Parte do ciclo da vida, o luto pode ser difícil, mas precisa
ser abordado com naturalidade
A partida precoce do ator Paulo Gustavo, vítima
de Covid-19, trouxe luz a um dilema enfrentado por muitas famílias: como falar
sobre morte com as crianças.
Por mais desconfortável que possa ser, é
essencial entender e transmitir aos pequenos a naturalidade desse momento, que
é parte do ciclo da vida. "A conversa deveria tomar lugar de forma
natural, gradual e ilustrativa e não apenas mediante o evento em si", diz
Dra. Francielle Tosatti, pediatra da SBP e especialista em emergências
pediátricas pelo Instituto Israelita Albert Einstein.
Dra. Francielle lembra que a maioria das
crianças já teve, de certa forma, algum contato com a morte no dia a dia, ao
ver um inseto morto, uma flor murcha ou o tema em filmes, como Rei Leão, Bambi,
Frozen e outros.
A pandemia deixou o tema mais próximo e palpável
por conta das informações na mídia ou mesmo por conta de familiares e
conhecidos que tenham partido por conta da doença. "Por isso, tão
importante quanto falar sobre morte é entender que a criança sente o luto, de
acordo com sua idade e maturidade e cada criança irá reagir de uma forma a
ausência, ao clima da casa e as emoções dos familiares", conta a pediatra.
O luto por idade
0 a 2 anos
Até os dois anos a criança percebe a morte como
uma ausência, sendo fundamental manter a proximidade com os familiares
sobreviventes e que outro cuidador assuma as responsabilidades, no caso de
perda de um cuidador próximo, como pais ou avós, sempre mantendo a constância
da rotina.
3 a 6 anos
A criança começa a assimilar a morte, mas ainda
de uma forma muito fantasiosa. "É importante ter muito cuidado com o uso
de metáforas como ‘dormiu para sempre’ ou ‘fez uma longa viagem’, pois podem
gerar fobias na hora de dormir ou viajar, além de não contribuir com a assimilação
da finitude do evento."
A visão egocêntrica comum nessa faixa etária pode
levar a criança a se sentir culpada, adotar comportamentos hostis ou ter
regressões de comportamento. Reafirmar constantemente que a criança não teve
culpa, acolher e ajudá-la a expressar seus sentimentos fazem parte do suporte
que ela precisa e que não só vai curar mas ajudar a entender o luto. De acordo
com a pediatra, expressões artísticas como desenhos, tabelas de sentimentos e
álbuns de lembranças são facilitadores desse processo.
9 anos
Por volta dessa idade a criança começa a entender
a morte como algo definitivo e irreversível e podem requisitar meios concretos
para entender a morte, como participação do funeral. Essa é uma possibilidade
que fica sujeita à decisão da família, dos seus valores e da sua religiosidade,
segundo Dra. Francielle: "é importante que seja uma opção para a criança e
não uma imposição. Caso a decisão seja levar a criança, e ela deseje ir,
explique como vai ser antes e esteja pronto para trazê-la de volta para casa se
ela não quiser ficar".
E como abordar a Covid-19?
Se algum membro da família ou amigo próximo
adoecer, é importante tentar incluir a criança no processo desde o começo, para
que ela assimile uma cronologia dos acontecimentos. Pais e cuidadores devem
estar preparados para responder suas perguntas (que podem ser repetitivas), de
forma clara e sem detalhes desnecessários.
"Abra espaço para que ela expresse seus
sentimentos (o lúdico é um excelente facilitador) e ajude-a a entender o que está
acontecendo", ensina Dra. Francielle, "mantenha a criança informada
da evolução, em casos de internações, havendo a possibilidade de uma televisita
pergunte a criança se ela deseja participar e antecipe para ela o que ela irá
ver: estado de saúde, emagrecimento, dispositivos que possam estar conectados
ao corpo etc. Assegure-a de que se ela não quiser ver está tudo bem e que você
dará notícias".
Se houver falecimento de um ente querido, a
criança deverá ser comunicada assim que possível por um cuidador com quem ela
tenha vínculo afetivo e em quem confie. "Essa dolorosa realidade será
suportável com o afeto, o amor e o respeito dos familiares."
Também é importante que o adulto não esconda ou
falseie suas próprias emoções. Está tudo bem dizer "estou chorando porque
tenho saudades", segundo a médica, pois assim, essa vivência ajudará a
criança a entender que entrar em contato com sentimentos dolorosos é possível e
que a medida que o amor dos nossos queridos nos conforta, as emoções se
transformam em lembranças saudosas.
"Uma das homenagens mais lindas, na minha
opinião, e que costuma ser bem assimilada por crianças é plantar uma rosa ou
outra flor para o ente querido, explicando que ele nunca será esquecido e
estará sempre no seu coração."
Dra. Francielle Tosatti - Graduada pela Universidade Federal do Rio Grande - RS. -
Residência Médica em Pediatria pela Universidade Federal do Rio Grande - RS. -
Título de Especialista em Pediatria pela Sociedade Brasileira de Pediatria.
- Especialista em Emergências Pediátricas pelo
Instituto Israelita Albert Einstein. - Médica Emergencista da equipe do
pronto-socorro e enfermaria do Hospital Infantil Sabará.
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