Certa vez me perguntaram: “como é ter
uma doença autoimune como a sua?”. Confesso que um filme passou pela minha
cabeça. Os sentimentos se misturavam e muitas emoções surgiram. As lembranças
vieram por meio de várias cenas: os primeiros sintomas, as dores, muitos e
muitos exames, o diagnóstico, os medos, as sequelas, as dificuldades da
adaptação, os possíveis tratamentos, o desconhecido. Agora eu tinha um novo
“normal”. E uma simples pergunta abriu um labirinto na minha mente com inúmeros
corredores que, muitas vezes, davam em caminhos sem saída.
Quem já se aventurou em um labirinto sabe da
ansiedade inicial que toma conta. Um misto de animação com a vontade de vencer
e de não se dar por vencido. À medida que percorremos o caminho aparecem as
dificuldades. A mente dá um nó e você se confunde se questionando se já passou
ou não por aquele corredor. A angústia vem. A fragilidade também. A dúvida faz
a gente parar e avaliar as possíveis rotas. Qual o melhor lado? Para onde ir
agora? O que fazer? A intuição e a coragem aparecem com respostas rápidas e
você pensa: “não dá pra voltar porque eu nem sei o caminho de volta. É preciso
seguir”.
E foi assim que eu respondi como é ter uma doença
autoimune rara: “é difícil, tem dias bons e ruins, mas principalmente é
cansativo pelas lutas que precisamos travar”. Penso que essas lutas são de uma
vida toda, pois a cada momento algo diferente nos pega e nos revira. É preciso
ter calma e perseverar. Enfim, se a ideia é viver bem e com saúde, a luta vai
com a gente até o fim. É assim com todos os inúmeros corredores desse labirinto
chamado vida, mas para quem tem uma doença autoimune o labirinto apresenta
outras emoções.
O labirinto de uma pessoa com Neuromielite Óptica
tem nuances que mudam com o tempo. As paredes (ou dificuldades) não são estáticas,
elas se moldam, apresentam novos desafios e a gente precisa se adaptar muitas
vezes. Como se o labirinto tivesse vida própria e essa se torna uma boa
explicação para uma doença autoimune. É como se você estivesse caminhando,
seguindo bem sua vida, com os altos e baixos que ela tem, mas aí algo novo
surge abrindo mil corredores novos para você passar. Alguns são escuros, outros
estreitos, outros que você não consegue avistar o fim. A realidade de uma
pessoa que convive com doença autoimune é assim. Nós não sabemos o que virá no
dia seguinte. As crises ou surtos, como são chamadas as manifestações da NMO,
vem de repente, de surpresa mesmo, mudando todo o curso do caminho que
estávamos fazendo.
Quando penso nos corredores sem saída, me vem à
mente um corredor que talvez seja um dos mais sofridos: o de um paciente sem
acesso ao tratamento. É como conviver com um problema sem solução, sem
perspectiva. É viver a angústia de não saber se irá melhorar ou piorar. Nós
vivemos um momento em que nunca se valorizou tanto estudos e evidências
científicas, nunca na história foi colocado tanto a prova como as medicações
são necessárias e fazem a diferença.
No caso das doenças raras faltam medicações
específicas, estudos e apoio governamental. Hoje, no nosso país, ainda não
temos um Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para NMO. Isso
significa que a maioria dos pacientes tem acesso às medicações por meio de
“mentiras”. Os médicos precisam dizer que temos esclerose múltipla ou outra
doença para nos enquadrar no sistema e termos acesso ao pouco de tratamento
disponibilizado. A sensação que temos é que não existimos. Falta alguém que nos
enxergue em nossa totalidade. O direito a um PCDT é apenas o início da nossa
luta. Um papel timbrado, assinado e publicado que diga o caminho a seguir nesse
labirinto escuro da vida de uma pessoa com NMO. Afinal, ter um tratamento para
uma doença é a chance de viver com mais possibilidades e poder, assim, caminhar
com mais segurança e dignidade.
Marcela
Borges Mustefaga
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