O que acontece no cérebro do indivíduo deprimido?
A
depressão é a doença psiquiátrica mais frequente na atualidade, sendo
considerada por muitas autoridades em saúde como o “mal do milênio”. Dados de
uma pesquisa realizada nos EUA apontam que 1 em cada 6 pessoas pode
desenvolver depressão ao longo da vida.
Os principais sintomas dessa doença são humor deprimido, anedonia (habilidade de sentir prazer reduzida), irritabilidade, dificuldades de concentração e alterações no apetite e sono.
Apesar
de tão frequente, são poucas as informações sobre a fisiopatologia da
depressão. Em parte, essa carência de informações se deve à dificuldade da
obtenção de informações sobre a patogênese de doenças no sistema nervoso
central, devido à invasividade de técnicas diagnósticas.
Algumas técnicas disponíveis para documentar alterações cerebrais dependem de estudos post-mortem, com inúmeras limitações; já os exames de imagem dependem de marcadores de atividade neuronal para a detecção, o que encarece e muitas vezes, inviabiliza a técnica.
Pesquisadores
renomados da área de neurociências afirmam que a depressão deve ser encarada
como uma condição heterogênea, em que há o envolvimento de diversos sistemas
neuronais e outras comorbidades.
Estudos epidemiológicos sugerem que entre 40-50% dos casos de depressão envolvem um componente genético, caracterizando a depressão como uma doença hereditária. No entanto, até hoje, não foram identificados os genes envolvidos na fisiopatologia da depressão.
A
herança genética é só um dos inúmeros fatores envolvidos na patogênese da
depressão. Os fatores não-genéticos, como estresse, trauma emocional, infecção
viral (ex.: Borna vírus), estilo de vida, dieta, experiências de vida prévia,
inclusive na fase intrauterina durante o desenvolvimento do sistema nervoso
central (SNC), podem estar envolvidos na etiologia da doença.
O estresse é um
dos principais fatores de risco da depressão.
Estudos sugerem que boa parte dos casos iniciam-se após um episódio de estresse intenso. Hoje em dia, muitos pesquisadores focam seus estudos nas alterações epigenéticas relacionadas à depressão, que podem ser transmitidas de mãe para filho, e são provocadas pela influência que o ambiente exerce sobre nossas experiências de vida e organismo.
O
diagnóstico da depressão é essencialmente clínico. O médico avalia a presença
de sintomas depressivos no paciente por pelo menos 2 semanas, e quando esses
sintomas prejudicam a vida social e profissional do paciente.
Existem
diversas classes de medicamentos disponíveis para o tratamento da depressão, e
eles começaram a revolucionar a terapêutica dos quadros depressivos a partir da
década de 1950.
As primeiras classes utilizadas foram as dos antidepressivos tricíclicos (ex.: imipramina) e dos inibidores da MAO (ex.: iproniazida). O uso desses fármacos no tratamento da depressão trouxe as primeiras luzes para o entendimento da neurobiologia da depressão.
O
mecanismo de ação agudo desses fármacos, bem como dos inibidores seletivos da
recaptação de serotonina (ex.: fluoxetina), dos inibidores seletivos da
recaptação de serotonina e noradrenalina (ex.: duloxetina), baseia-se no
aumento dos níveis desses neurotransmissores na fenda sináptica.
No entanto esse não é o único mecanismo desses fármacos. O efeito terapêutico dos antidepressivos só é observado após 3-4 semanas de tratamento, devido à necessidade do remodelamento sináptico.
Estudos
demonstraram que o uso crônico de antidepressivos pode contribuir para a
neuroplasticidade (capacidade dos neurônios se adaptarem a diferentes
situações/estímulos), devido ao aumento da concentração de neurotrofinas
(fatores que estimulam o crescimento neuronal) no SNC.
Por
isso, existem duas teorias que podem explicar a neurobiologia da depressão: a
teoria monoaminérgica e a teoria neurotrófica. A teoria monoaminérgica
refere-se à redução do conteúdo de neurotransmissores monoaminérgicos
(noradrenalina, serotonina, dopamina) em regiões cerebrais responsáveis pelo
controle das emoções e humor.
Já
a teoria neurotrófica, reflete que, com o uso crônico dos antidepressivos, os
níveis de neurotrofinas, como o BDNF, aumentam. Esses níveis aumentados
contribuem para a plasticidade sináptica e arborização dendrítica nessas mesmas
regiões do cérebro.
Dra. Marissa Schamne - Doutora em Psicofarmacologia e co-fundadora
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Referências consultadas:
(1) Krishnan V, Nestler EJ.
The molecular neurobiology of depression. Nature. 455(7215),894-902 (2008). (2)
Maletic, V., Robinson, M., Oakes, T., Iyengar, S., Ball, S.G. and Russell, J.
Neurobiology of depression: an integrated view of key findings. International
Journal of Clinical Practice, 61, 2030-2040 (2007). (3) Manji, H., Drevets, W.
& Charney, D. The cellular neurobiology of depression. Nat Med 7, 541–547
(2001). (Imagem 1) Torres, G., Gainetdinov, R. & Caron, M. Plasma membrane
monoamine transporters: structure, regulation and function. Nat Rev Neurosci 4,
13–25 (2003). (Imagem 2) Nesteler et al. Neurobiology of depression. Neuron,
34, 13–25, (2002).
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