Nova pesquisa do Instituto Pólis identificou as ocupações das vítimas de Covid-19 na capital paulista;
Entre trabalhadores ativos, o setor de
serviços aparece como o mais atingido, com 24,3% das mortes por Covid-19 até a
segunda quinzena de março de 2021; Grande parte dos óbitos está concentrada em
profissões não essenciais, o que indica que muitas dessas mortes poderiam ter
sido evitadas;
Baixo percentual de óbitos de profissionais
do setor de alimentação é indicativo de que medidas de distanciamento social
têm sido importantes na contenção do contágio e na proteção dos trabalhadores e
trabalhadoras do setor;
Análise territorial mostra que as
concentrações desiguais das mortes por Covid-19 têm razões diferentes; confira o estudo completo no site do Pólis
Novo
estudo realizado pelo Instituto Pólis mostra que grande parte das vítimas
fatais de Covid-19 na cidade de São Paulo, entre março de 2020 e março de 2021,
é de profissionais que não concluíram a educação básica, e que não
interromperam as atividades. De acordo com os números da pesquisa, pedreiros,
empregadas domésticas e motoristas de carros de aplicativo estão entre as
ocupações mais afetadas pela doença.
O estudo utilizou informações sobre os óbitos por Covid-19 na cidade de São
Paulo entre março de 2020 e março de 2021. Os dados foram coletados do SIM PRO-AIM
(Programa de Aprimoramento das Informações de Mortalidade), coordenado pela
Secretaria de Saúde do Município de São Paulo. A partir dessas informações, o
Pólis identificou 737 ocupações das vítimas, classificadas de acordo com o
código CBO (Classificação Brasileira de Ocupações), e as organizou em
categorias de atividades, agrupadas segundo o setor econômico, tipo de atuação,
nível de exposição do trabalhador e possibilidade de trabalho remoto.
A fim de detectar características em comum das pessoas envolvidas nas
atividades mais atingidas, também foram analisadas informações sobre a
escolaridade, faixa etária, local de residência, raça e sexo das vítimas.
Durante o período analisado, foram registradas 30.796 mortes por Covid-19 em
São Paulo. Destas, 23.628 (76,7%) foram de pessoas que não completaram o ciclo
de educação básica, ou seja, tinham 11 anos ou menos de estudo. Considerando a
escolaridade das vítimas como uma proxy sobre seu padrão de renda, os dados
confirmam que a mortalidade de Covid-19 é maior entre trabalhadores e
trabalhadoras mais pobres.
“Pessoas com menos anos de estudo acabam ocupando cargos que pagam menos, às
vezes informalmente, e que não acomodam o trabalho remoto”, analisa Vitor
Nisida, arquiteto e urbanista e pesquisador do Instituto Pólis.
Aposentados e donas de casa são categorias que possuem grande expressão na base
analisada. Juntos, representam 48% do total dos óbitos ocorridos, e possuem um
percentual de pessoas que não completaram o ciclo de educação básica maior que
a média do município, com 80,4% e 88,5%, respectivamente. São grupos
majoritariamente idosos cujas mortes estão associadas à faixa etária, já que o
vírus é mais letal à população mais idosa.
A infecção destas vítimas pode estar associada ao contágio dentro do domicílio
(parentes que trabalham fora de casa e trazem o vírus para seus familiares),
mas também pode ser consequência do padrão de mobilidade dessas pessoas. Donas
de casa, em especial, são responsáveis por uma série de tarefas de cuidado com
a família. Ainda que não seja remunerado, esse trabalho exige deslocamentos
constantes mesmo durante a pandemia: mercado, farmácia, consultas, entre
outros.
SETORES MAIS
IMPACTADOS
Os óbitos entre as categorias de trabalho ativo e remunerado - o que exclui
aposentados, donas de casa, estudantes e desempregados - correspondem a 37,8%.
O setor econômico mais impactado é o de serviços,
com 24,3% dos óbitos, seguido pela indústria
(8,2%), comércio
(5,1%) e agricultura
(0,4%).
Além de muito amplo, o setor de serviços é bastante heterogêneo, abarcando uma
grande diversidade de ocupações, que agregam atividades com níveis de exposição
e tipos de trabalho relativamente diferentes entre si. Para investigar as
atividades mais atingidas, o setor de serviços foi dividido em subgrupos.
O setor de transporte de
passageiros configura um dos subgrupos mais afetados, com 3,2%
das mortes totais. Destas, 78,7% são de motoristas de táxi ou de aplicativos e
20% de trabalhadores do transporte público. A hipótese é que uma parte da
população migrou do transporte público, como ônibus e metrô, durante a pandemia
para o transporte por aplicativos e táxis, o que aumentou a exposição destes
motoristas ao vírus. Além do número de óbitos ser bastante expressivo, quando
comparado ao total de trabalhadores do setor de transporte existentes na
capital paulista [1] (1,63%), fica evidente o quão afetada foi a
categoria, já que a proporção de óbitos é duas vezes maior do que a de pessoas
que desempenham essa atividade.
