Estudo brasileiro acompanhou 900 voluntários de forma remota durante cinco meses. A maior parte relatou sentir as horas passarem mais devagar nos primeiros meses da quarentena – fenômeno que se mostrou associado à solidão e à falta de experiências positivas no período (imagem: S. Hermann & F. Richter/Pixabay)
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A pandemia de COVID-19 alterou o modo
que as pessoas percebem a passagem do tempo, aponta estudo brasileiro publicado na revista Science Advances.
Ao final
do primeiro mês de isolamento social, em maio de 2020, a maior parcela dos
participantes (65%) relatou sentir as horas se arrastarem mais devagar –
fenômeno classificado pelos pesquisadores como “expansão temporal” e que se
mostrou associado à sensação de solidão e à falta de experiências positivas no
período.
Para 75%,
diminuiu a sensação de “pressão temporal” – quando o relógio parece andar
depressa e falta tempo para cumprir a demandas do dia a dia e para o lazer. A
grande maioria dos entrevistados (90%) afirmou estar cumprindo o isolamento
social naquele período.
“Acompanhamos os voluntários durante
cinco meses para ver se essa ‘fotografia’ do início da pandemia mudaria ao
longo do tempo. Observamos que essa sensação de expansão temporal foi
diminuindo com o passar das semanas. Mas não notamos diferenças significativas
em relação à pressão temporal”, conta à Agência FAPESP André Cravo, professor da Universidade Federal do ABC e primeiro autor do artigo.
A pesquisa
começou no dia 6 de maio, quando 3.855 voluntários recrutados pelas mídias
sociais responderam a um questionário on-line com dez perguntas e cumpriram uma
pequena tarefa cujo objetivo era avaliar a habilidade de estimar pequenos
intervalos temporais – algo como apertar um botão para sinalizar que 30 ou 60
segundos haviam se passado. Em seguida, os participantes eram questionados
sobre a rotina da semana anterior (se haviam cumprido as tarefas necessárias e
o quanto tinham dedicado ao lazer) e como estavam se sentindo (felizes,
tristes, solitários etc.).
“Todos
foram convidados a voltar semanalmente para uma nova avaliação, mas nem todos
aderiram. Para a análise final, consideramos os dados de 900 participantes que
responderam ao questionário pelo menos quatro semanas, não necessariamente
seguidas”, relata Cravo.
Usando
escalas padronizadas para pesquisas desse tipo, que variam de zero a cem
pontos, os cientistas analisavam as respostas e calculavam, semana a semana, se
havia aumento ou queda nos dois parâmetros avaliados: expansão e pressão
temporal.
“Além
desse aumento ou queda nas escalas, queríamos descobrir quais fatores
acompanhavam as mudanças. E, ao longo dos cinco meses, observamos um padrão
parecido: nas semanas em que o indivíduo se sentia mais sozinho e vivenciava
menos afetos positivos, também sentia o tempo passar mais devagar. Já em
situações com alto nível de estresse, sentia o tempo passar mais rapidamente”,
relata Cravo.
Na primeira avaliação, os
participantes também foram questionados sobre como percebiam a passagem do
tempo antes da pandemia. E, ao comparar as respostas com as referentes ao
primeiro mês da quarentena, foi possível observar, em média, um aumento de 20
pontos da expansão temporal e uma redução de 30 pontos da pressão temporal,
conta Raymundo Machado, pesquisador do Instituto do Cérebro do Hospital Israelita Albert
Einstein e coautor do artigo. “Mas, claro, há um viés de memória nesses
resultados, pois não foram feitas medições antes da pandemia”, comenta o
pesquisador.
Segundo os
dados descritos no artigo, os jovens foram os que mais sentiram o tempo parar
no início da pandemia, período de maior adesão às medidas de distanciamento
social. Com exceção da idade, fatores demográficos – entre eles o número de
pessoas na residência, a profissão e o gênero – não tiveram influência sobre os
resultados.
Para os
autores, esse pode ser um efeito do perfil da amostra, composta principalmente
de indivíduos da região Sudeste (80,5%), de mulheres (74,32%), com alta
escolaridade (71,78% com ensino superior), de classe média-alta (33,08%) e de
trabalhadores dos setores de educação (19,43%) e saúde (15,36%).
“Essa é
uma característica comum a muitos estudos on-line: maior participação de
mulheres, da região Sudeste e com alta escolaridade. Talvez com uma amostra
mais representativa da população brasileira conseguiríamos ver a influência de
fatores demográficos”, avalia Machado.
Relógio interno
Embora a
pandemia tenha modificado a forma que os participantes da pesquisa sentiam o
tempo passar, parece não ter afetado sua habilidade de estimar pequenos
intervalos temporais (medida pela tarefa de apertar o botão).
“Todos nós
temos a habilidade de estimar o tempo em intervalos curtos. O que fizemos foi
pegar os resultados desse teste de estimação do tempo [o quanto superestimavam
ou subestimavam o intervalo proposto na tarefa] e compará-los com as escalas de
percepção. E vimos que uma coisa não se relaciona com a outra”, conta Machado.
Segundo
Cravo, evidências da literatura científica indicam que a sensação de o tempo
passar mais depressa ou mais devagar é influenciada principalmente por dois
fatores: a relevância do tempo em um determinado contexto e a
imprevisibilidade.
“Por
exemplo, se estamos atrasados para o trabalho [o que torna o tempo relevante no
contexto] e precisamos esperar o ônibus passar no ponto [algo incerto], temos a
percepção extrema de que os minutos não passam. Já quando estamos viajando e
nos divertindo, não damos relevância para o tempo e ele parece voar”, diz.
Como
destaca o pesquisador, muitas vezes essa percepção muda quando lembramos dessas
mesmas situações no passado.
“Quando
lembramos de tudo que fizemos nas férias, parece que esse tempo durou mais. É o
contrário do que ocorre quando estamos na fila do banco: na hora, o tempo se
arrasta, mas quando lembramos da situação após um período, parece que foi tudo
muito rápido”, comenta.
No caso da
pandemia de COVID-19, diz Cravo, ainda é um mistério como vamos nos lembrar da
passagem do tempo durante a fase em que perduraram as medidas de distanciamento
social. “Diversos marcadores temporais, como carnaval, festa junina e
aniversários, foram perdidos nos últimos dois anos. Portanto, essa é uma
pergunta que permanece em aberto.”
A pesquisa divulgada na revista Science Advances teve apoio da FAPESP por meio de
cinco projetos (17/25161-8, 19/25572-3, 17/24575-3, 19/06423-7 e 16/24951-2).
O artigo Time experience during social distancing: A longitudinal study
during the first months of COVID-19 pandemic in Brazil pode ser
acessado em: www.science.org/doi/10.1126/sciadv.abj7205.
Karina Toledo
Agência
FAPESP
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