A água de boa qualidade é como a saúde. Só percebemos o valor dela quando acaba. Problemas com financiamentos, superlotação e déficit recorrente são fatores que colocam em risco a qualidade e a história do Sistema Único de Saúde (SUS). Para se ter uma ideia, enquanto 75% dos brasileiros são atendidos pelo sistema público, segundo a Agência Nacional de Saúde, 54% de tudo que é pago em medicamentos, atendimentos, exames e procedimentos saem dos bolsos de empresas ou famílias que mantêm os hospitais. Se a saúde lhe parece cara, não queira saber o preço da sua ausência. Para evitar isso, precisamos que público e privado trabalhem juntos.
Mas um barco não vai para frente se cada um remar à
sua própria maneira. Mesmo que privado e público estejam interligados, falta o
primeiro estar mais atento às reais necessidades do outro. Enquanto hospitais
particulares estão mais focados no atendimento especializado a pacientes que
estão internados para cirurgias eletivas e exames mais complexos, os hospitais
públicos se destacam na atenção primária. E é nesse ponto que ambos podem unir
forças: por meio do cuidado com as pessoas, em vez de apenas tratar doenças ou
condições específicas.
O caminho para alcançar o equilíbrio não é fácil,
mas ninguém abre cadeados sem chaves. Então, muito provavelmente, a resposta
esteja na filantropia. Uma ferramenta eficaz e indispensável, que hoje
representa 70% da assistência de alta complexidade pelo SUS e tem mais de 3
milhões de pessoas dependentes dela para ter acesso a atendimento, cirurgia e
internação. Os dados da Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos
(CMB) mostram que o desafio imposto às instituições é grande. Principalmente
quando o assunto é a atuação dos hospitais na linha de frente da pandemia da
covid-19, período que impossibilitou a realização de algumas das principais
ações beneficentes de rotina dos hospitais, e trouxe novos entraves para
levantar recursos para a manutenção e para a melhoria dos serviços.
Mas, assim como o rio, precisamos aprender a
contornar os obstáculos. Qualquer que seja a direção escolhida, a colaboração
de todos os agentes de ambos os sistemas, desde os usuários, profissionais de
saúde e laboratórios farmacêuticos, até os próprios gestores de hospitais,
operadoras e membros dos serviços, é de extrema importância. Afinal, cuidar da
vida é um objetivo comum, que demanda cooperação, interesse e envolvimento
coletivo. O que poucos entendem é que não precisamos escolher qual dos dois
(privado ou público) é melhor. Mas, sim, perceber que há pontos de intersecção
e de aprendizado em cada um.
O primeiro passo para garantir atenção digna está
na qualidade e segurança assistencial. Por isso, a acreditação hospitalar é tão
necessária. Já, se a sustentabilidade financeira não for conquistada, será
inviável manter o SUS nos próximos anos e, também, dar sequência ao atendimento
por meio de planos de saúde. No meio disso tudo não podemos esquecer de olhar
para a essência de cada paciente, seja qual for a condição financeira ou classe
social.
O que aconteceu com os hospitais durante a pandemia
de covid-19, com falta de insumos, infraestrutura e até mesmo de profissionais
capacitados, foi uma demonstração do perigo que é ter um sistema
sobrecarregado. Isso traz aos gestores de hospitais a grande missão de tornar
esse acesso à saúde perene e sustentável para que a população brasileira
usufrua de forma plena o direito à saúde. Se evoluirmos para um modelo centrado
no paciente, nas suas necessidades, valorizando os desfechos que realmente
importam para ele, fica mais fácil conseguirmos alinhar as expectativas de
todas as partes interessadas. Um trabalho árduo e que, se não for realizado,
colocará em xeque os sistemas de saúde.
Precisamos aprender com os passos que foram dados
para trás e usar isso como estímulo para pensar em quantos passos serão dados
para frente. Se olharmos com atenção, veremos que podemos tirar proveito do
melhor que os dois mundos oferecem. Creio que, com pequenas atitudes, podemos
construir juntos um sistema de assistência à saúde melhor.
Além de aproximar os setores público e privado e
suas estruturas, é preciso concentrar esforços para melhorar as atuais
políticas públicas e prestar muita atenção às necessidades do paciente. Nessa
relação, a lei do retorno é praticamente imediata. A forma como lidamos com o
problema agora será o resultado que vamos colher no futuro. Portanto,
precisamos de mudanças urgentes na forma como os setores público e privado se
relacionam, na maneira de remuneração das instituições hospitalares e, também,
na sensibilização de todos em relação à importância dos hospitais
filantrópicos. Afinal de contas, saúde não tem preço. Mas tem custo.
Juliano Gasparetto -
diretor-geral do Hospital Universitário Cajuru e Hospital Marcelino Champagnat
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