A
tragédia de Brumadinho, além de toda a consternação nacional e da solidariedade
de todos, merece uma reflexão importante sobre esse tipo de problema no Brasil:
nesse caso da barragem da Vale, como acontece com numerosos outros
empreendimentos e obras em nosso país, a legislação de entrada, alvarás,
autorizações e licenças ambientais parecem em conformidade. No entanto, a
fiscalização e o acompanhamento são capengas. Essa contradição é marcante na
cultura brasileira.
Há
no País mais de 30 órgãos com capacidade de fiscalização ambiental, muitos
deles até mesmo com sobreposição de competências. Talvez seja este um dos
problemas, pois algo que muitos cuidam acaba sendo relegado, com a diluição das
responsabilidades. Uma questão que lembra a velha máxima de que "cachorro
com muitos donos morre de fome". Ministério Público, Agência Nacional de
Água, Agência Nacional de Mineração, Ibama, Tribunais de Contas.... Todos
poderiam e deveriam fiscalizar, mas não fizeram. Tantos organismos onerosos
para o Estado e nenhum cumpriu sua missão em Brumadinho.
O
Brasil tem uma legislação forte para todo o processo de liberação de obras e
empreendimentos, mas peca muito no acompanhamento, fiscalização e prevenção.
Tivemos, há pouco tempo, o rompimento da barragem de Mariana, do mesmo grupo
empresarial da Vale, que também foi um evento gravíssimo. À época, houve toda uma
reverberação, alertas e discursos de autoridades e analistas. Porém, passado o
impacto, o tema foi esquecido e se manteve a ausência de fiscalização e
acompanhamento.
O
Brasil tem, ainda, a Política Nacional de Segurança em Barragens, instituída
pela Lei 12.334, de 20 de setembro de 2010, que estabelece procedimentos para a
segurança de barragens destinadas à acumulação de água, à disposição final ou
temporária de rejeitos e à acumulação de resíduos industriais. No entanto, a
norma não foi implementada em termos práticos.
O
acidente de Mariana, em 2015, deveria ter despertado toda a atenção para o
tema. Porém, apesar de sua gravidade, a questão continuou relegada a segundo
plano. O Ministério Público, por exemplo, poderia ter se aprofundado no
conteúdo dessa lei específica e, com base nela, averiguar tudo o que estava
acontecendo nas centenas de barragens existentes no Brasil. Mas, não fez isso.
E agora, de maneira triste e dramática, estamos descobrindo que a Barragem de
Brumadinho, não era segura e estável, como se classificava até ocorrer a
tragédia.
Temos,
portanto, um sério problema cultural de fiscalização. O Brasil gasta muito com
legislação de entrada e punição. Demoniza as situações quando ocorrem, indeniza
e aplica sanções legais, mas não investe e se empenha em fiscalizar e prevenir.
Normalmente, os órgãos de controle glosam os recursos destinados à
fiscalização, entendendo a prevenção como gasto e não investimento.
Observa-se
esse problema até em questões mais simples, como a prevenção de passivo trabalhista
nas prestadoras de serviço para órgãos públicos. Cortam-se essas despesas, sob
alegação de que seria desnecessário um provimento para algo que não está
ocorrendo. Porém, quando ocorre (e acontece!), é preciso punir e indenizar.
Se
a Vale tivesse investido em prevenção os cerca de R$ 11 bilhões bloqueados
judicialmente por conta do acidente de Brumadinho, o Brasil não estaria
vivenciando essa situação tão amarga e a própria companhia não estaria
enfrentando todas as consequências, como a perda recorde do valor de uma
empresa na Bolsa de Valores, danos gravíssimos para sua imagem e processos
criminais e indenizatórios que se seguirão.
O
mesmo se aplica aos órgãos e autoridades competentes, que também poderiam ter
evitado a tragédia se cumprissem de modo adequado seu dever legal de
fiscalizar. Quando aprenderemos?
Fernanda
dos Reis - sócia-titular da Caodaglio & Reis Advogados Associados.
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