Milhões de pessoas no mundo foram obrigadas a manter o isolamento social durante a pandemia, fator que trouxe reflexos, principalmente, para o tratamento de algumas doenças como o câncer. O fenômeno não foi exclusividade brasileira. Nesse período, instituições da área de saúde no país chegaram, por exemplo, a registrar 70% de adiamento de cirurgias oncológicas e mais de 1 milhão de pacientes postergaram exames para diagnóstico de câncer de intestino ou câncer colorretal. Na América Latina, Honduras teve redução de 80% na detecção do câncer de mama e colo do útero.
Aliado ao fator da pandemia, o aumento
da longevidade da população demanda um novo olhar para as tendências na saúde.
Estamos passando por um período onde as enfermidades infecto-parasitárias, típicas
de países em desenvolvimento, devem dar lugar para o aumento das chamadas
Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT), como hipertensão arterial,
diabetes, bem como as oncológicas.
O câncer é responsável por 8,2 milhões
de mortes todos os anos, de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), e
o mundo registra 14 milhões de novos casos todos os anos. A perspectiva da
entidade é que as notificações cresçam até 70% nas próximas décadas. No Brasil,
10% dos municípios já têm o câncer como principal causa de morte.
Os sistemas público e privado de saúde
têm grandes desafios pela frente. Uma das frentes é investir na prevenção por
meio de campanhas e exames. No caso de câncer de pele, por exemplo, a
orientação de uso de protetor solar e evitar a exposição demasiada ao sol deve
ser matéria da educação infantil. Já para a população adulta, o incentivo a uma
vida saudável, sem consumo do tabaco, ingestão regrada de álcool e alimentos
ultraprocessados, pode contribuir para redução significativa do diagnóstico da
doença. A prática de exercícios físicos regulares deve ser incentivada em
qualquer fase da vida, mesmo que seja uma simples caminhada.
Os investimentos em pesquisas também
devem ser estimulados como forma de encontrarmos outros modelos de tratamento.
Nas últimas décadas avançamos muito com a imunoterapia, terapia-alvo e, mais
recente, com o tratamento com as chamadas células CAR-T, que sofrem
modificações genéticas em laboratórios dos linfócitos T e são reintroduzidas no
organismo para combater as células tumorais.
Todo esse arsenal de novos tratamentos
pode alcançar resultados positivos caso o paciente tenha um diagnóstico precoce
da doença. Por isso, o adiamento de consultas e exames durante a pandemia pode
trazer reflexos por anos para a saúde no país, retardando a cura de muitos
pacientes. O início do tratamento em estágios mais avançados da doença faz
ainda aumentarem os custos e nem sempre é possível aplicar os novos
tratamentos, que reduzem significativamente os efeitos colaterais dos métodos
tradicionais, como a quimioterapia.
Assim como há 50 anos contávamos com
poucas ferramentas para diagnosticar e tratar das doenças oncológicas, o futuro
pode trazer boas perspectivas, mas, para isso, é preciso prevenir e fazer o
diagnóstico precoce. Com certeza, nas próximas décadas, o câncer também poderá
ser considerado uma doença crônica e com mais ferramentas para o seu
tratamento.
Ramon Andrade de
Mello -
médico com PhD em oncologia pela Universidade do Porto, Portugal, e professor
da disciplina Oncologia Clínica do doutorado em medicina da Universidade Nove
de Julho (Uninove).
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