Tem gente que pode. Tem gente que não. Charles III, o atual rei do Reino Unido, por exemplo, não precisa de muito para estar sempre com o sorriso no rosto. Além de ter debaixo do colchão uma fortuna de £ 1,81 bilhão, escovar os dentes nunca foi tão fácil. O motivo? Existe em Clarence House, sua residência real, um funcionário só para adicionar pasta à sua escova.
Já Maha
Vajiralongkorn, monarca da Tailândia desde 2016, também não fica atrás. Cansado
de ter a sua imagem vinculada a bebedeiras cercadas de muitas mulheres, eis que
a majestade propôs algo diferente para o seu marketing pessoal. Adotou um cão
da raça poodle, deu a ele o nome de “Foo Foo” e o tornou major-general
da Força Aérea de seu país. Tá bom para você?
E o que dizer de
um recente ex-metido a imperador do Brasil, Jair Messias Bolsonaro? Com
passagem de chuva dourada pelo governo nacional entre os anos de 2019 e 2022,
não faltou oportunidade para que 111 presentes dados por autoridades
estrangeiras fossem apropriadas ilegalmente ao seu patrimônio, totalizando, até
o momento, R$ 444 mil aos cofres públicos.
Entretanto, de
onde será que vem toda essa esquisitice? Para a psicologia profunda, ciência
que estuda os fenômenos inconscientes da mente, pensar, imaginar ou, até mesmo,
fantasiar que se é melhor ou maior do que todas as outras pessoas, somado a um fascínio
exagerado em relação a si mesmo, alcançando a mania de grandeza, são traços
comuns da megalomania.
Assim, não fica
difícil de entender, seja do ponteiro mais alto do relógio Big Ben, da joia
mais resplandecente do Palácio de Bangkok ou da extensão do abraço sempre
aberto do Cristo Redentor, por que certos líderes, em vez de liderar, preferem
controlar o que está à sua volta, subvertendo a realidade apresentada para
atender aos seus caprichos nada convencionais.
Pode-se dizer,
portanto, que no aparelho psíquico de todo megalômano existe um mecanismo
bastante específico. Em vez deste indivíduo introjetar uma representação
inteira de sua mãe e realizar as suas identificações psicológicas a partir da
força integradora desta imagem, ele preferiu, por conta de suas experiências
infantis traumáticas, permanecer preso à parte.
Pedaço chamado
pelo nome de objeto ideal, é em relação a ele que as coisas ocorrem. Ou seja,
não é a mãe que mais parece uma bruxa que incomoda este sujeito. Muito menos é
a benevolência das moças que enche o seu coração de gratidão, mas, sim, uma
feminilidade gloriosa e avassaladoramente inventada, que, de tão perfeita, nem
parece ser deste planeta.
Deste modo, para
sofrer menos com as cacetadas que a vida dá, principalmente as que vêm de uma
tal senhora chamada de sua genitora, por que não fantasiar com uma mãe-modelo?
Em vez de gritos, ela canta até o filho dormir. Em vez de ausente, ela está
sempre por perto. Em vez de problemática, ela tem sempre a solução para tudo,
independente do que quer que seja.
Como
consequência desta forma rudimentar de defesa, à medida que a psique se
desenvolve ao longo da primeira infância, período que vai do nascimento do
infante até os seus 7 anos de idade, é com esta figura platônica que ele irá se
reconhecer na construção da sua identidade. Logo, se a mamãe era a
Mulher-Maravilha, ele, agora, passa a ser a Mulher-Gato: “miau!”.
Brincadeiras
mulíebres à parte, é por este motivo que, quando chega no mercado de trabalho,
o sofredor da megalomania é aquele funcionário que dá trabalho em todo lugar
que passa. Em sua cabeça, como a construção da sua individualidade se deu em
relação a um protótipo, ele irá delirar, deslocando para as suas competências
as características de uma mãe divinizada.
Caso esteja em
uma posição de liderança, então, as coisas podem ficar ainda mais sérias. Com
caminho aberto para impor a sua vontade dentro de uma empresa, muitos chefes
podem deixar esta ilusão de incorporação da fêmea idolatrada falar mais alto,
adotando medidas arriscadas e desastrosas, lembrando as falácias dos soberanos
mencionados anteriormente.
Nestes casos, se situar o empregado na realidade não funcionar, talvez cortar o mal pela raiz seja a solução mais adequada. Afinal, pode ser que não sejamos tão poderosos quanto Charles III. Ou, ainda, que não tenhamos nem de perto a força política de Maha Vajiralongkorn. Porém, uma coisa é certa: ninguém precisa ser obrigado a reparar os danos de uma coroa falsificada.
Renan Cola é psicanalista - Formado em Publicidade e Propaganda pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), em Marketing e Gestão Comercial pela Universidade Vila Velha (UVV), em Psicanálise pelo instituto IBCP Psicanálise e em Gestão Empresarial e Empreendedorismo pela Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), o psicanalista possui 15 anos de experiência utilizando a psicologia profunda aplicada à área de comunicação e marketing, ajudando a construir narrativas fortes de marca para empresas de todo o Brasil, dos pequenos aos grandes negócios. Ao longo da carreira, escreveu artigos para veículos comunicacionais de ampla abrangência, como: Psique, Mistérios da Mente, Estado de Minas, O Tempo, Diário do Nordeste, Novo Varejo e Administradores.
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