A pesquisadora Jenny Abanto examina dentes de criança participante do Estudo MINA, em Cruzeiro do Sul, no Acre (foto: Bárbara Prado)
Estudo que acompanhou 800 crianças mostra que a inclusão de açúcares na
dieta acompanhada da interrupção precoce do aleitamento materno são
os principais fatores que contribuem para a incidência de cárie até os
2 anos de idade. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o
aleitamento materno exclusivo até os seis meses de idade e, de forma
complementar, pelo menos até 24 meses. A OMS também recomenda que não sejam
introduzidos açúcares antes dos 2 anos.
O trabalho foi conduzido no âmbito do Estudo MINA – Materno-Infantil no Acre: coorte de
nascimentos da Amazônia ocidental brasileira, que
acompanha um grupo de crianças nascidas entre 2015 e 2016 em Cruzeiro do Sul
(AC) e é financiado pela FAPESP (leia mais em: agencia.fapesp.br/38817/ e agencia.fapesp.br/40321/).
Resultados foram publicados na
revista Community Dentistry and Oral Epidemiology.
“Alguns estudos anteriores apontaram a associação entre amamentação
prolongada [após 1 ano de idade] e a ocorrência de cáries, sem avaliar
adequadamente o papel do consumo precoce de açúcar por essas crianças. Nosso
trabalho identificou que o efeito da amamentação prolongada no aumento do risco
de cárie dentária foi mediado pelo consumo de açúcar”, explica Marly Augusto Cardoso, professora
da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP) e
coordenadora do projeto.
“Os resultados corroboram o que se sabe sobre o papel dos açúcares
livres no desenvolvimento da cárie. Sozinha, a lactose do leite materno não
causa esse tipo de problema. Praticamente todas as crianças do estudo estavam
expostas de forma precoce aos açúcares”, resume Jenny Abanto, primeira autora do
trabalho, realizado durante estágio de pós-doutorado no Departamento de
Epidemiologia da FSP-USP, e atualmente professora da Faculdade São Leopoldo
Mandic, em São Paulo.
Dentre as
800 crianças acompanhadas, a prevalência de cárie foi de 22,8%, ou seja, duas
em cada dez. Vistos isoladamente, os números mostram que aquelas amamentadas
depois dos 24 meses de vida teriam risco maior do que as que receberam leite
materno por 12 meses ou menos. No entanto, a incidência de cárie nos
amamentados até os 2 anos diminuiu com o menor consumo de açúcar.
“Observamos
que a amamentação até os 24 meses diminui o consumo de alimentos
ultraprocessados ou com açúcar adicionado, atuando, portanto, como fator de
proteção contra cáries”, conta Cardoso.
As
informações sobre consumo de alimentos foram obtidas por meio de entrevistas,
em que as mães ou cuidadoras relatavam o que as crianças haviam comido nas 24
horas anteriores. Em diversos tipos de alimentos e bebidas, tais como chás,
sucos, leite e mingau, por exemplo, os pesquisadores registravam ainda a
quantidade de açúcar adicionada.
Apenas
2,8% nunca haviam consumido açúcar até os 2 anos. Por sua vez, 66,7%
tinham ingerido alimentos com açúcar mais de cinco vezes no dia. Durante o
primeiro ano de vida, só 7,6% nunca haviam consumido açúcar.
A
ocorrência de cárie foi menor quando se levava em conta ainda renda familiar,
escolaridade e cor da pele da mãe ou cuidadora. Filhos de mulheres negras, mais
pobres e que frequentaram menos tempo a escola formaram o grupo com maior frequência
de cárie.
Dentes
de leite
O alto
consumo de açúcares resulta na formação de um biofilme dental cariogênico, mais
conhecido como placa bacteriana, que contribui para a cárie. Nela, o leite
humano pode mudar suas características e ajudar na desmineralização do esmalte.
No entanto, é o consumo de açúcar que inicia esse processo. O aumento da
frequência com que a placa bacteriana é exposta ao leite humano é provavelmente
responsável pelo risco de cárie observado no aleitamento materno a partir dos
12 meses de idade.
“Mesmo
quando a primeira dentição é afetada, os chamados dentes de leite, os hábitos
alimentares, como o alto consumo de açúcar na infância, se perpetuam no tempo,
favorecendo o risco de cárie em outras fases da vida. Outros estudos mostram
ainda que crianças com alta incidência de cárie na infância tiveram alta
incidência de cárie também na adolescência”, explica Abanto, que é também
professora na Universidade Internacional da Catalunha, na Espanha.
A
pesquisadora argumenta ainda que, nos primeiros anos de vida, começam a se
consolidar os hábitos alimentares. Os alimentos com que a criança se acostuma
nessa fase, portanto, influenciam sua preferência ao longo da vida. O que é
mais um motivo para evitar o consumo do açúcar antes dos 2 anos.
Atualmente, mesmo os sucos com 100% de fruta não são recomendados pela
OMS, Ministério da Saúde e Sociedade Brasileira de Pediatria no primeiro ano de
vida. Ainda que esses produtos não tenham açúcar adicionado, quando as frutas
são espremidas o açúcar fica livre das fibras e causa efeito similar à
sacarose obtida da cana-de-açúcar, por exemplo. As recomendações da OMS não se
aplicam ao consumo de açúcares intrínsecos presentes nas frutas e
verduras in natura (inteiras), mas apenas aos sucos ou
concentrados.
“A OMS
recomenda a amamentação exclusiva pelos primeiros seis meses de vida e
continuada até os 2 anos, com introdução de frutas e comida a partir dos
seis meses, além de não consumir açúcares antes de 2 anos”, encerra
Cardoso.
O artigo Prolonged breastfeeding, sugar consumption and
dental caries at 2 years
of age: A birth cohort study, pode ser
lido em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/cdoe.12813.
André Julião
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/consumo-de-acucar-e-interrupcao-precoce-do-aleitamento-sao-fatores-de-risco-para-carie-na-infancia/40510/
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