Foi um duro golpe para quem defende o resgate do sistema ferroviário nacional. No último dia 5 de outubro, 33 anos após a histórica sessão que trouxe à luz o atual texto constitucional, o Senado aprovou o projeto de lei que ficou conhecido como o novo marco legal das ferrovias.
A principal mudança proposta pelo PL, que agora vai
a plenário na Câmara dos
Deputados, é a adoção da chamada modalidade de
“autorização” em oposição ao tradicional modelo de concessão, pelo qual o
Estado estabelece as metas para a operação dos atuais trechos ou construção de
novas linhas. Concessões pressupõem licitações, pelas quais o governo tem a
oportunidade de exercer sua prerrogativa de fazer valer os interesses
estratégicos da nação, ou seja, fazer política pública voltada para o uso amplo
e democrático da ferrovia, hoje muito distante de ocupar o papel a ela
reservado em países continentais como o nosso – o de integração e motor para o
desenvolvimento nacional.
Com a permissão à autorização, empresas privadas
poderão assumir a operação de ferrovias apenas para atender a seus interesses,
sem se importar com o uso público dos trens ou mesmo admitir a possibilidade de
que outros operadores privados possam empregar a infraestrutura – pública, em
sua natureza – para também transportarem produtos e matérias-primas.
Hoje, as ferrovias brasileiras estão praticamente
restritas à logística de grãos e minério de ferro. Itens essenciais como
produtos alimentícios e medicamentos – que poderiam ser transportados por
trilhos, com custo menor do que o praticado no transporte rodoviário, em uma
redução passível de ser repassada para o consumidor – estão fora das ferrovias
e sujeitos à alta de combustíveis e ao humor dos caminhoneiros que ameaçam a
normalidade do país com greves cada vez mais frequentes. E essa situação pode
piorar com o sistema de autorização. Quem já domina as ferrovias deve se perpetuar
com a exploração do bem público por mais décadas a fio. A lógica do lucro vai
prevalecer. O transporte de passageiros, por sua vez, estará definitivamente
condenado.
Com a aprovação célere desse marco legal, o Senado
foi de uma enorme irresponsabilidade com o interesse comum. A decisão exime o
Estado de exercer seu papel de formulador das políticas públicas. Transporte é
estratégico. É dever do Estado e direito do cidadão. Énecessário que tenhamos
ações integradas que permitam a ampla utilização das ferrovias, com segurança e
extensiva a toda a população, e que elas possam ser um fator de integração
nacional. Essas diretrizes precisam vir de Brasília. Qualquer ato que fira os
direitos do cidadão deve ser considerado inconstitucional.
Diante dessa exploração privada e destituída de
interesse comum do patrimônio público que se afigura com o marco das ferrovias,
entraremos com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade para questionar os
princípios de tão inoportuna lei.
O Brasil precisa de ferrovia para todos, e não
apenas para alguns escolhidos.
José Manoel Ferreira Gonçalves -
engenheiro e presidente da Ferrofrente (Frente Nacional pela Volta das
Ferrovias)
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