Pandemia trouxe prejuízo para a atenção à saúde ocular de crianças e adolescentes, aponta Conselho Brasileiro de Oftalmologia
Com a pandemia de covid-19, a saúde ocular das
crianças e adolescentes brasileiros ficou mais vulnerável. A dificuldade de
acesso a consultas e exames oftalmológicos na rede pública e o receio de pais e
responsáveis de levar seus filhos aos ambulatórios por conta de risco de
contaminação com o coronavírus causaram uma queda significativa no número de
ações preventivas nesta área. Esta realidade surge em levantamento realizado
pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), em parceria com a Sociedade
Brasileira de Oftalmologia Pediátrica (SBOP).
Os números mostram, por exemplo, que, em 2019, o
Sudeste - a região que mais realizou exames oftalmológicos em crianças e
adolescentes, na faixa etária de 0 a 19 anos, com um total de 560.360
procedimentos -- teve no ano seguinte (2020) uma queda de 34% no seu volume de
procedimentos desse tipo (369.222 exames). No Nordeste, a perda foi ainda maior
neste mesmo intervalo: redução de 45% entre o volume realizado em 2019 (total
de 362.661 exames) e o em 2020 (199.426).
Diante deste cenário, o CBO alerta para a
importância de se recuperar o terreno perdido durante a pandemia. “O começo do
ano é um período marcado pela motivação para resolver pendências, e as
consultas oftalmológicas podem fazer parte disso. Esse é um momento oportuno
para pais e responsáveis levarem suas crianças e adolescentes ao
oftalmologista. Revisar a saúde ocular é fundamental para garantir um bom
rendimento escolar, prevenir o surgimento de problemas na visão e evitar o
agravamento de quadros clínicos já existentes”, ressalta o presidente do
Conselho, Cristiano Caixeta Umbelino.
Segundo ele, os professores podem ser grandes
parceiros no monitoramento da saúde ocular das crianças. “Muitas vezes os
professores podem perceber sinais que só se manifestam dentro da sala de aula.
Querer se aproximar muito da lousa, virar a cabeça para tentar ver melhor ou
mesmo a dificuldade de aprendizagem, podem representar indicativos de doenças
oftalmológicas, como miopia hipermetropia ou astigmatismo”, alertou.
Consultas oftalmológicas - O estudo
elaborado a partir da base de dados do Ministério da Saúde indica a redução de
43% no total de consultas oftalmológicas realizadas com o público de 0 a 19
anos, entre 2019 e 2020. Para a mesma faixa etária, o número de exames com
finalidade diagnóstica teve redução de 36%. Para especialistas, a não
realização destes procedimentos pode implicar em diagnósticos tardios, demora
no início de tratamentos, redução de chances de cura e/ou recuperação e
subnotificação.
“Crianças e adolescentes que usam óculos, e
retornavam periodicamente para a renovação do exame oftalmológico, deixaram de
ter esse cuidado nesse período. Isso é preocupante, já que excesso no uso de
eletrônicos, comum durante o isolamento social, aumenta a progressão ou riscos
de surgimento de doenças comuns nesse público, como a miopia”, relata a
presidente da SBOP, Luísa Hopker.
Apesar de uma tendência de retomada do ritmo de atendimentos para esse público, em 2021, os dados analisados mostram que ainda não foi o suficiente para se chegar ao mesmo desempenho registrado no período pré pandemia. Na série histórica de 2012 a 2021, o ano de 2019 foi o que registrou maior número de consultas com oftalmologistas na faixa etária entre 0 e 19 anos. Foram mais de 2 milhões de procedimentos deste tipo (confira dados abaixo).
De todas as consultas oftalmológicas realizadas entre janeiro de 2012 e novembro de 2021 para a população de até 19 anos, cerca de 40% foram com crianças de menos de um ano. Esse percentual corresponde a 6.365.393 idas aos consultórios de oftalmologia. Já a faixa de 1 a 4 anos é que menos atendimento do tipo no período, somando 1.348.895, o que representa apenas 9% do total.
Em 2020, todas as faixas etárias tiveram redução no
número de consultas. A queda foi de, no mínimo, 40%, sendo que a maior queda
foi observada no seguimento que cobre de cinco a nove anos (49%). Já em 2021,
os dados computados de janeiro a novembro indicam um aumento no número de
consultas oftalmológicas em 20%, em relação ao ano anterior, contudo ainda
aquém de 2019.
