuravelmente maléfica ao mercado, sobretudo, por retirar-lhe a credibilidade e confiabilidade, isto porque a subsistência desse mercado depende da segurança e confiança que é capaz de ensejar aos stakeholders.


Por analogia, podemos pensar que a “segurança” que o mercado é capaz de transmitir aos seus operadores funciona como um “pilar invisível”, ninguém vê ele diretamente, mas sem ele o mercado simplesmente não se sustenta.


Segundo Müssnich, num mercado que possui como objetivo primordial a disseminação simétrica, perfeita de informação, sem dúvidas, o insider trading é tido dos maiores ilícitos a serem combatidos. (Müssnich, 2017, p.19).


O fato é que os investidores procuram informações confiáveis ao decidir quando compram ou vendem ações, por mais risco que determinada operação ofereça, são as informações que subsidiam a tomada de decisão, logo, determinam os riscos que um investidor aceita ou não assumir, com isso, ao decidir de modo consciente com base em informações confiáveis, sente-se seguro e aceita o risco de acordo seu perfil.


Em contrapartida, se determinado individuo obtém uma informação privilegiada e usa ela para negociar na bolsa ou mercado de balcão, ele irá burlar toda a lógica desse mercado e colocar todos os demais em situação de desvantagem, tornando o mercado injusto e ineficiente.


De acordo com Paschoalini citada por Müssnich:

Não é difícil perceber que o insider, ao usar deslealmente informações privilegiadas, faz mais que violar o dever de informação e de lealdade que deveria pautar sua conduta; ele também “desestabiliza o mercado, comprometendo-lhe, por conseguinte, a eficiência. Fere, o insider, a transparência, a ética, sem cuja preservação o mercado de capitais não levará a bom termo as metas para as quais foi direcionado pela nossa Lei Maior. Reconhece-se, de fato, que o desempenho do mercado de valores mobiliários será́, em última instância, sempre afetado pela referida prática. (Müssnich, 2017, p. 27).


É salutar ressaltar que, assim como o mercado de crédito, o mercado de capitais desempenha um papel muito importante no Sistema Financeiro Nacional, ele possibilita a captação de recursos financeiros para que as empresas se desenvolvam, viabiliza a alocação eficiente de recursos e cria um ambiente confiável para investimentos. Ademais, com a captação de recursos e o desenvolvimento das empresas, ocorre o que os economistas chamam de fluxo circular da renda, gerando empregos e fazendo a “roda” da economia girar em benefício de todos.


Pelo exposto, pode-se concluir que um mercado de capitais eficiente contribui para uma economia saudável e próspera, logo, a prática do insider não só compromete a eficiência e credibilidade do mercado perante seus potenciais e efetivos operadores, como também, indiretamente, a própria economia. 

 

 

Requisitos para configuração do Insider Trading

 

Segundo Müssnich para configuração de insider é necessário o preenchimento das seguintes condutas (a) existência de informação privilegiada não divulgada ao mercado; (b) acesso à informação privilegiada; e (c) intenção de negociar tirando proveito da informação privilegiada. (Müssnich, 2017, p.32).


A existência de informação privilegiada não divulgada ao mercado depreende-se de uma informação que seja concomitantemente relevante e sigilosa. Relevante é aquela que poderá influir de modelo ponderável na decisão dos investidores do mercado de vendar ou comprar valores mobiliários de uma determinada companhia, conforme art. 157, §4º da Lei das Sociedades Anônimas. Enquanto que sigilosa é a informação que não foi divulgada para o mercado.


De acordo a Resolução CVM 44/21, considera-se relevante qualquer decisão de acionista controlador, deliberação da assembleia geral ou dos órgãos de administração da companhia aberta, ou qualquer outro ato ou fato de caráter político-administrativo, técnico, negocial ou econômico-financeiro ocorrido ou relacionado aos seus negócios que possa influir de modo ponderável.


Já o acesso à informação privilegiada, por sua vez, diz respeito a figura do insider, isto é, o sujeito com acesso a informação privilegiada ainda não divulgada que possua capacidade de utilizá-la na negociação de valores mobiliários. Cabe esclarecer que apenas administradores poderiam praticar o insiders, mas atualmente ele pode ser praticado por qualquer pessoa, desde que, preenchido os requisitos legais.