“Esse grupo tem um número de óbitos bastante representativo e pode ser ainda
maior”, diz Nisida. “Isso porque 12,8% da base de mortalidade não tem indicação
da ocupação da vítima de Covid-19. Se esta subnotificação estiver relacionada a
pessoas temporariamente desocupadas ou que têm se dedicado a algum trabalho
provisório (cuja identificação é menos clara ou menos imediata por quem se
encarrega desse tipo de informação), é possível que a quantidade de óbitos
entre motoristas por aplicativo, por exemplo, seja ainda maior”, explica o
pesquisador.
Outro subgrupo que também teve um número de mortes bastante expressivo foi o de
empregadas e empregados
domésticos: 2,3% das mortes por Covid-19 no município foram de
empregadas domésticas, diaristas e faxineiras, subgrupo composto
majoritariamente por mulheres (90,8%), sendo que, destas, mais da metade são
negras (53,6%). Mesmo evidências científicas indicando maior mortalidade em
homens, os dados demonstram como essas profissionais estão correndo maior risco
de se infectar, adoecer e morrer. Além disso, esse volume de óbitos equivale,
comparativamente, à metade das mortes anotadas em todo o setor do comércio
(5,1%). Esse paralelo é importante, porque o comércio é um setor significativo
nas atividades econômicas de São Paulo, e a categoria de empregadas e
empregados domésticos, sozinha, registrou praticamente metade das mortes entre
trabalhadores que atuam em atividades comerciais.
Investigando outros subgrupos do setor de serviços, é notável como saúde (1,7%), educação (1,5%) e alimentação (1,0%)
apresentam números menos expressivos em relação ao total de mortes no
município.
Contudo, é importante notar que outros tipos de serviços (geralmente
terceirizados), como a limpeza ou a segurança de clínicas, postos, unidades
básicas e hospitais, não são identificados na base de mortalidade como
atividades da saúde,
o que reduz o total de óbitos atribuídos ao setor. Vale ressaltar também que a
composição dessa classe é bastante diversa, o que se reflete na exposição ao
vírus e nos números de óbitos. Profissionais que compõem a equipe de
enfermagem, composta por técnicos, auxiliares e enfermeiros representam quase
metade da mortalidade no grupo: 48,1%.
No setor de educação,
a suspensão das aulas presenciais durante 2020 parece ter tido impacto na
contenção da mortalidade. Durante a maior parte do período compreendido pela
base de dados analisada, as atividades presenciais, especialmente nas escolas
municipais e estaduais, mantiveram-se suspensas, o que parece ter tido grande
peso na prevenção do contágio de trabalhadores desse setor.
E, por fim, o setor de alimentação,
ao longo de todo o período analisado, precisou seguir protocolos para garantir
o distanciamento social e manter o funcionamento dos estabelecimentos. Mesmo
que as medidas restritivas tenham variado ao longo do período - às vezes
permitindo apenas retiradas/entregas, às vezes tolerando 60% da capacidade
máxima dos estabelecimentos - o baixo percentual de óbitos é um indicativo de
como tais medidas têm sido importantes na contenção do contágio e na proteção
dos trabalhadores e trabalhadoras do setor.
Trabalhadores do setor industrial
representam 8,2% dos óbitos na capital paulista. Metade dos óbitos desse grupo
são de profissionais da construção
civil (4,1% em relação ao total), atividade que foi
classificada e mantida como essencial durante toda a pandemia pelo governo
estadual e municipal, apesar de não ser de estrita necessidade para a
manutenção da vida. Analisando os óbitos deste segmento, a ocupação mais
afetada é a de pedreiros, que contabiliza 33,0% dos óbitos dessa categoria
específica, apresentando vítimas predominantemente negras (64,4%) e de baixa
escolaridade, ao passo que engenheiros civis representam 10,6% da categoria.
Apesar de somar um valor expressivo no total de mortes por Covid-19, com 5,1%
das mortes, a população paulistana que trabalha em atividades do comércio corresponde a
8,7% do total. Dentro desse grupo, 74,5% são de vendedores. Os números
representam a mortalidade até a segunda quinzena de março de 2021 e, portanto,
podem crescer ainda mais, já que o Estado de São Paulo e a prefeitura da
capital têm cedido a pressões e relaxado medidas restritivas, autorizando a
abertura e ampliação dos horários de funcionamento do comércio.
Para as pesquisadoras e pesquisadores do Pólis, ao analisar as profissões mais afetadas,
é preciso debater o que é considerado realmente essencial no momento de impor
medidas restritivas em uma emergência sanitária como esta.
“Vemos que o coronavírus atingiu mais os profissionais que foram
impossibilitados de ficar em casa, seja porque se a pessoa não trabalha, ela
não garante o sustento do dia, ou porque essas profissões não possuem, em sua
maioria, possibilidade de trabalho remoto, ou qualquer benefício que consiga
mantê-la em casa. Outro ponto a se considerar é quão precárias são as condições
de trabalho e quanto a pessoa consegue realmente se proteger durante o
trabalho”, analisa Danielle Klintowitz, coordenadora geral do Instituto Pólis.
