Érika de Mello, Head de Direito Trabalhista do PG Advogados, defende que “não cabe aplicar soluções antigas para relações novas de trabalho”, e que essa decisão tende a causar desequilíbrio e retrocesso para a sociedade
Em uma decisão histórica, a Uber foi
condenada a pagar R$ 1 bilhão por danos morais coletivos e obrigada a registrar
todos os seus motoristas aplicando a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)
para a relação. A sentença, proferida pelo juiz Maurício Pereira Simões, da 4ª
Vara do Trabalho de São Paulo, traz impacto significativo sobre a calorosa discussão
já existente acerca dos direitos trabalhistas no setor de trabalho por
plataformas do País.
A decisão reacendeu o debate sobre o que
tem se chamado de regulamentação do “não emprego”. Enquanto alguns elogiam a
sentença como um avanço na proteção dos direitos dos trabalhadores, outros
temem que ela possa resultar em uma onda de desocupação incontrolável,
impactando na renda das famílias e contribuindo com o empobrecimento da
população, gerando impacto econômico e social brutal. “Não cabe aplicarmos soluções
antigas para relações novas de trabalho, essa conduta pode causar desequilíbrio
e retrocesso, inclusive do ponto de vista das leis trabalhistas”, acredita
Érika de Mello, Head de Direito Trabalhista do PG Advogados.
A condenação da Uber e a obrigação de
registrar os motoristas como empregados também podem ter implicações
significativas para outras empresas de tecnologia e aplicativos que operam no
Brasil, uma vez que levanta questões sobre a natureza das relações do trabalho
nesses setores e a necessidade de regulamentações mais claras.
“Um primeiro ponto a se destacar é que essa
sentença vai na contramão da grande maioria das ações que a precederam. Há
muitas ações coletivas que já vinham sendo propostas no mesmo sentido e já
haviam sido rejeitadas pela Justiça do Trabalho. Além disso, o próprio Superior
Tribunal Federal já vem se posicionando no sentido de reconhecer que as novas
relações de trabalho não se confundem com a relação de emprego. Mas não somente
isso, a decisão também deve ser analisada sob a ótica social, uma vez que não
estão sendo levadas em conta as novas formas de organização de trabalho e até
mesmo os avanços tecnológicos que a humanidade vive”, esclareceu a especialista
em Direito Trabalhista.
A decisão judicial foi anunciada na
sexta-feira (15) após um processo que se arrastava por anos e envolvia ações de
diversas entidades sindicais, organizações de defesa dos direitos dos
trabalhadores e motoristas da Uber. O processo argumentava que os motoristas
deveriam ser considerados como funcionários da empresa, tendo direito a
benefícios e proteções trabalhistas previstos na CLT.
O juiz do caso, ao proferir sua sentença,
destacou que a empresa de transporte por aplicativo não pode ser vista apenas
como uma plataforma tecnológica, mas sim como uma empresa que exerce controle
direto sobre seus motoristas. Ele argumentou ainda que, de acordo com a
legislação brasileira, os motoristas devem ser considerados empregados da
empresa e não prestadores de serviços autônomos, como a Uber alegava.
“A sentença pretende entregar algo que não
está alinhado nem com o modelo de negócios da Uber e nem com a expectativa dos
próprios profissionais”, mencionou Érika. Pesquisa recente do Datafolha com
trabalhadores de plataformas apontou que três em cada quatro entrevistados não
deseja trabalhar com carteira assinada e prefere manter a autonomia para
escolher os horários e recusar corridas ou entregas, mesmo que isso tenha como
consequência não ter direitos trabalhistas.
“O posicionamento faz sentido à medida que,
além de muitas vezes essa atividade ser realizada como renda extra, ela
acontece sem exclusividade e com a prestação de serviços para diversas empresas
simultaneamente, cenário que não se sustentaria no caso da relação com vínculo
de emprego”, avaliou a advogada.
Impacto
social reverso
Para Érika de Mello, é preciso ponderar e
mensurar o impacto reverso da decisão. “Precisamos refletir e responder as
seguintes perguntas: o que acontecerá com milhares de profissionais e famílias
caso a empresa decida encerrar as operações no Brasil? E qual o impacto de
mercado e social se a decisão reverberar em outras plataformas que adotam esse
modelo de negócio e trabalho?”, exemplificou.
A especialista do PG Advogados, plataforma
de serviços jurídicos de São Paulo, defende a tese de que a matéria é
multifacetada e exige uma análise mais abrangente, que não apenas do ponto de
vista do Direito Trabalhista. “É claro que as leis trabalhistas devem ser
respeitadas, mas a reflexão principal que proponho aqui é mais ampla: é preciso
analisar o papel social e econômico que esta modalidade de trabalho se
apresenta nos últimos anos, gerando impactos sociais e econômicos importantes
para nosso País”.
O
outro lado da moeda
Em resposta à decisão, a Uber anunciou que
pretende recorrer com o argumento de que seus motoristas valorizam a
flexibilidade oferecida pelo modelo de trabalho atual e que a decisão judicial
pode prejudicar a renda de milhares de motoristas parceiros em todo o Brasil.
A empresa é uma plataforma que aproxima
pessoas que procuram pelo transporte privado aos motoristas que oferecem esse
serviço a condições muito acessíveis e práticas, o que parece atender a todos
os agentes envolvidos no negócio. A pesquisa do Datafolha ouviu 2,8 mil
motoristas de aplicativo e também revelou que esses profissionais pleiteiam
mais garantias de proteção social desde que não comprometam a autonomia que o
trabalho mediado por plataformas proporciona.
“É preciso educação para uma sociedade como a nossa que já tem um viés empreendedor e, muitas vezes, seus cidadãos acumulam duas ou três fontes de renda e assim querem permanecer. Balizar tudo de maneira simplória e sem analisar o atual contexto social e econômico de nosso país pode ser um retrocesso com sérias consequências, principalmente, para esses brasileiros. A discussão é muito mais sobre como garantir acesso a direitos sociais básicos nas novas formas de organização do trabalho do que sobre direitos inerentes ao vínculo de emprego que não é o que busca nem o contratante e nem o contratado”, finalizou Érika de Mello, Head de Direito Trabalhista do PG Advogados.
O caso da Uber continuará a ser acompanhado de perto, pois ele
lança luz sobre a complexa interseção entre tecnologia, economia e direitos
trabalhistas em uma era de transformação digital.
Érika de Mello - Head de Direito Trabalhista do PG Advogados
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