Enquanto que a “intenção de negociar tirando proveito da informação” podemos concluir que trata do elemento subjetivo do tipo, isto é, o animus de praticar o delito, o qual pode ser extraído do termo “com a finalidade de auferir vantagem, para si ou para outrem” previsto no art. 155, §4º da LSA. Vale ressaltar que dispensa que haja efetivo prejuízo para que se caracterize o delito.


Em suma, pode-se extrair que não é qualquer informação não divulgada que é capaz de configurar a prática de insider, mas, que tal informação, quando não divulgada e percebida no contexto de privilégio, seja utilizada ou constatado sua intenção de utilizá-la para obtenção de proveito negocial no mercado de capitais.


 

Regime Jurídico

 

Reputa-se que o primeiro regramento que tratou da figura do insider trading no Brasil foi o artigo 3º, inciso X, da Lei n. 4.728/1965, que estabeleceu que competia ao Banco do Brasil: “fiscalizar a utilização de informações não divulgadas ao público em benefício próprio ou de terceiros, por acionistas ou pessoas que, por força de cargos que exerçam, a elas tenham acesso”. Porém, tal regramento era insuficiente para coibir tais práticas, pois ainda não eram consideradas atos criminosos ou ilícitos.


Foi, então, com o advento da Lei das Sociedades Anônimas em dezembro de 1976, que o instituto começou efetivamente tomar forma, sobretudo, face a previsão do dever de lealdade por parte dos administradores das companhias, pelo qual ficou estabelecido, dentre outros deveres, a obrigação de guardar sigilo sobre informações não divulgadas que obteve em razão das funções que exercia, bem como coibiu a prática de utilizá-las em benefício próprio ou de terceiros, passando a prever, inclusive, indenização por perdas e danos na sua ocorrência.


Além disso, a citada lei alargou ainda mais sua aplicação ao dispor sobre a responsabilidade por omissão do administrador, prevendo que o administrador deve zelar para que as utilizações das informações privilegiadas acima mencionadas não ocorressem através de terceiros de sua confiança ou a ele subordinados.


Apesar do avanço, foi com o advento da Lei 10.303/2001, mediante a inclusão do parágrafo quarto no artigo 155 da SLA, que ficou estabelecido expressamente que é vedado “a qualquer pessoa” que tenha acesso a tais informações utilizá-las, ou seja, momento em que a prática de insider tornou-se aplicável a todos.


Ainda, com a promulgação da Lei 10.303/2001, foi incluído entre as competências da Comissão de Valores Mobiliários, a atribuição de criar normas sobre “informações que devam ser prestadas por administradores, membros do conselho fiscal, acionistas controladores e minoritários, relativas à compra, permuta ou venda de valores mobiliários emitidas pela companhia e por sociedades controladas ou controladoras.”


Importante mencionar que, quando da criação da Comissão de Valores Mobiliários através da Lei 6.385/76, foi-lhe atribuída, em conjunto com Conselho Monetário Nacional, à atribuição de “assegurar o acesso do público a informações sobre os valores mobiliários negociados e as companhias que os tenham emitido”.


Com isso, na ocorrência de fato relevante, todos os operadores do mercado deveriam ser cientificados de forma concomitante. Para tanto, essa Autarquia quem tratou de regular o assunto através de Instruções e Resoluções.


Em relação as normas regulamentares da Comissão de Valores Mobiliários relevantes para o tema, importante citar a CVM/31/84 e CVM/358/02, ambas revogadas, mas que deram importantes contornos para o tema. Atualmente a normativa que regula o tema é a Resolução CVM 44/2021 que dispõe sobre “divulgação de informações ou ato relevante a negociação de valores mobiliários na pendência de ato ou fato relevante não divulgado e a divulgação de informações sobre a negociação de valores mobiliários”. 


Desse modo, não se é possível cogitar a prática de insider quando a informação é de domínio público. Ademais, cabe mencionar que tais práticas podem ocorrer tanto na Bolsa de Valores, quanto no Mercado de Balcão, ou ainda, através de operações privadas, desde que, tenha por meio a utilização de valores mobiliários no contexto das sociedades de anônimas de capital aberto.


