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sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Especialista em Direito Trabalhista afirma que obrigar empresa de aplicativo a registrar motoristas é retrocesso

Érika de Mello, Head de Direito Trabalhista do PG Advogados, defende que “não cabe aplicar soluções antigas para relações novas de trabalho”, e que essa decisão tende a causar desequilíbrio e retrocesso para a sociedade


Em uma decisão histórica, a Uber foi condenada a pagar R$ 1 bilhão por danos morais coletivos e obrigada a registrar todos os seus motoristas aplicando a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para a relação. A sentença, proferida pelo juiz Maurício Pereira Simões, da 4ª Vara do Trabalho de São Paulo, traz impacto significativo sobre a calorosa discussão já existente acerca dos direitos trabalhistas no setor de trabalho por plataformas do País.

 

A decisão reacendeu o debate sobre o que tem se chamado de regulamentação do “não emprego”. Enquanto alguns elogiam a sentença como um avanço na proteção dos direitos dos trabalhadores, outros temem que ela possa resultar em uma onda de desocupação incontrolável, impactando na renda das famílias e contribuindo com o empobrecimento da população, gerando impacto econômico e social brutal. “Não cabe aplicarmos soluções antigas para relações novas de trabalho, essa conduta pode causar desequilíbrio e retrocesso, inclusive do ponto de vista das leis trabalhistas”, acredita Érika de Mello, Head de Direito Trabalhista do PG Advogados.

 

A condenação da Uber e a obrigação de registrar os motoristas como empregados também podem ter implicações significativas para outras empresas de tecnologia e aplicativos que operam no Brasil, uma vez que levanta questões sobre a natureza das relações do trabalho nesses setores e a necessidade de regulamentações mais claras.

 

“Um primeiro ponto a se destacar é que essa sentença vai na contramão da grande maioria das ações que a precederam. Há muitas ações coletivas que já vinham sendo propostas no mesmo sentido e já haviam sido rejeitadas pela Justiça do Trabalho. Além disso, o próprio Superior Tribunal Federal já vem se posicionando no sentido de reconhecer que as novas relações de trabalho não se confundem com a relação de emprego. Mas não somente isso, a decisão também deve ser analisada sob a ótica social, uma vez que não estão sendo levadas em conta as novas formas de organização de trabalho e até mesmo os avanços tecnológicos que a humanidade vive”, esclareceu a especialista em Direito Trabalhista.

 

A decisão judicial foi anunciada na sexta-feira (15) após um processo que se arrastava por anos e envolvia ações de diversas entidades sindicais, organizações de defesa dos direitos dos trabalhadores e motoristas da Uber. O processo argumentava que os motoristas deveriam ser considerados como funcionários da empresa, tendo direito a benefícios e proteções trabalhistas previstos na CLT.

 

O juiz do caso, ao proferir sua sentença, destacou que a empresa de transporte por aplicativo não pode ser vista apenas como uma plataforma tecnológica, mas sim como uma empresa que exerce controle direto sobre seus motoristas. Ele argumentou ainda que, de acordo com a legislação brasileira, os motoristas devem ser considerados empregados da empresa e não prestadores de serviços autônomos, como a Uber alegava.

 

“A sentença pretende entregar algo que não está alinhado nem com o modelo de negócios da Uber e nem com a expectativa dos próprios profissionais”, mencionou Érika. Pesquisa recente do Datafolha com trabalhadores de plataformas apontou que três em cada quatro entrevistados não deseja trabalhar com carteira assinada e prefere manter a autonomia para escolher os horários e recusar corridas ou entregas, mesmo que isso tenha como consequência não ter direitos trabalhistas.

 

“O posicionamento faz sentido à medida que, além de muitas vezes essa atividade ser realizada como renda extra, ela acontece sem exclusividade e com a prestação de serviços para diversas empresas simultaneamente, cenário que não se sustentaria no caso da relação com vínculo de emprego”, avaliou a advogada.


 

Impacto social reverso

 

Para Érika de Mello, é preciso ponderar e mensurar o impacto reverso da decisão. “Precisamos refletir e responder as seguintes perguntas: o que acontecerá com milhares de profissionais e famílias caso a empresa decida encerrar as operações no Brasil? E qual o impacto de mercado e social se a decisão reverberar em outras plataformas que adotam esse modelo de negócio e trabalho?”, exemplificou.

 

A especialista do PG Advogados, plataforma de serviços jurídicos de São Paulo, defende a tese de que a matéria é multifacetada e exige uma análise mais abrangente, que não apenas do ponto de vista do Direito Trabalhista. “É claro que as leis trabalhistas devem ser respeitadas, mas a reflexão principal que proponho aqui é mais ampla: é preciso analisar o papel social e econômico que esta modalidade de trabalho se apresenta nos últimos anos, gerando impactos sociais e econômicos importantes para nosso País”.


 

O outro lado da moeda

 

Em resposta à decisão, a Uber anunciou que pretende recorrer com o argumento de que seus motoristas valorizam a flexibilidade oferecida pelo modelo de trabalho atual e que a decisão judicial pode prejudicar a renda de milhares de motoristas parceiros em todo o Brasil.

 

A empresa é uma plataforma que aproxima pessoas que procuram pelo transporte privado aos motoristas que oferecem esse serviço a condições muito acessíveis e práticas, o que parece atender a todos os agentes envolvidos no negócio. A pesquisa do Datafolha ouviu 2,8 mil motoristas de aplicativo e também revelou que esses profissionais pleiteiam mais garantias de proteção social desde que não comprometam a autonomia que o trabalho mediado por plataformas proporciona.

 

“É preciso educação para uma sociedade como a nossa que já tem um viés empreendedor e, muitas vezes, seus cidadãos acumulam duas ou três fontes de renda e assim querem permanecer. Balizar tudo de maneira simplória e sem analisar o atual contexto social e econômico de nosso país pode ser um retrocesso com sérias consequências, principalmente, para esses brasileiros. A discussão é muito mais sobre como garantir acesso a direitos sociais básicos nas novas formas de organização do trabalho do que sobre direitos inerentes ao vínculo de emprego que não é o que busca nem o contratante e nem o contratado”, finalizou Érika de Mello, Head de Direito Trabalhista do PG Advogados. 

O caso da Uber continuará a ser acompanhado de perto, pois ele lança luz sobre a complexa interseção entre tecnologia, economia e direitos trabalhistas em uma era de transformação digital.

 

Érika de Mello - Head de Direito Trabalhista do PG Advogados


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