1 – Por que a
mudança da Política do WhatsApp está causando tanto alvoroço no mundo?
Peck: O
WhatsApp exerce em muitos países posição dominante de mercado. Sendo assim,
temos que analisar a situação não apenas sob a ótica da regulamentação de
proteção de dados, mas também sob o aspecto do direito concorrencial e das
proteções do consumidor. A partir do momento que há uma mudança das regras de
maneira unilateral, não há tempo hábil para que seus clientes, sejam pessoas
jurídicas ou físicas busquem alternativas. Logo, é uma situação que acaba
exigindo a análise por parte das autoridades para evitar abusos. Além disso, as
mudanças trazidas, mesmo que possam gerar benefícios, precisam de uma ampla
campanha orientativa (educativa). Hoje há toda uma discussão sobre o modelo de
“Data Ethics” da empresa. E no caso do WhatsApp e do Facebook, devido ao
histórico acumulado de casos recentes, a desconfiança gerada pela falta de
transparência e a aplicação de multas em muitos países provoca insegurança e
incerteza.
2 - O que
acontece a partir de 15/05?
Peck: Em
princípio, quem não aceitar os novos termos da Política de Privacidade ficará
com o aplicativo bloqueado. Não será possível enviar novas mensagens. Porém,
devido à pressão dos usuários em vários países, como a Índia, houve declarações
recentes do aplicativo de que aqueles que ainda não tiveram a chance de aceitar
a atualização não terão suas contas apagadas ou perderão a funcionalidade
imediatamente no dia 15 de maio. O WhatsApp afirmou, entretanto, que os
usuários não poderão usar alguns recursos do aplicativo até aceitar a
atualização, como exemplo não conseguirão acessar sua lista de bate-papo, por
exemplo, mas ainda serão capazes de atender chamadas e videochamadas. Ao final
de algumas semanas de tolerância, com a funcionalidade limitada, o WhatsApp
informou que vai interromper o envio de chamadas e mensagens.
Neste mesmo
período foi enviado um documento ao WhatsApp elaborado por autoridades
brasileiras Senacon, Cade, MPF, ANPD recomendando que o WhatsApp não restrinja
funcionalidades do aplicativo caso as pessoas não concordem com a nova
política. As autoridades pediram também que o Facebook não utilize dados
obtidos a partir da plataforma de mensagens enquanto não houver o
posicionamento dos órgãos reguladores.
3 - Qual o
motivo da mudança?
Peck: As
mudanças ocorrem pela transformação do WhatsApp em uma plataforma comercial. No
dia 15/02 foi anunciada uma versão do aplicativo com recursos do carrinho de
compras, com o qual o usuário pode selecionar diversos serviços e fazer um
pedido por mensagem pelo WhatsApp, durante uma conversa com empresas. WhatsApp
também está implementando meios de pagamento diretamente pela ferramenta.
4 - Quem será
mais afetado com as mudanças
Peck:
Usuários que trocam mensagens com empresas (WhatsApp Business) que utilizam um
provedor de serviço terceirizado para gerenciar a comunicação com os clientes
pelo WhatsApp. O Facebook é um dos provedores de serviço terceirizados que as
empresas podem contratar.
5 - O que muda
para o usuário e para a empresa que utiliza um provedor de serviço terceiro
para gerenciar a comunicação com os clientes pelo WhatsApp?
Peck: Em
geral, para o usuário que não se relaciona com contas comerciais não há muitas
mudanças. No entanto, lendo atentamente a nova política de privacidade o novo
texto indica a coleta de informações que não estavam presentes na versão
anterior tais como carga da bateria, operadora de celular, força do sinal da
operadora e identificadores do Facebook, Messenger e Instagram que permitem
cruzar dados de um mesmo usuário nas três plataformas. A empresa afirma que
todas as mensagens – de texto, áudio, vídeo e imagens – são criptografadas de
ponta a ponta, o que significa que somente o remetente e destinatário podem ver
a mensagem. E que não mantém registros sobre com quem os usuários estão
conversando e que não compartilha listas de contatos com o Facebook.
Já para
usuário que interage com contas comerciais que utilizam os mencionados recursos
terá mais impactos:
a) Criptografia
ponta a ponta: As conversas com empresas que utilizam um provedor de serviço
terceiro (inclusive o Facebook) para gerenciar as conversas deixarão de ser
criptografadas. As conversas entre usuários comuns permanecerão protegidas com
a criptografia ponta a ponta.
b)
Compartilhamento de dados: Para que as automatizações nas conversas entre
empresas e usuários pelo WhatsApp funcione, esses provedores de serviço
terceiros precisam receber as informações, as quais não podem estar
criptografadas. O Facebook informa que, para os casos em que atuar como
provedor de serviço, não utilizará estas informações para finalidades de
marketing ou qualquer outra que não seja o processamento necessário para
oferecer os serviços de gerenciamento das conversas. O usuário não precisa ter
uma conta no Facebook para que suas informações sejam compartilhadas e
armazenadas por eles.
