Já há estudos que
indicam que esses produtos podem aumentar risco cardiovascular, além de piorar
e desencadear asma brônquica
Apesar de proibido no Brasil, o cigarro eletrônico (ou vape) já está na quarta geração e seu uso vem crescendo em ambientes de festa, bares e restaurantes, principalmente por jovens. Seus efeitos na saúde já são comprovados. O equipamento gera partículas ultrafinas que conseguem ultrapassar a barreira dos alvéolos pulmonares e ganhar a corrente sanguínea, fazendo o corpo reagir com uma inflamação.
“Muitas vezes, quando a inflamação acontece na
parede do endotélio, que recobre as artérias, ele pode ser lesionado e
deflagrar eventos cardiovasculares agudos, como infarto e síndrome coronariana
aguda. A nicotina também tem influência no coração, porque aumenta a frequência
cardíaca e a pressão arterial”, explica Jaqueline Scholz, especialista da SBC –
Sociedade Brasileira de Cardiologia em ações contra o tabagismo.
O efeito protetivo que se imaginava que o cigarro
eletrônico pudesse ter, não se confirma. Em países que adotaram esses produtos,
há um crescente aumento de eventos cardiovasculares na população abaixo de 50
anos de idade.
Antes da pandemia de Covid-19, os Estados Unidos
registraram 2.800 internações e 68 óbitos de jovens, 70% deles tinham menos de
34 anos de idade. Eles foram diagnosticados com a síndrome chamada Evali, sigla
em inglês para doença pulmonar associada ao uso de produtos de cigarro
eletrônico. Hoje sabe-se que a mistura que mais causa Evali é composta por vitamina
E, THC (principal componente ativo da maconha) e nicotina. Em 30% dos usuários,
a utilização somente da nicotina já foi capaz de causar a doença.
“Diferentemente do cigarro convencional, que demora
às vezes 20 ou 30 anos para manifestar doenças no usuário, o cigarro
eletrônico, que prometia segurança, foi capaz de matar jovens rapidamente”,
aponta Jaqueline.
Vale lembrar que o narguilé é diferente, pois é um
tabaco que sofre combustão, aquecido com carvão. No entanto, também é uma
substância que traz danos à saúde, além do risco de contaminação ao ser
compartilhado entre os usuários.
Estudos
Quando os vapes surgiram, as pessoas faziam uso
bidual, ou seja, eram fumantes de cigarro convencional e também do eletrônico,
utilizando um ou outro em caso de restrições ou na tentativa de fazer a
migração.
Já na terceira e quarta gerações dos vapes, chama
atenção o aumento do número de usuários exclusivos, ou seja, pessoas que não
fumavam o convencional. Isso fez com que as evidências em relação aos seus efeitos
ficassem mais claras de serem analisadas.
Já há estudos que indicam que os vapes podem levar
substâncias cancerígenas para a bexiga, gerar disfunção endotelial, aumento do
risco cardiovascular, além de piorar e desencadear asma brônquica. “Ainda vai levar
um tempo para avaliar se podem, de fato, causar câncer, já que envolve
alterações genéticas, mas só o fato de saber que têm substância cancerígena já
é um alerta”, expõe Jaqueline.
Mas eles são efetivos para ajudar as pessoas a
pararem de fumar? Não. Aquelas que passaram a usar o cigarro eletrônico
continuaram dependentes da nicotina. O percentual de indivíduos que utilizam o
produto e conseguem largá-lo definitivamente é igual ao daqueles que tentam
parar de fumar sem usar outro método: 3% a 5%.
“Isso é muito preocupante, pois além do risco para
a saúde individual, o uso do vape pode colocar a perder os resultados já
alcançados pela campanha antitabaco no Brasil. Em outros países, a taxa de
fumantes chega a 25%, mas aqui chegamos a 10%, com muito sacrifício”, conta
Jaqueline.
Para ela, do ponto de vista de engrandecimento
humano, civilizatório, não há nenhuma vantagem no uso dos cigarros eletrônicos,
pelo contrário. “É um equívoco enorme pensar em liberar esse produto”, enfatiza
a especialista da SBC.
Combate
A RDC no 46 da Anvisa, de 2009, proíbe a
comercialização, a importação e a propaganda de quaisquer dispositivos
eletrônicos para fumar. Cabe à sociedade como um todo fazer cumprir a
resolução. Os pais precisam perguntar aos filhos se estão usando os vapes e
explicar que são proibidos e não fazem bem à saúde, que podem gerar
dependência, além do gasto econômico. “Nós da Sociedade Brasileira de
Cardiologia, enquanto uma entidade líder no esclarecimento para a população, na
assistência do que a cardiologia pode oferecer de melhor, estamos fazendo a
nossa parte na conscientização”, destaca Jaqueline.
Ela lembra que circulou recentemente uma fake news
demonstrando que o produto é legal, mas a verdade deve ser esclarecida. “Os
colégios precisam fazer campanhas educativas alertando, mostrando dados,
convocando professores e convidando psiquiatras para palestrar. Os jovens são
vulneráveis a todos os tipos de drogas, que podem modificar a capacidade
cerebral, desencadeando, no futuro, depressão, ansiedade, doenças e
instabilidades emocionais”, ressalta.
Para Jaqueline, o que torna o ser humano feliz é a
interação social, não a droga. “A droga foi inserida nesse contexto como se
fosse capaz de promover a interação entre as pessoas, mas é o contrário. Isso
precisa ser bem trabalhado, porque estamos vendo crescer uma geração de pessoas
adictas em tudo: álcool, maconha e cigarro eletrônico”, finaliza.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIOLOGIA
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