Na década de 60, Rafael Mechoulam foi responsável pela descoberta do chamado sistema endocanabinoíde no corpo humano. Trata-se de um conjunto de receptores e enzimas que trabalham como sinalizadores entre nossas células e os processos do corpo. Os endocanabinoídes e seus receptores se encontram espalhados por todo o organismo, em membranas celulares do cérebro, órgãos, tecidos conjuntivos, glândulas e células do sistema imunológico. O óleo de Cannabis dialoga com este sistema, o que coloca a maconha, ou cânhamo, ou Cannabis no centro das discussões médicas e de saúde em âmbito mundial.
A Cannabis
medicinal já é realidade na Europa e Estados Unidos. No Brasil o acesso ainda é
restrito a poucos pacientes A classe médica vem aos poucos tomando consciência
do potencial curativo e das aplicações da Cannabis para tratamentos de inúmeras
enfermidades e prescreve cada vez mais e melhor.
Atualmente, o
paciente que recebe uma prescrição médica poderá adquirir o medicamento em uma
drogaria brasileira, a um custo médio de R$ 2.500 ao mês, desde que a dose,
concentração e posologia prescritas coincidam com os medicamentos disponíveis
no mercado. Alternativamente, pacientes podem recorrer à chamada importação
direta por pessoa física, no campo do uso compassivo, regulamentada pela ANVISA
através da RDC 355/2020, que exige anuência prévia da Agência.
O paciente
pode ainda se socorrer de associações de pacientes, que possuem autorização
judicial para plantio e extração de derivados de Cannabis, como a Abrace
Esperança, de Joao Pessoa.
Não raro o
custo do tratamento é proibitivo, de forma que muitos acionam judicialmente o
Sistema Único de Saúde, obrigando que o Estado custeie o acesso à Cannabis
medicinal com prescrição médica, fundamentadas no art. 196 da Constituição
Federal. Dados da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo dão conta de que
quase R$ 9 milhões foram gastos em 2019 com o atendimento das demandas
judiciais, o que inspira preocupação dos governos com o equilíbrio das contas
públicas de saúde.
Em 2019, a
Anvisa aprovou um regulamento excepcional para obtenção de autorização
sanitária de produtos derivados de Cannabis, a RDC 327. O processo de
regularização foi simplificado, abrindo caminho para que indústrias e importadoras
de medicamentos acabados possam regularizar seus produtos.
No entanto a
norma reflete o preconceito que existe contra a planta, cuidadosamente plantado
no imaginário popular e social desde a década de 60, quando o governo Nixon
declarou ac chamada “guerra as drogas”, incluindo cannabis na lista de
entorpecentes proscritos. A ANVISA afirma que os derivados de cannabis
regulados pela novel RDC 327 não são medicamentos, mesmo que claramente estejam
inseridos no contexto regulatório dos remédios fitoterápicos. Estabelece ainda
regras excepcionais para prescrição, que permitem ao médico receitar apenas em
último caso, quando todos os outros tratamentos falharem, ainda que a matéria
seja da seara do Conselho de Medicina.
No mesmo
esteio, a ANVISA proíbe terminantemente que farmácias de manipulação venham a
operar com ativos derivados da cannabis, restrição que não encontra sentido,
sob o ponto de vista técnico ou regulatório. Isso porque as cerca de 7,7 mil
farmácias magistrais espalhadas pelo Brasil atuam com assistência de
farmacêuticos responsáveis em tempo integral, e detém avançada expertise,
necessária para lidar com medicamentos derivados de plantas, os chamados
fitoterápicos, entregando eficácia, padronização e controle de qualidade, o que
não necessariamente se observa nos produtos fornecidos pelas associações de
plantio e extração.