Logo, a
nova política de privacidade, deixa de garantir a proteção da criptografia em
conversas com contas comerciais. Quando analisamos na ótica de um lojista onde
um atendente fale com um usuário sobre uma compra os dados pessoais trocados
podem não ser tão sensíveis como se for o caso de um laboratório, hospital ou
ainda uma clínica médica, cujos dados pessoais compartilhados são de saúde,
ainda mais com o aumento da prática de telemedicina/teleatendimento devido à
pandemia. Hoje é comum estas interações por contas comerciais e inclusive com
uso de bots. O mesmo com relacionamento com Bancos Digitais, entre outros. Aí o
nível de risco é maior, bem como de não estar em conformidade tanto com
regulamentação de proteção de dados como também regulamentações setorizadas. E
isso não afeta apenas o WhatsApp como também a empresa contratante do serviço
de conta comercial em termos de compliance.
6 - Quais informações
serão compartilhadas com os provedores de serviço terceirizado, incluindo o
Facebook?
Peck: O
WhatsApp não informa com exatidão quais são todos os dados que compartilha com
os provedores de serviço terceirizado, mas apresenta uma lista de todas as
categorias de dados que armazena de seus usuários:
a) Dados
fornecidos diretamente pelo usuário: número do telefone celular, nome perfil
escolhido, mensagens trocadas e criptografadas, contatos da agenda dados de
status, dados de transação e pagamentos;
b) Dados
que coleta automaticamente: dados de uso e registro como tempo e frequência,
modelo do dispositivo, rede móvel endereço IP, e identificadores exclusivos
para produtos das Empresas Facebook associados ao dispositivo ou conta, dados
de localização, cookies, dentre outros).
7 – Os dados
podem ser compartilhados pelo WhatsApp para outras empresas e para finalidades
não relacionadas aos provedores de serviço terceirizados para gerenciamento de
conversas (tal como o Facebook)?
Peck: Sim,
e isso já acontecia antes de ser anunciada a nova Política de Privacidade:
Compartilhar os dados com Operadores (seus fornecedores de serviços). O
WhatsApp informa que pode transmitir os dados dos usuários para os Operadores
(seus fornecedores), que realizam a atividade de tratamento dos dados pessoais
conforme às suas orientações.
Dentre os
Operadores do WhatsApp estão as Empresas do Facebook, que são contratadas para
operar, executar, aprimorar, entender, personalizar, dar suporte e anunciar
seus serviços. Para realizar tais atividades os dados podem ser armazenados
pelas empresas, inclusive o Facebook.
Essas
empresas podem também fornecer dados dos usuários para o WhatsApp sob
determinadas circunstâncias, por exemplo, as lojas de aplicativos podem enviar
relatórios para ajudar o WhatsApp a diagnosticar e corrigir problemas no
serviço.
8 - Mudanças
de acordo com a legislação?
Peck: A
forma como os usuários são abordados pelo aplicativo para que aceitem os termos
(com checbox pré marcados), e a redação confusa da própria Política de
Privacidade, aliado aos problemas reputacionais da sua controladora (Facebook),
pode levantar a bandeira vermelha do atendimento ao Princípio da Transparência
da LGPD e dos requisitos para um consentimento válido, vez que muitos usuários não
o concederam livremente, tampouco tinham sido devidamente informados sobre os
impactos.
Caberá ao
WhatsApp e ao Facebook demonstrar a conformidade com à LGPD, em especial
artigos 6, 7, 10, 11, 14, 18, 42, 44, 46, 47, 48, 49.
Sabemos que
não existe almoço grátis, e que as aplicações de internet podem apresentar
claramente os motivos pelos quais o tratamento de dados é requisito para o
fornecimento do produto/serviço, artigo 9, § 3º da LGPD com artigo 18 inciso
VIII. Mas condicionar o uso do serviço ao compartilhamento com terceiros e com
o consentimento completo (irrestrito) retirando os atributos de que precisa ser
manifestado de forma livre (não compulsória) para finalidades que são
comerciais, já poderia ser entendido como prática abusiva, considerando exercício
de posição dominante de mercado. Novamente, considerando uma grande preocupação
com o contexto de transparência e de segurança que vivemos atualmente e com
maior responsabilização trazida pelas novas leis.
Patricia Peck - PhD. Advogada
especialista em Direito Digital e Proteção de Dados, sócia PG Advogados.
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