O Brasil é uma república federativa, segundo o
artigo 1º da Constituição. No entanto, o princípio federativo foi sendo
vilipendiado ao longo do tempo, período em que a União se fortaleceu
economicamente, às custas do empobrecimento dos estados e, principalmente, dos
municípios. O resultado disso é a acentuação das desigualdades regionais que,
por força constitucional, deveriam ser combatidas, nunca estimuladas.
A principal origem dessa distorção está nos gastos
tributários da União, compostos por isenções e renúncias fiscais concedidas a
determinados setores da economia por discricionariedade do Executivo. Hoje,
esses gastos somam R$ 320 bilhões por ano e a maior parte (de 65% a 67%) dos
beneficiários desse montante bilionário é formada por contribuintes das regiões
Sul e Sudeste, justamente as duas áreas mais desenvolvidas do país.
De todos os gastos tributários da União, 40%
correspondem aos tributos compartilhados, ou seja, da União, Estados e
Municípios. Isso representa de R$ 123 bilhões a R$ 126 bilhões por ano. Em
razão das disposições constitucionais, o Fundo de Participação dos Estados
(FPE) e o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) são constituídos por um
percentual de arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produto
Industrializado (IPI), sendo 21,50% no primeiro caso e 22,75%, no segundo.
Outros 3% compõem os Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte (FNO), do
Nordeste (FNE) e do Centro-Oeste (FCO).
Paradoxalmente, os estados e municípios das regiões
Norte, Nordeste e Centro-Oeste, justamente os menos desenvolvidos da nação,
recebem cerca de 66,2% do FPE e do FPM, ou seja, R$ 120 bilhões por ano. Isto
significa que esses estados e municípios estão arcando com custos da ordem de
R$ 81,43 bilhões/ano que, por meio dos gastos tributários, são destinados aos
contribuintes das regiões Sul e Sudeste.
A matemática mostra que será impossível para o
Brasil reduzir as desigualdades sociais se o país continuar a destinar de 65% a
67% dos gastos tributários para as regiões mais desenvolvidas, em
detrimento das mais necessitadas.
Essa disparidade fica ainda mais significativa se
consideramos que mais de 40% dos gastos tributários da União são custeados pelo
IPI e pelo Imposto de Renda, justamente os dois impostos que compõem o FPE e o
FPM, fundos que são a segunda fonte mais importante na formação das receitas
dos estados e municípios. Ao invés de criar mecanismos permanentes para
aumentar a receita dos entes federativos em flagrante dificuldade, o governo
federal aplica uma equação que praticamente lhes impõe um torniquete econômico,
impondo mais obstáculos para o seu desenvolvimento.
Diante da gravidade da situação, o momento exige
mobilização para viabilizar mudanças legislativas, com aprovação pelo Congresso
Nacional, a fim de proibir que o governo federal conceda benefícios fiscais ou
financeiros se tais medidas não tiverem prazo de vigência fixado e
regressividade ao longo do tempo garantida. Além disso, é necessário obrigar
que os benefícios concedidos sejam submetidos à avaliação periódica quanto aos
seus resultados para a população, tudo auditado por órgãos de fiscalização como
o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria Geral da União (CGU).
Qualquer lei nesse sentido precisa, ainda,
estabelecer mecanismos para o cancelamento ou redução automáticos dos
benefícios no caso de não comprovação dos índices informados pelas empresas
beneficiárias nos compromissos assumidos com o governo.
Outra medida importante seria a legislação
determinar que os futuros benefícios fiscais fossem concedidos não mais somente
com os recursos compartilhados entre União, Estados e Municípios, mas com a
renúncia de tributos não compartilhados, em proporção não necessariamente
igual, mas adequada.
A mesma lei sobre o tema prestaria grande serviço à
nação se incluísse um dispositivo obrigando a redução anual dos gastos
tributários concedidos com os impostos compartilhados, de forma gradativa, até
a sua completa eliminação em cinco ou seis anos.
Essas mudanças são absolutamente necessárias para o
Brasil restaurar gradativamente o princípio federativo, fortalecendo estados
e municípios, tornando-os menos dependentes da União e reduzindo os
abismos regionais que ainda caracterizam o país e sacrificam grande parte dos
brasileiros.
Samuel Hanan - engenheiro com especialização nas
áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi
vice-governador do Amazonas (1999-2002). É autor do livro “Brasil, um país à
deriva”.
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