Nos últimos dias, processos de demissões conduzidos de forma inapropriada por startups ganharam manchetes. É algo que me choca em especial. Motivo: há 20 anos, atuo em comunicação corporativa e, em uma frente específica, em transformação e transição. Isso inclui treinar e apoiar líderes – do C-level a chão de fábrica – a perceber a necessidade de e entender como cumprir com uma missão difícil: demitir.
Muita gente, no começo, achava esse meu papel
estranho/curioso, mas ao longo de quase duas décadas achei a comparação
apropriada. Assim como os médicos aprendem a dar a notícia da morte com zelo e
respeito e deflagram processos de luto, ajudo profissionais a demitirem com
respeito, responsabilidade e zelo e a criar um ambiente que não faça do luto
(pra quem sai e pra quem fica) algo ainda pior e mais profundo. Sim. É
possível. Com muita comunicação e cuidado.
Demitir é parte do jogo e todos sabem (inclusive as
pessoas demitidas). Afinal, na vida real, nem sempre o final é feliz.
Reorganizações, recessões, estagflações, mudanças de cenário e fechamento da torneira
de investimento acontecem. Sabemos de tudo isso. Mas, se não podemos garantir o
happy end, é possível garantir que o final será conduzido de modo respeitoso,
responsável, zeloso, humano e cuidadoso. Não temos controle dos desfechos, mas
temos capacidade para atuar em prol de quem terá parte da sua história
encerrada.
Repare que usei a palavra “humano” aqui em cima.
Não gosto disso. É obvio. Somos humanos, afinal. Mas é necessário. É preciso
lembrar no momento de fechar toda e qualquer história que, como humanos somos
seres pautados e criados por meio de relações. A qualidade delas pesa
imensamente em quem somos, em como agimos e, por isso, define comportamentos,
perspectivas e, assim, o futuro.
É essencial pensar nisso em processos de demissão e
mudança organizacional, porque esses movimentos influenciarão todos os públicos
de uma empresa: quem vai embora, concorrentes, consumidores e, principalmente,
quem fica. “Ah! Mas os consumidores não terão como saber das demissões feitas e
como elas foram feitas”! Não mesmo? “Ah! Quem fica na empresa vai ficar feliz
porque não foi demitido e vai seguir adiante”. Você acha mesmo que ele não vai
considerar como os colegas foram tratados?
Por isso, é tão essencial pensar nesse processo e
olhá-lo com cuidado e, acima de tudo, responsabilidade. A comunicação será
feita por vídeo? Quem estará do outro lado escutando, além do profissional?
Você corre o risco de demiti-lo na frente de alguém, sem nem perceber? A
demissão vai ocorrer em grupo? Mas você contratou todos em grupo, juntos?! Você
agradece o profissional? Dá feedback num momento em que ele não tem mais o que
fazer com aquela informação? Escuta ativamente, direciona? Analisa a
necessidade de comunicar os demais públicos e faz isso no timing correto? Há
diversas variáveis que mostram cuidado e responsabilidade com o fim da relação.
E elas podem e devem ser pensadas e planejadas no detalhe.
Quando paro para fazer a contas, estimo em milhares
o número de executivos que treinei para momentos de reorganizações e demissões.
Lendo as notícias atuais posso dizer que sinto orgulho de cada um deles. Por um
motivo essencial: se estivemos juntos é porque eles se preocuparam em fazer
algo difícil e definidor do futuro de diversas pessoas da maneira correta,
humana, zelosa, responsável e cuidadosa. Parabéns a cada um deles. E que mais
gente pense a respeito disso. Finalizar qualquer relação é difícil, exige,
escuta, preocupa. Mas quem não sente esse temor tende a sociopatia, algo que os
funcionários não querem mais e que até mesmo investidores começam a entender
como redutor de valor. Escuta ativa, atenção plena, planejamento, empatia, bom
senso, comunicação consciente e ativa e preocupação genuína amenizam os piores
momentos e permitem que as pessoas vivenciem da melhor forma a curva de
transição que vem após um final.
Heloiza Carvalho - sócia-fundadora da Tree
Comunicação e conselheira de startups/ conselheira Trendsinnovation
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