DESIGUALDADES
TERRITORIAIS PERMANECEM
Os dados confirmam os efeitos desiguais da pandemia. A mortalidade está
concentrada em atividades de menores rendimentos, cujos trabalhadores e
trabalhadoras não puderam realizar o trabalho remotamente e continuaram se
deslocando pela cidade para não comprometer sua renda. Além disso, vemos que os
óbitos identificados segundo atividade/ocupação evidenciaram que a mortalidade
tem origens distintas nas diferentes regiões da cidade.
O fenômeno por trás da mortalidade, este sim, é igual: a falta de seguridade
que faz com que o trabalhador precise sair de casa para não perder seus
rendimentos, paralelamente à ausência de condições que garantam seu
deslocamento com maior segurança (menor risco de infecção). Mas as razões que
explicam as concentrações de óbitos nas diferentes áreas de São Paulo
gravemente atingidas pela pandemia não são as mesmas.
[1] Estimativa realizada
a partir da Pesquisa Origem-Destino (Metrô SP, 2017).
Mapa de calor das concentrações de óbitos por
covid-19, ocorridos entre março de 2020 a março de 2021. Elaboração: Instituto
Pólis, 2021.
A concentração de óbitos na região norte, que envolve partes dos distritos
Brasilândia, Cachoeirinha, Mandaqui, Freguesia do Ó, Casa Verde, Limão e Santana,
é destacada pela grande quantidade de óbitos de aposentados, correspondendo a
41,9% das mortes nessa região - bem acima da média de 32,2% da cidade. Dentre
os óbitos de trabalhadores ativos, profissionais do setor de serviços que
desempenham atividades de atendimento ao público (como mecânicos de automóveis,
bancários ou cabeleireiros) e do setor de transporte de passageiros são os que
tem mais importância nas mortes dessa área.
Também na região norte, porém mais próxima da divisa com Guarulhos, a outra
concentração em destaque abarca, principalmente, a Vila Medeiros. Nessa área,
óbitos de trabalhadores da indústria, de serviços com atendimento ao público e
do comércio foram as categorias que mais tiveram peso na mortalidade da região.
Nas concentrações de mortalidade que envolvem partes dos distritos de Itaquera,
Vila Jacuí, Ponte Rasa, Artur Alvim e José Bonifácio (zona leste), ganham
destaque os trabalhadores da indústria, com 6,1% dos óbitos na região, um
percentual muito acima da média municipal. Juntamente, o setor de transporte de
passageiros e trabalhadores de serviços gerais (atividades que envolvem
serviços de zeladoria e/ou segurança patrimonial, como zeladores, agentes de
segurança, porteiros) também contribuem diretamente para a mortalidade dessa
porção do município.
Ainda na zona leste, a concentração que engloba grande parte de Sapopemba, São
Lucas, Aricanduva e Vila Formosa, apresenta um número de óbitos de aposentados
e donas de casa superior à média municipal. Dentre os trabalhadores ativos, a
classe que se destaca é a de trabalhadores da indústria, seguida do comércio e
serviços com atendimento ao público. Profissionais da educação se destacam pela
proporção de óbitos acima da média da cidade.
Na zona sul, as concentrações de óbitos no Jardim São Luís, Capão Redondo e
Jardim Ângela, apresentam mortes de aposentados acima da média municipal. Donas
de casa representaram um grande volume de óbitos na divisa entre o Capão e
Jardim Ângela. Empregados e empregadas domésticas, assim como trabalhadores da
construção civil são as categorias que mais contribuíram para os acúmulos de
óbitos nas regiões. Trabalhadores de rua (trabalhadores que fazem a limpeza e
conservação de áreas públicas, sucateiros, etc) tiveram um destaque no peso
relativo desta essa região com uma porcentagem de mortes maior que a média
municipal.
Também na zona sul, parte do distrito Cidade Ademar é caracterizada por uma
grande quantidade de óbitos da construção civil, seguida de empregadas
domésticas, trabalhadores do setor de transporte e também dos serviços gerais.
Nessa área também há destaque no percentual de óbitos de trabalhadores de rua,
que é bastante acima da média da cidade.
Já a concentração de óbitos na região central é caracterizada por mortes de
trabalhadores do comércio, profissionais liberais, profissionais da educação e
da saúde. Essa área se destaca por concentrar óbitos de profissionais que
possuem ensino superior completo e maiores rendimentos, portanto, melhores
condições e possibilidade de realização de trabalho remoto.
A análise territorial da distribuição dos óbitos, segundo a ocupação,
caracteriza espacialmente as profissões que mais contribuíram para a
mortalidade local. Além disso, ilustra a distribuição de renda, as condições
que permitem ou não o isolamento social e onde estão os trabalhadores dos
setores de atividade mais afetados. O local de residência e a atividade
desenvolvida são fatores que influenciam diretamente no risco de exposição ao
coronavírus.
O estudo completo pode ser acessado no site
do Pólis.
Instituto Pólis | Organização da sociedade civil (OSC)
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