Intimamente ligado à noção de família, o instituto do casamento é universal e elemento comum em praticamente todos os ordenamentos jurídicos mundiais modernos. Devido a essa importância, além da sua formalidade e solenidade, o pedido de casamento também se tornou um ato solene, ganhando status de promessa.
Em razão da seriedade do compromisso do noivado e
tudo que ele envolve, desde expectativas pessoais até investimentos
financeiros, quando cometida atitude abusiva e em desfavor do que foi
prometido, tal como o seu rompimento injustificado, este, apesar de não ser
cumprimento obrigatório, também não deixa de ser invencível, fazendo gerar uma responsabilidade
civil.
No Brasil, o rompimento do noivado é regulado pelo
regramento geral, de modo que não só caberia a indenização pelos danos
materiais sofridos nesses casos, como também deve ela ser ampla e abranger
todos os danos advindos do rompimento do noivado, incluindo lucros cessantes e
danos morais, ou seja, toda a extensão do dano, não se limitando ao
patrimonial.
Jurisprudência e doutrina se posicionam no sentido
de que quanto mais próximo do casamento ocorrer a ruptura, maiores são as chances
de se configurar o dano moral. Por exemplo, há o entendimento de que o
rompimento após a distribuição dos convites seria vexatório o suficiente para
ensejar dano. Outros sustentam que o desfazimento do noivado na semana do
casamento também seria causa de desequilíbrio extrapatrimonial.
Há também os casos, clássicos dos filmes e da
literatura, mas que não estão limitados a ficção, em que um dos nubentes é
abandonado no altar, em frente a todos os familiares e amigos e as vésperas de
contrair as núpcias prometidas. Nesses casos, entende parte majoritária da
doutrina e da jurisprudência que, além dos claros danos patrimoniais sofridos,
o dano moral é sim devido.
A decisão acerca do rompimento, assim como em todos
os atos da vida civil não pode violar os direitos da personalidade, sob pena de
configurar o ilícito civil, conforme o disposto no artigo 186 e 187 do Código
Civil. É claro que a mera quebra da promessa de casamento não representa
violação da boa-fé, ante a liberdade e o direito dos nubentes de não se casarem
e de se arrependerem daquela promessa. O rompimento do noivado, assim como o
fim do namoro e até mesmo de um casamento, é fator que sempre deve ser levado
em conta pelo casal, sendo parte comum das relações humanas. Impossível fazer a
previsão de que o relacionamento será duradouro ou de que os sentimentos
recíprocos se manterão tais como no início do envolvimento amoroso.
No entanto, a regra é clara: quem comente ato
ilícito contra alguém, agindo de forma contrária ao direito, causa danos, devendo
repará-los. Acima de tudo, os direitos familiares pessoais, são concebidos como
direitos privados, o que significa que sua lesão enseja responsabilidade civil
pelos danos causados.
Controvérsias que englobam o Direito de Família,
por mais que sejam de natureza contratual, atingem o lado mais sensível e
íntimo do ser humano. As relações matrimoniais possuem uma dupla dimensão: ao
mesmo tempo dizem respeito aos planos de vida, como à compra de bens e o
planejamento profissional, e à esfera de sentimentos mais íntimos: o amor e a
afetividade. Por meio daquele contrato de promessa de casamento é estabelecida
e pensada toda a vida de uma família, não só sentimentalmente como, muitas
vezes, patrimonialmente.
No caso do noivado, em razão do princípio da solidariedade
familiar, concessões e planos são feitos entre os casais de forma a
conseguirem, juntos, concretizar o tão sonhado casamento, com a expectativa de
ambos de que a promessa de fato se concretize. A quebra de tal expectativa, por
vezes plenamente legítima, traz enorme tristeza e dano, muitas vezes com
consequências psíquicas irreparáveis.
Não se defende, de forma alguma, que qualquer
ruptura de relacionamento enseje responsabilização civil. Contudo, a liberdade
de iniciar e encerrar relacionamentos afetivos não serve como escudo para o
abuso de direito e para o ato ilícito, como vem sendo corretamente aplicado
pela jurisprudência brasileira. Entretanto, ainda pende legislação específica
para dar maior previsibilidade e segurança aos casos abusivos.
Bianca Lemos - advogada especializada em Direitos de Família e Sucessões e sócia do escritório Lemos & Ghelman Advogados.
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