Saio da estação de trem e dou uns vinte passos.
Antes que consiga atravessar a rua, dou de cara com o “G” multicolorido da
Google em um cartaz impresso em A4. Sob o logo, em letras pretas definitivas,
uma mensagem: “Não alimente o ditador.”
Isso vai soar estúpido, mas a primeira imagem que
me veio à mente foi a de animais em zoológicos. Aprisionados em suas jaulas,
com aqueles olhares alienados, estariam protegidos por suas plaquinhas de “não
alimente os animais”. Ocorreu-me que a história é um habitat controlado para os
passados humanos, em que nossos piores episódios estão acomodados em jaulas
para que todos vejam. “Não alimente o ditador”, dizia o sinal e, imediatamente,
o ditador apareceu em uma pequena jaula, furioso como uma pantera, desejoso de
uma liberdade que certamente representaria a minha morte, se viesse, imediata,
com as portas escancaradas subitamente.
A essas alturas, quase esquecera o “G”. Isso me fez
querer saber por que o Google seria o novo ditador. Ingênuo, eu. Sentado em meu
quarto, não muito tempo depois, comecei a descobrir um universo de coisas
estranhas e ameaçadoras que impregnavam meu dia a dia, e que caçavam os
pequenos detalhes de mim como iguarias postas numa mesa. Senti pela primeira
vez que aquela velha pantera ditatorial, vestida em belos trajes militares,
vermelhos, verdes, brancos, havia saído e saboreava partes de mim sem que eu reparasse.
Hoje, duas empresas dominam o mercado de pesquisas de informação online, ambas
conhecidas e universalmente presentes em nossos mundos. Uma delas, o Google,
prioriza, classifica, filtra e direciona informações por meio de uma tela que
celebra a data em questão – hoje retrata o sétimo dia da copa. A outra, o
Facebook, parece mais amistosa, reunindo suas fotos, seus gostos e suas visitas
como um hotel virtual de luxo – aliás, já fez seu check-in? O primeiro é um
motor de busca que se materializa – oferece notícias de interesse particular em
“clip-ons” do Gmail, vende celulares e produz drones. O segundo é um
instrumento de ampliação de alcance – e clara redução de informações: seu ato
mais recente é a criação de um novo algoritmo de restrição de notícias
políticas, algo pesadamente criticado pelo New York Times, que declara o
Facebook inimigo jurado do bom jornalismo e incentivador de notícias de
segunda, das menos confiáveis.
Eu acreditava que o ditador era como uma pantera
que, se visse a porta da jaula aberta, saltaria sobre mim e certamente me
mataria. Eu descobri coisa pior: o ditador saiu, esteve me ameaçando e eu,
crendo-me muito esperto, enfiei-me na jaula, tranquei a porta e ri do déspota.
Mal percebia eu que o ditador estava solto para caçar quem bem entendesse, ao
passo que eu, “a salvo”, iria morrer preso e, para piorar, sem receber sequer
uma migalha...
Rafael Zanlorenzi -
doutor em Direito e professor do curso de Direito da Universidade Positivo
(UP).
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