Blogueiros e influenciadores no mundo inteiro se utilizam do mote “escolher viajar” para defender que qualquer um que tenha força de vontade, com planejamento, pode viajar todos os anos, conhecer novos países e se desenvolver culturalmente. A experiência de uma viagem é inigualável e, qualquer um que tenha acesso a outras culturas, compreende melhor de si mesmo, sua própria cultura, pratica outras línguas, conhece novas pessoas e se sente simplesmente feliz com essas realizações. Mas, será que viajar é mesmo uma escolha que depende de planejamento ou um privilégio para poucos?
Dados da PNAD Contínua, de janeiro de 2022, mostram
que a renda média da população brasileira caiu 1,1% em relação ao trimestre
anterior (outubro de 2021), de R$ 2.518 para R$ 2.489. Em termos da renda média
per
capita, a renda do brasileiro é de R$ 1.052. Esse número esconde
ainda outro problema, a desigualdade. Segundo dados de 2019, do IBGE, a camada
1% mais rica da população recebia neste ano 34 vezes a renda dos 50% mais
pobres. Portanto, quando falamos da média, podemos incorrer na ilusão de que um
país com dois indivíduos, em que um ganha R$ 1 mil e o outro ganha R$ 99 mil,
tem uma renda média de R$ 50 mil, quando a realidade é muito mais
desproporcional.
A expressão “escolher viajar” é tão falaciosa
quanto a crença de que existe meritocracia. Ainda que o planejamento seja um
aspecto importantíssimo na realização das coisas que almejamos, para a grande
maioria dos brasileiros, a realidade impõe restrições de níveis muito mais básicos
como alimentação, moradia e saúde. Segundo a calculadora da desigualdade da
Oxfam, se você mora sozinho e ganha R$ 3 mil, você já faz parte do grupo dos
10% mais ricos do país. E não é porque você é rico, mas sim porque os outros
são muito pobres. Apenas 10% da população brasileira apresenta renda per capita
acima de R$ 2.600. Considerando a estimativa do Dieese de que um salário
mínimo, para ser compatível com as despesas básicas de uma pessoa, deveria ser
de R$ 6.394,76, que espaço podemos encontrar para outras coisas que não as
necessidades básicas em um salário médio de R$ 1.052?
À parte das críticas em termos das possibilidades
financeiras para a maioria dos brasileiros, viabilizar projetos como viagens
depende de muito mais do que força de vontade. Assim como qualquer orçamento, o
primeiro passo se refere à simples comparação entre receitas e despesas. A
forma mais direta de auxiliar nesse caminho é o investimento em si mesmo, por
meio da qualificação. Ampliar as receitas para que as despesas se tornem
relativamente menores. Um segundo passo, é o planejamento financeiro, que é uma
condição necessária para realizar qualquer coisa. Evitar gastos desnecessários
e planejar gastos maiores. Entender que uma viagem também é um investimento em
si mesmo, pois, além de agregar cultura, está relacionada à saúde mental e,
quando estamos bem, trabalhamos e estudamos melhor. Mas é justamente do lado
das receitas que está a raiz dos problemas de desigualdade no Brasil.
Um dos setores que mais absorve a mão de obra não
qualificada é o próprio setor de turismo. Dados de 2021 do Ministério do
Turismo mostraram redução de 59% no faturamento do setor. Na estimativa da
Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o setor
deixou de faturar em 2021 mais de R$ 214 bilhões. Essa fragilidade está
relacionada aos trabalhadores de mais baixa renda, pois é justamente nos
serviços que a informalidade encontra refúgio, especialmente em momentos de
crise. Portanto, os impactos da pandemia ampliaram ainda mais essas
desigualdades e a pobreza, quando não é influenciada pela falta de acesso a
bens considerados não básicos – como a possibilidade de viagens – é afetada
também pela falta de trabalho e demanda para seus produtos.
Ainda que o setor de turismo seja visto como um
consumo supérfluo, ele tem a importância de gerar renda para uma camada não
privilegiada da população, absorver mão de obra quando o setor formal está em
crise e ser solução para diversas atividades que se utilizam da criatividade
para se manter. E a resposta, mais uma vez, cai no clichê da educação. A
capacidade de ganhar mais está intimamente relacionada a produzir mais do que
se custa. Quando a nossa sociedade for realmente capaz de ter uma vida digna
com seu próprio trabalho no seu próprio território, talvez ela realmente
consiga escolher olhar para fora.
Walcir Soares Junior (Dabliu) - doutor em Desenvolvimento, é professor do curso de Ciências Econômicas na Escola de Negócios da Universidade Positivo.
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