Segundo o psicólogo, muitas pessoas com essa psicopatologia ou outras doenças mentais não recebem ajuda
Desde
o início dos isolamentos por conta da pandemia, aumentou a preocupação de
especialistas com a saúde mental. Casos de ansiedade e depressão cresceram 25
%, diz a Organização Mundial de Saúde (OMS). Contudo, já faz cinco anos que o
Brasil é considerado o país com maior índice de pessoas com transtornos mentais
em todo o mundo.
Segundo
o psicólogo Davi Sidnei de Lima, muitas pessoas com essa psicopatologia ou
qualquer outra doença mental não recebem tratamento para os seus transtornos.
"O estigma social é mais nocivo do que os transtornos mentais e a
bipolaridade em si. A saúde mental deve ser tratada com a mesma intensidade
dada às doenças do corpo”, explica ele, que é especialista em avaliação e
reabilitação neuropsicológica e professor do curso de Psicologia do Unibagozzi,
em Curitiba (PR).
De
acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5),
da Associação Americana de Psiquiatria, o transtorno bipolar é uma condição
psiquiátrica caracterizada por episódios críticos e intensos de alterações de
humor, com flutuações que vão da euforia à depressão e remissão. A bipolaridade
não tem cura, mas pode ser controlada com tratamento e acompanhamento
adequados, permitindo significativa melhora da qualidade de vida.
“Atendo
pacientes em meu consultório que me perguntam: ‘e se eu te encontrar na rua, o
que faço?’ Porque ao encontrá-lo na presença de alguém corre o risco de revelar
sua condição”, conta Lima, que além da docência no Unibagozzi faz atendimento e
acompanhamento psicoterapêutico na perspectiva da terapia
cognitivo-comportamental de crianças, adolescentes e adultos.
Segundo
ele, muitas vezes os pacientes vão escondidos ao seu consultório porque não
querem ser descobertos por colegas de trabalho indo a uma sessão de terapia.
Estigma social em torno das doenças mentais
Muitas
vezes, as pessoas evitam ou atrasam a procura de tratamento por medo de serem
tratadas de forma diferente e perder seus empregos e meios de subsistência.
Isso porque estigma, preconceito e discriminação contra pessoas com doença
mental ainda são um grande problema.
“O
estigma é uma âncora que impede o movimento, o dinamismo característico da
vida. Pensar em saúde mental precede uma questão de dinamismo, de movimento”
enfatiza o psicólogo.
Boas práticas para evitar o estigma social em torno da
bipolaridade
Segundo
Lima, a história da psiquiatria está intimamente ligada com as questões de
moralidade, de higiene social, elementos que agravam os estigmas sociais. O
Transtorno Bipolar afeta 2 a 3% da população mundial. No Brasil, o estigma
social prejudica inclusive a pesquisa em torno dos transtornos mentais.
Com
apenas alguns cliques é possível encontrar memes, humor e sátiras em torno da
bipolaridade. Nesse sentido, o professor Davi ressalta que brincar com essa
condição e qualquer outra relacionada à saúde mental, é um despropósito.
O
psicólogo chama a atenção para o papel da mídia para vencer o estigma através
da influência positiva e conscientização. “A mídia tem impacto para movimentar
essa âncora e tirar essa paralisia. Um estigma vai criando camadas sobre a
realidade a ponto de torná-la inacessível. O movimento de colocar a saúde
mental em pauta e dar o tratamento adequado, coloca a saúde mental como uma
dimensão da vida”, afirma.
O
Dia Mundial do Transtorno Bipolar e o Março Roxo, por exemplo, são
oportunidades para falar abertamente sobre saúde mental e uma boa prática para
reduzir o estigma em torno dessa condição. Além disso, as pessoas que convivem
com sujeitos acometidos de alguma patologia mental, têm a chance de aprender
mais sobre os recursos existentes para lidar com os seus efeitos na vida
cotidiana.
A
qualidade da formação dos profissionais da saúde mental, entre eles o
psicólogo, é um fator importante para a compreensão biopsicossocial da
realidade humana. “A proposta do Unibagozzi é trazer para o centro da sociedade
esse pensar o ser humano, formar profissionais com uma visão humanista para o
sujeito”, diz o professor.
Também
recomenda o cuidado que devemos ter como sociedade para não aumentar o estigma
involuntariamente usando o diagnóstico de forma equivocada, ou classificar
qualquer alteração de humor como bipolaridade ou tratar como loucura.
O
psicólogo faz um alerta sobre os nossos julgamentos cotidianos a respeito do
humor das pessoas que não podem substituir o diagnóstico profissional. “O
sofrimento faz parte da vida, é algo inevitável, nós vamos ter variações, desde
tristeza até momentos de alegria, mas quem vai caracterizar esses sofrimentos
como uma psicopatologia, não são os julgamentos cotidianos, mas o
acompanhamento especializado psiquiátrico e psicológico”.
Sintomas, diagnóstico e tratamento
O
Transtorno Bipolar exige tratamento psiquiátrico, o que permite manejo adequado
do tratamento farmacoterápico. Em geral se faz associações de medicamentos
ansiolíticos, antidepressivos e estabilizadores do humor para tratar as questões
do humor, depressão e ansiedade.
Em
geral, os sintomas incluem alternância de humor intensa, frequentes e que duram
mais tempo do que o normal. A euforia exacerbada, irritabilidade, depressão,
tristeza profunda e a presença de episódios de mania ou hipomania que alteram o
comportamento do sujeito.
O
especialista alerta sobre o diagnóstico e tratamento, essenciais para tratar a
doença, além de medicamentos corretos e a aderência do paciente são
determinantes para alcançar o êxito. Se um sujeito com transtorno bipolar não
fizer o tratamento adequado ou má associação medicamentosa - seja por falta ou
excesso - poderá ter um agravamento da bipolaridade, inclusive a falta de
tratamento pode levar o paciente a atentar contra a própria vida, resultado do autoestigma,
preconceito e desconhecimento da doença.
É
recomendável um olhar humanístico para o indivíduo com bipolaridade e não
apenas enquadrá-lo em critérios e diagnósticos, é observar suas alterações de
humor e até que ponto isso prejudica o seu entorno, a vida biopsicossocial
desse sujeito.
O
acompanhamento psicológico é aliado do tratamento, uma condição para o sucesso
na retomada da qualidade de vida. “Eu não tenho bons prognósticos de pacientes
que não fazem acompanhamento psicológico diante do diagnóstico de transtorno
bipolar. A psicoeducação e a psicohigiene aos aspetos no entorno do paciente,
assim como a terapia familiar, melhoram a qualidade dos vínculos, confiança e
harmoniza as relações”, finaliza Davi de Lima.
Consequências da pandemia que merecem atenção
Com
a pandemia, a saúde mental ficou muito prejudicada e trouxe questões sobre
transtornos ao debate. Uma delas está relacionada à pesquisa de doutorado do
psicólogo Davi de Lima. O foco de sua tese se dá em torno da avaliação e
reabilitação neuropsicológica.
A
pesquisa, que se desenvolve na Universidade Federal do Paraná (UFPR), tem como
objetivo avaliar os impactos diretos e indiretos da Covid-19 no
neurodesenvolvimento infantil. Está em observação, os casos de crianças que
nasceram de mães que contraíram a doença desencadeando fatores, como, por
exemplo, o nascimento prematuro e condições que afetam a saúde da mãe. A
Covid-19 pode agravar condições preexistentes, além de aumentar
significativamente o número de óbitos no parto nesse período da pandemia.
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