Ademais, já se
sabe que a individualização do tratamento é crucial para o sucesso terapêutico
e adesão do paciente ao tratamento. Muitos não se adaptam apenas com CBD (Canabidiol)
isolado, e precisam ser tratados com doses de THC (Tetrahidrocanabidiol), ativo
que responde pela sensação psicoativa da planta. Juntos, os ativos
presentes na maconha produzem o chamado efeito
comitiva, ou seja, atuam como uma equipe, para entregar o resultado
de melhora no quadro clinico dos pacientes. Mesmo assim a indústria
farmaceutica geralmente opta por operar com moléculas isoladas, apenas pela
chance de obter proteção patentária, o que conferiria exclusividade para
exploração comercial da droga, o que não pode ocorrer quando se tratam de
plantas, que se encontram na natureza.
Já se sabe que
a individualização do tratamento é crucial para o sucesso terapêutico e adesão
do paciente ao tratamento. Muitos não se adaptam apenas com CBD (Canabidiol)
isolado, e precisam ser tratados com doses de THC (Tetrahidrocanabidiol), ativo
que responde pela resposta psicoativa da maconha. Juntos, os ativos
presentes na planta produzem o chamado efeito comitiva, ou seja, atuam como uma
equipe, para entregar o resultado de melhora no quadro clinico dos pacientes.
Uma iniciativa
pioneira no Brasil é a FARMACANN, associação de farmácias de manipulação pelo
acesso à cannabis medicinal, fundada por um grupo de farmacêuticos magistrais
de vários estados. A FARMACANN pretende ampliar a oferta de tratamentos
eficazes, seguros, adequados, e financeiramente viáveis, assim como já fazem
diversas entidades civis sem fins lucrativos, a exemplo das chamadas
associações de pacientes que se dedicam ao plantio e extração.
O canabidiol
(CBD) e o tetrahidrocanabidiol (THC) hoje constam da lista de insumos
autorizados pela Anvisa, a Portaria SNVS MS (Secretaria Nacional de Vigilância
Sanitária do Ministério da Saúde) nº 344/98, que é usada para orientar a
política nacional antidrogas no pais e define por critérios técnicos quais
drogas são especialmente controladas ou proibidas no país.
Em Brasília,
tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 399/15, um aglutinado de
diversas proposições sobre o tema, sob relatoria de Paulo Teixeira (PT SP). O
projeto deveria ter seguido para votação em 2020, mas a pandemia inverteu as
prioridades e pautas, e por ora não há perspectiva concreta de aprovação. Caso
a proposição se converta em Lei, a expectativa é de que a Cannabis possa ser
plantada, extraída, estudada, e seus sub produtos utilizados para inúmeras
aplicações. Para além da medicamentosa, o cânhamo ou hemp possui potencial de
utilização na indústria têxtil, por exemplo, para fabricação desde calcados até
paraquedas.
Estudos dão
conta de que a faixa meridional do território brasileiro é bastante adequada
para o plantio de Cannabis e que o pais teria potencial de ser o principal
produtor mundial, fazendo frente a Colômbia e ao Canadá, por exemplo. A planta
tem sido vista em outros países como alternativa para driblar a crise econômica
provocada pela pandemia da Covid-19.
Pacientes não
têm tempo, a população não pode mais esperar. É preciso desconstruir o
preconceito e dialogar ostensiva e urgentemente sobre a aprovação da Cannabis
medicinal no Brasil, em todas as suas formas, manipulada ou industrializada,
para cosméticos e para suplementos nutricionais, ampliando o acesso da
população brasileira a tratamentos de saúde seguros e eficazes
Sandra
Franco é- consultora jurídica especializada em Direito Médico e da Saúde,
doutoranda em Saúde Pública, MBA/FGV em Gestão de Serviços em Saúde, fundadora
e ex-presidente da Comissão de Direito Médico e da Saúde da OAB de São José dos
Campos (SP) entre 2013 e 2018, especialista em Telemedicina e Proteção de Dados
e diretora jurídica da ABCIS
Claudia de Lucca Mano - advogada e consultora empresarial atuando desde 1994 na
área de Vigilância Sanitária e Assuntos Regulatórios, sócia fundadora da De
Lucca Mano, sócia Fundadora do Congresso Pharmashare e fundadora da Farmacann
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