Os E-sports ou
esportes eletrônicos estão crescendo a cada dia e tornaram-se uma verdadeira
febre no Brasil. E muitos jovens estão se tornando atletas profissionais de
diversas categorias. Existem empresas especializadas em treinar jogadores e
jogadoras para disputarem campeonatos, que atraem milhões de pessoas em todo o
mundo através da internet e que oferecem contratos milionários, com cifras que
já se aproximam dos valores pagos atualmente no futebol profissional.
E
toda profissionalização é cercada de desafios. Os atletas de e-sports, hoje,
possuem contratos de trabalho e direitos assegurados pela legislação laboral.
Exemplo desse processo foi a notícia divulgada pelo Ministério Público do
Trabalho (MPT) que alertou que, em fevereiro deste ano, a equipe de esportes eletrônicos
Imperial Esports LTDA foi obrigada a registrar em carteira de trabalho seus
atletas profissionais por meio de um termo de ajustamento de conduta (TAC)
firmado em São Paulo. E no ano passado, a equipe Team Reapers assinou um acordo
semelhante com o MPT. Foram dois acordos inéditos no país e que sinalizam que
as autoridades e o Judiciário brasileiro estão tratando o tema com maior
seriedade.
E
o MPT passou a fiscalizar de uma maneira mais severa o setor de e-sports após
ficar sabendo da morte do jogador Matheus "brutt" Queiroz em 2019.
Aos 19 anos, o atleta foi acometido por uma doença no sistema nervoso central
que teria sido agravada pelas más condições de trabalho junto à Team Reapers e
à Imperial. O caso foi denunciado ao MPT naquele ano e motivou a abertura de
dois inquéritos civis, ainda em andamento.
Os
acordos assinados com o MPT obrigam as equipes a permitir pausas para descanso
e alimentação. Os equipamentos, desde fones de ouvido até altura de monitores,
teclados, mesas e cadeiras, devem ter qualidade técnica e ser compatíveis com
cada jogador em termos de altura e regulagem, posicionamento para facilitar a
boa postura etc.
Trata-se
de uma cruzada importante do MPT contra o poder financeiro das empresas deste
setor. Muitos atletas estavam sendo mantidos como autônomos, como se fossem
prestadores de serviço, o que contribui para a precarização da relação entre os
atletas e suas equipes. Os jogadores e jogadoras que não possuem contratos de
trabalho registrados e com carteira assinada correm o risco de ficar sem uma
cobertura previdenciária e de ter um ambiente de trabalho com riscos à saúde.
Diante
desse cenário, os atletas de esportes eletrônicos precisam necessariamente
conhecer seus direitos trabalhistas básicos. E as equipes precisam ter cuidado
no momento de realizar a contratação dos atletas.
Entretanto,
existe legislação específica para os atletas de E-sports?
Não
existe uma lei específica que regulamente a atividade desses profissionais. O
mercado tem utilizado uma combinação de normas da Consolidações das Leis do
Trabalho (CLT), do Código Civil e da Lei 9.615/1998, a Lei Pelé, legislações
que definem regras para a prática de esportes no Brasil. Basicamente, a mesma
legislação utilizada nas relações desportivas tradicionais.
As
regras previstas na CLT são as mais utilizadas pelo Judiciário, pois, de forma
ampla, essa legislação define toda forma de relação de emprego.
Na
prática, as equipes de E-sports necessitam que os
jogadores tenham disponibilidade para representar o time em campeonatos, jogos
patrocinados e eventos e outros diversos tipos de competições disponíveis no
mercado. Nesse caso, é inegável que o jogador tenha de ser um profissional
especializado, que treine de forma periódica, que receba uma remuneração
definida e siga as regras e condutas do time, características que personalizam
uma relação de emprego.
Todos
esses requisitos que os times buscam em um jogador estão previstos na CLT e são
definidos como pressupostos de vínculo empregatício, como: pessoalidade; não eventualidade;
onerosidade; e subordinação.