 

Responsabilidade Civil

 

A prática do insider trading é proibida pela legislação especial, nesse sentido, a pessoa que sofrer prejuízos pela prática das infrações terá o direito de ser indenização pelas perdas e danos, conforme se extrai do § 3º do artigo 155 da LSA.

Outro importante instrumento no caso da responsabilidade civil é a Ação Civil Pública por danos causados aos investidores, face ao caráter difuso e coletivo, conforme dispõe a Lei 7.913/89, segundo qual a legitimidade é do Ministério Público, seja de ofício ou por solicitação da Comissão de Valores Mobiliários, nos termos do art. 17, incisos II e III da citada Lei. Porém, cabe mencionar que tal disposição não implica em prejuízo das perdas e danos na esfera individual de um eventual prejudicado.


 

Responsabilidade do administrador

 

No caso dos administradores, ele é responsável civilmente pelos prejuízos que causar quando viola a lei ou estatuto nos termos do Art. 158, inciso II da LSA. Ademais, prevê o §5º do mesmo artigo prevê que caso o administrador concorra com as violações supracitadas responderá solidariamente, sobretudo, em razão do dever de informar quando tomar conhecimento do não cumprimento pelo predecessor e deixar de comunicar a assembleia geral.


Todavia, se o administrador causar danos, agindo dentro dos seus poderes, a responsabilidade, a princípio, é exclusivamente da própria companhia, na medida em que se trata de um ato dela. Todavia, provando-se que o administrador agiu com dolo ou culpa, a responsabilidade passa a ser pessoal do administrador. Porém é necessário provar o dolo ou a culpa do administrador para poder responsabilizá-lo, ou seja, a responsabilidade do administrador é subjetiva.


De outro lado, quando o administrador extrapola seus poderes, violando a lei ou o estatuto, presume-se juris tantum a existência de culpa. A responsabilidade nesses casos é sempre subjetiva, todavia, com a inversão do ônus da prova admitindo que o administrador comprove que não agiu com dolo ou culpa.


Outrossim, cabe mencionar que os administradores possuem o dever de informar previsto no art. 157 da LSA, dentre as quais, possui o dever de comunicar fato que possam influir na cotação de valores mobiliários, inclusive, se tomar conhecimento da prática de insider.


Além do dever de informar, possui o dever de lealdade, pelo qual não poderá usar do cargo em benefício próprio ou de terceiros, nesse sentido convém colacionar o entendimento de Tomazzete:


Os administradores não podem usar em benefício próprio ou de outrem as oportunidades que surjam em razão do cargo ocupado. Ora, se eles conheceram a oportunidade em virtude do cargo, a oportunidade é da companhia e não deles, na medida em que eles atuam como órgãos da sociedade. (...). Há que prevalecer sempre o interesse social sobre o interesse individual dos administradores. (Tomazzete, 2017, p. 694).


Pelo exposto, é possível concluir que caso o administrador pratique insider ou seja conivente com sua prática não comunicando o fato, poderá ser responsabilizado a pagar perdas e danos decorrentes, face ao descumprimento legal, infração estatutária e a inobservância do dever de informar e lealdade.


 

Responsabilidade Administrativa

 

Há também responsabilidade administrativa, a qual se dá perante a Comissão de Valores Mobiliários, por meio de processo administrativo previsto no 9º, incisos V e VI, da Lei n. 6.385/76. A Resolução CVM 44/2021 disciplina quais são as infrações, dedicando, inclusive, um capítulo específico para o uso de informação privilegiada. Segundo o artigo 13 da Resolução CVM 44/2021, é vedada a utilização de informação relevante ainda não divulgada, por qualquer pessoa que a ela tenha tido acesso, com a finalidade de auferir vantagem, para si ou para outrem, mediante negociação de valores mobiliários.


Ademais, cabe mencionar que a prática de insider trading possui natureza grave, sujeitando o infrator as penalidades previstas nos incisos IV, V, VI, VII e VIII do artigo 11 da Lei n. 6.385/76, como por exemplo, inabilitação temporária, até o máximo de 20 (vinte) anos, para o exercício de cargo de administrador ou de conselheiro fiscal de companhia aberta, de entidade do sistema de distribuição ou de outras entidades que dependam de autorização ou registro na Comissão de Valores Mobiliários, suspensão da autorização ou registro das atividades, proibição temporária, até o máximo de vinte anos, de praticar determinadas atividades ou operações, para os integrantes do sistema de distribuição ou de outras entidades que dependam de autorização ou registro na Comissão de Valores Mobiliários entre outras.


