O recente Projeto de Lei 504/2020, da Assembleia Legislativa de São Paulo, de autoria da Deputada Marta Costa do PSD, tem causado ruídos na comunidade LGBT e na sociedade civil que tem a liberdade como princípio básico da comunicação.
Historicamente
o Brasil foi genitor de diversos preconceitos institucionais às populações já
vulneráveis socialmente. O racismo, a xenofobia, a misoginia e a LGBTfobia do
país que atualmente mais mata, agride e consome pessoas trans mundialmente, é
um sintoma de nossa construção de sociedade, que ainda tem muito a progredir.
Atualmente,
com o avanço da agenda identitária, observamos as mais diversas formas de
publicidade na mídia nacional. Vemos famílias formadas por muitos brasis
de cores, raças, credos e tamanhos, que nos formam, sendo a representatividade
um pilar importante na publicidade de quem somos culturalmente e abandonando
padrões heteronormativos e anglo-saxões, anteriormente existentes nos típicos
comerciais de margarina.
Porém,
a recente ruptura causada pela neopolítica de destruição institucional,
acolhida por segmentos abertamente fascistas, tem formado um tenebroso
casamento com a lei em sentido formal, como forma de institucionalizar
preconceitos que deveriam ser combatidos pelo Estado.
O
Projeto de Lei 504/2020 visa a proibição de publicidade em qualquer veículo de
comunicação que faça referência à diversidade sexual humana relacionada a
crianças. A justificativa do projeto, segundo consta em documento emitido pelo
site da própria ALESP, seria o desconforto emocional a famílias heterossexuais.
Portanto, não é custoso perceber o desequilíbrio presente no conteúdo do
projeto que, sob essa justificativa, pressupõe como solução a censura de
famílias LGBT’s.
Ressalvo,
contudo, que a lei, por mais imperativa que seja, encontra entraves
institucionais sólidos em uma Constituição que não é tolerante à censura.
Como
dizia Robert Escarpit “democracia é quando batem na sua porta às cinco da manhã
e você supõe que é o leiteiro”. Pois bem, ao se promulgar a Constituição
Federal, em 5 de outubro de 1988, foram abandonados todo o legado de repressão,
censura e tortura deixados pelo regime ditatorial. Tal fato, por mais que nunca
aceito por certas correntes ideológicas dominantes em uma pequena parcela da
sociedade, não pode ser deixado à míngua de uma mera formalidade institucional.
Desta
forma, a inconstitucionalidade do conteúdo do projeto de lei é latente, pois a
lei não deve servir de manto para preconceitos sociais. A liberdade de
expressão, opinião, pensamentos e crenças é diretamente abalado com o Projeto
Legislativo 504, ferindo ainda diretamente a honra e dignidade de cada pessoa e
família LGBT ao propor uma perigosa aventura repressiva que deve ser combatida
em conjunto pela sociedade civil e pelos parlamentares da Assembleia
Legislativa de São Paulo.
Cabe
ainda mencionar que a publicidade infantil não deve temer a diversidade sexual
humana, pois a publicidade é apenas um recorte de quem somos como sociedade.
Além disso, o acolhimento, a comunhão e o convívio que essas crianças terão com
pessoas LGBTs durante a vida não deve ser alvo de receio social, uma vez que
LGBTs merecem dignidade e respeito como as pessoas heterossexuais.
A
lei não deve servir àqueles que visam destruir a estrutura e os valores de
liberdade, igualdade e progresso previstos em nossa Constituição cidadã de
1988. A esses bárbaros restará apenas o triste legado que o preconceito marca
em suas raízes mais profundas, sua história e identidade.
A
segregação de povos historicamente marginalizados e oprimidos socialmente que
tal Projeto de Lei representa é apenas um sintoma da enfermidade que nossa
democracia passa, mas, por mais que essas turbulências hoje venham a nos
acometer, os verdadeiros presos são os que traem a justiça.
Gabriel de Camargo da Silva - Bacharel em Direito pela Universidade de Taubaté (UNITAU) e pós-graduando em Direito Administrativo pela PUC Minas. Atualmente, atua no escritório de advocacia Aparecido Inácio e Pereira Advogados Associados, localizado em São Paulo, capital.
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