A faixa etária que registrou a melhor performance
foi a das crianças menores de um ano (28%). No período, o pior desempenho ficou
no grupo de 5 a 9 anos, com apenas 10% de crescimento. As demais faixas
registraram um aumento entre 12 e 17%, em relação a 2020, mas ainda são em
média 36% menores do que a produção de 2019.
Não foi possível fazer uma análise detalhada sobre
a distribuição geográfica das consultas. Apesar dos dados apontarem uma queda
significativa no período, as informações disponíveis não permitem identificar
as variações por estado com exatidão. Nos registros da produção ambulatorial do
Sistema Único de Saúde (SUS), 87% das visitas de crianças e adolescente ao
oftalmologista, estão sem informações sobre o local onde foram realizados.
Exames de diagnóstico - Com relação
ao número de exames, ou seja, procedimentos com fins diagnósticos, o
levantamento também aponta queda durante os anos analisados. Em 2020, houve
redução de 36% de procedimentos realizados por pacientes com até 19 anos. O
decréscimo que ocorreu em todas as faixas etárias é ainda mais acentuado na que
corresponde ao intervalo de 5 a 9 anos, com baixa de 42% (verificar tabela abaixo).
São Paulo, Rio Grande do Sul e Pernambuco são os
estados que registraram os maiores números de exames oftalmológicos no Brasil,
entre 2012 e 2021, na faixa de 0 a 19 anos. Esses três estados, juntos,
representam 49% dos procedimentos realizados em todo o país. Para o mesmo
grupo, o Amapá, Acre e Rondônia são os estados que menos realizaram exames
oftalmológicos no período, somando, respectivamente, 4.481, 9.363 e 23.651.
Os dados apontam que 38% de todos os exames foram realizados na região Sudeste do Brasil, somando 3.356.380. A região Norte, em contrapartida, somou 506.427 exames oftalmológicos em crianças adolescentes entre 2012 e 2021, o que representa 6% do total observado nesse intervalo.
A leitura dos dados mostra também que o grupo etário que realizou o maior número de procedimentos oftalmológicos, entre 2012 e 2021, foi o que corresponde aos adolescentes de 15 e 19 anos. Eles respondem por 30% de todos os exames oferecidos ao público infanto-juvenil. Na sequência, vem a faixa de 10 a 14 anos, com 29%. Por outro lado, crianças com menos de um ano respondem por apenas 7% do total de procedimentos realizados.
O estudo também relacionou quais os principais exames realizados por crianças e adolescentes, de 0 a 19 anos. Do total de serviços oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), 37% eram de tonometria, somando 3.338.234 registros entre 2012 e 2021. Na segunda posição, vem mapeamento de retina, com 2.659.288. Juntos, eles representam 67% de todos os exames realizados, conforme demonstra a série histórica (ver tabela abaixo).
Para Luísa Hopker, a queda no número de consultas e exames oftalmológicos no público infantojuvenil é preocupante. “A Sociedade Brasileira de Oftalmologia Pediátrica orienta que o cuidado com a saúde ocular deve ser periódico e permanente. Em crianças saudáveis, deve ser feito pelo menos um exame no período de 6 a 12 meses, outro aos 3 anos e a acuidade visual, ou seja, a clareza e nitidez da visão das crianças, deve ser verificada anualmente”, ressaltou.
Teste do Olhinho -- O
cuidado com a saúde das crianças começa logo nas primeiras horas após o
nascimento. Também conhecido como “Teste do reflexo vermelho”, esse
procedimento de triagem é realizado pelo pediatra nas primeiras 72 horas de
vida. O exame pode identificar doenças que levam a deficiências visuais graves,
como a catarata e glaucoma congênitos.
Outras alterações no aparelho de visão podem
precipitar o diagnóstico de doenças mais graves, como o retinoblastoma, tipo
raro de tumor intraocular que acomete crianças. O teste do olhinho é realizado pelo
pediatra e, notada qualquer alteração, a criança deve ser encaminhada, em até
30 dias, para uma consulta oftalmológica completa. O procedimento deve ser
repetido 3 vezes ao ano, nos 3 primeiros anos de vida.
“O diagnóstico de qualquer alteração oftalmológica
nos primeiros anos de vida permite que o tratamento seja precoce, aumentando as
possibilidades de um melhor desenvolvimento visual na vida adulta”, alerta
Luísa.
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