Vale
ressaltar que a contratação dos atletas sob o regime da CLT segue o mesmo
padrão de qualquer contratação tradicional. Essa é a modalidade de contratação
juridicamente mais segura, pois todos os impostos necessários serão recolhidos
no ato do pagamento do salário e registrados perante os órgãos fiscalizadores.
De
outro lado, existe a possibilidade de as equipes contratarem os jogadores como
prestadores de serviços, através de pessoas jurídicas (PJs) constituídas pelos
atletas. Nesse caso as regras serão definidas pelo Código Civil nos artigos 593
a 609, modalidade menos custosa, mas extremamente arriscada sob a ótica da
legislação trabalhista, pois pode configurar uma fraude.
Nessa
hipótese, a equipe irá contratar o atleta para que atue em favor do time na
figura de uma empresa prestadora de serviços constituída pelo jogador. A equipe
pagará um valor fixo e não há encargos trabalhistas a serem recolhidos pela
equipe, basta apenas pagar os valores determinados no contrato entre a equipe e
o atleta. Essa contratação é formalizada através de um contrato de prestação de
serviços, que definirá regras para as atividades, e teoricamente não
haverá qualquer vínculo empregatício entre as partes.
Porém,
sabemos que os jogadores precisam de treinamento diário, além de seguir as
regras determinadas pelas equipes. Nesse caso, se durante a rotina do dia a dia
o jogador reunir os requisitos do vínculo empregatício, este poderá
posteriormente ingressar com uma ação judicial, requerer o reconhecimento do
vínculo e o pagamento de todas as verbas trabalhistas desde o início de sua
relação com a equipe.
Já a
Lei 9.615, ou Lei Pelé, é usada com menos frequência para esses casos, uma vez
que na data da elaboração da lei os esportes eletrônicos não eram
definidos ou reconhecidos como atividade esportiva. Porém, no artigo 3ª, inciso
III, da Lei Pelé existe uma definição que pode ser aplicada aos atletas
de E-sports:
"Artigo
3ª — O desporto pode ser
reconhecido em qualquer das seguintes manifestações.
Inciso
III — desporto de rendimento, praticado segundo
normas gerais desta lei e regras práticas desportiva, nacionais ou
internacionais, com a finalidade de obter resultados e integrar pessoas e
comunidades do país e estas com as de outras nações".
Outro
ponto importante é a questão do direito de imagem de atletas, tema que há muito
tempo vem sendo discutido na Justiça do Trabalho, com o enraizamento de
entendimentos que não condizem com a evolução legislativa sobre o tema e do
desporto em si.
Devido
aos altos valores que esses direitos podem alcançar, muitos times pagam os
direitos de imagem diretamente para uma empresa pertencente ao jogador, que
possui um contrato de trabalho ativo, para não pagar os impostos necessários.
Essa prática, muito comum nos esportes de alto rendimento, também vem sendo
explorada no E-sports.
Porém,
à luz da legislação, pode ser caracterizada também como fraude à legislação
trabalhista.
A
respeito desse tema, a Lei Pelé sofreu uma nova modificação, trazida pela Lei nº
13155, de 4 de agosto de 2015, com a inclusão do parágrafo único ao artigo
87-A, com a seguinte redação:
"Quando
houver, por parte do atleta, a cessão de direitos ao uso de sua imagem para a
entidade de prática desportiva detentora do contrato especial de trabalho
desportivo, o valor correspondente ao uso da imagem não poderá ultrapassar 40%
da remuneração total paga ao atleta, composta pela soma do salário e dos
valores pagos pelo direito ao uso da imagem".
Portanto,
pela falta de uma legislação específica, todas essas categorias de contratação
vêm sendo utilizadas para a contratação de atletas de esportes eletrônicos.
Assim, é essencial que o MPT e demais autoridades realizem uma fiscalização
mais severa para garantir a segurança jurídica de todos os envolvidos.
Bruno Gallucci - advogado especialista em Direito
Desportivo e sócio do escritório Guimarães e Gallucci Advogados.
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