Como driblar a evolução de uma doença rara que causa degeneração progressiva com cuidado integral para garantir a qualidade de vida
O crescimento de bebês
e crianças apresenta características muito parecidas que marcam estágios comuns
às respectivas fases da infância, relativas ao desenvolvimento neuromotor. De
maneira geral, movimentos como a primeira vez em que o bebê se vira sozinho,
quando começa a engatinhar e a dar os primeiros passos costumam acontecer em
idades semelhantes entre crianças que não apresentam nenhuma doença que afete
esse processo. Quando pais ou responsáveis chegam ao consultório apontando
algum tipo de atraso ou falhas na execução desses movimentos, automaticamente
se instala um sinal de alerta para nós, médicos, que devemos iniciar uma
maratona de investigação até chegar a um diagnóstico preciso.
E se encontramos alguma doença rara como a causa de possíveis disfunções, o
tempo se torna o nosso maior oponente, afinal, quanto mais cedo a doença for
diagnosticada, mais rápido podemos iniciar intervenções e cuidados para
amenizar ou desacelerar possíveis progressões.
O diagnóstico de doenças raras, como a distrofia muscular de Duchenne
(DMD), geralmente acontece tardiamente. As razões deste atraso podem ser a
pouca importância dada pelos profissionais quanto às queixas dos familiares aos
primeiros sinais, a falta de encaminhamento para o especialista correto, ou até
mesmo a dificuldade no acesso aos exames de triagem. De acordo com informações
dos próprios familiares, existem muitas barreiras para o reconhecimento de
casos suspeitos.¹ Como profissionais da saúde, não podemos acreditar na crença
de que "esse menino é preguiçoso para levantar ou andar" ou qualquer
coisa do gênero, que tente dissuadir uma possível complicação motora nos
primeiros anos de vida.
A DMD é uma doença genética, degenerativa e rara, que se manifesta na
infância, ocasionando fraqueza muscular progressiva e incapacitante. Cerca de
30% dos pacientes podem apresentar comprometimento cognitivo. Apesar de
apresentar sintomas semelhantes aos de muitas outras enfermidades, alguns são
bastante característicos. A doença afeta principalmente meninos, em uma
proporção de 1 para cada 3.600 a 6.000 nascidos vivos, o que identifica uma
prevalência relativamente alta entre as doenças consideradas raras. Entre as
distrofias musculares, a de Duchenne é considerada a mais frequente na infância
e uma das mais conhecidas, graças aos sinais e sintomas característicos e ao
curso clínico já bem definido.²
Mas, para acelerar a jornada ao diagnóstico, é preciso ampliar o
conhecimento de profissionais de saúde e da sociedade sobre a DMD. Por isso, 7
de setembro marcou também o dia mundial da conscientização de Duchenne. É
importante chamarmos atenção para o fato de que somente o tratamento
multidisciplinar aliado novas opções de manejo que têm surgido, são capazes de
retardar a progressão da doença. Essas medidas são fundamentais para aumentar a
expectativa e, principalmente, melhorar a qualidade de vida dos pacientes.³
Para assistir adequadamente um paciente de DMD, além do pediatra, são
requeridos médicos de diferentes especialidades, como neurologistas,
pneumologistas, cardiologistas, ortopedistas, gastroenterologistas e
endocrinologistas. Sem contar o imprescindível suporte de outros profissionais
da saúde, como fisioterapeutas especializados em reabilitação motora e
respiratória, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e nutricionistas. Cada um
deles terá papel fundamental para orquestrar a assistência à saúde.
Essa abordagem interdisciplinar é a chave para garantir que os
diagnosticados com DMD sejam bem-sucedidos em suas jornadas individuais como
pacientes e consigam se desenvolver em outras áreas de suas vidas. São
crianças, adolescentes e adultos que podem e devem buscar êxito em todos os
seus processos.
É preciso que a sociedade em geral esteja atenta
para garantir que todos os raros tenham a oportunidade de viver muito mais e
com muita qualidade de vida.
Ana Lúcia Langer -
pediatra e membro do conselho deliberativo e do comitê técnico da Aliança Distrofia
Brasil (ADB).
Referências:
¹. Prufer De Queiroz A, Araújo C, Castro De Deco M, De Sá Klôh B, Rangel Da
Costa M, Veiga De Góis F, et al. Diagnosis delay of Duchenne Muscular
Dystrophy. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2004;4(2):179-83.
².Bushby K, Finkel R, Birnkrant DJ, Case LE, Clemens PR, Cripe L, et al.
Diagnosis and management of Duchenne muscular dystrophy, part 1: diagnosis, and
pharmacological and psychosocial management. Lancet Neurol. 2010 Jan
1;9(1):77-93.
³. Araujo APQC, De Carvalho AAS, Cavalcan EBU, Saute JAM, Carvalho E, França
Junior MC, et al. Consenso brasileiro sobre distrofia muscular de duchenne.
Parte 1 diagnóstico, corcoterapia e perspectivas. Vol. 75, Arquivos de
Neuro-Psiquiatria. Associação Arquivos de Neuro-Psiquiatria; 2017. p. 104-17.
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