 

Responsabilidade Penal

Diante da relevância do bem tutelado, foi incluído no rol de crimes praticados no âmbito do mercado de capitais previstos na Lei 6.385/76, o ato de usar indevidamente informações privilegiadas, conforme alteração trazida pela Lei 10.303/2001 com a inclusão do artigo 27-D.


Segundo o referido tipo legal, constitui crime utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários. A pena para a referida conduta é a pena de reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime. Nesse sentido, convém mencionar o Recurso Especial Nº 1.569.171 - SP (2014/0106791-6), pelo qual houve a condenação do crime em comento.


Pelo exposto, é possível concluir pela possibilidade de imputação de responsabilidade penal da prática de insider trading, assim como pela responsabilidade civil e administrativa. Verifica-se, pois, interesse de todos que operam no mercado de capitais a coibição de tais prática que traz prejuízos a credibilidade do mercado de valores mobiliários.

 

 

Conclusão

 

A prática de insider nada mais é do que a utilização e informação privilegiada não divulgada ao público interessado e utilizada para fins negocias com intuito de obter vantagem para si ou para terceiros no âmbito da compra e venda de valores mobiliários. A prática de insider trading é extremamente prejudicial ao mercado de valores mobiliários, pois retira sua credibilidade e confiança perante seus stakeholders, elementos que são essenciais a subsistência desse mercado. Tal prática possui inspiração da legislação estrangeira, mas possui regulamentação própria no ordenamento jurídico brasileiro, através da legislação especial, bem como no âmbito das regulamentações da Comissão de Valores Mobiliários. É prática ilícita que pode ensejar responsabilização na esfera administrativa, cível e criminal de todos os envolvidos, inclusive, de administradores das companhias, quando atuarem de forma contrária a lei ou estatuto.

 



Marina Gabriela Moreia Braghere - Possui graduação em Direito pela Escola Superior de Gestão de Negócios (2022). Pós-graduanda em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas. Atualmente é Advogada no Escritório Vigna Advogados Associados em São Paulo, atuante na área de Contratos e Business.
OAB 495.404



REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976. Dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 8 dez. 1976

BRASIL. Lei n° 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações. Diário Oficial República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 17 dez. 1976.

COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS – precedentes comentados / organização Gustavo Tavares Borba, Rodrigo Tavares Borba, José Gabriel Assis de Almeida. – Rio de Janeiro: Forense, 2021.

COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS (CVM). Disponível em: https://conteudo.cvm.gov.br/legislacao/resolucoes/resol044.html Acesso > Acesso em: nov. 2023.

COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS (Brasil). Instrução CVM nº 358, de 3 de janeiro de 2002. Dispõe sobre a divulgação de informações relevantes de companhias abertas e sobre a suspensão da negociação de valores mobiliários. Acesso em: nov. 2023.

COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS (CVM). Instrução CVM nº 44, de 31 de maio de 2021. Dispõe sobre a divulgação de informações relativas à política de investimento e à gestão de riscos dos fundos de investimento. Acesso em: Acesso em: nov. 2023.

MÜSSNICH, 
Francisco Antunes Maciel. O insider trading no direito brasileiro / Francisco Antunes Maciel Müssnich. São Paulo: Saraiva, 2017.

TOMAZETTE , Marlon. Curso de direito empresarial: Teoria geral e direito societário, v. 1 / Marlon Tomazette. – 8. ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2017.

PARENTE, N. J. Aspectos Jurídicos do "insider trading". Superintendência Jurídica, junho de 1978.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial nº 1.569.171 - SP (2014/0106791-6). Relator (a) do processo. Data de julgamento 25/02/2016. Disponível em: < https://bdjur.stj.jus.br/jspui/bitstream/2011/100787/Julgado_1.pdf >. Acesso em: Acesso em: set. 2023.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Posts mais acessados