As
incertezas, o descaso e a judicialização no cotidiano da saúde no Brasil já
viraram rotina. Mais um capítulo que demonstra a grave crise no setor traz a
infeliz declaração do atual presidente da Agência Nacional de Saúde (ANS),
Rodrigo Aguiar, ao declarar na mídia que “A ANS foi criada para proteger o
sistema de saúde suplementar. Obviamente, na nossa regulação, a gente considera
a vulnerabilidade do consumidor, mas a gente não é um órgão de defesa do consumidor”.
Por si só, essa afirmação demonstra a falta de equilíbrio na balança de quem
faz a gestão da saúde no país. Até porque proteger o setor de saúde suplementar
e os planos de saúde não pode significar uma verdadeira cruzada contra os
pacientes.
Nos
últimos dias foram uma série de notícias que deixaram os clientes de planos de
saúde estarrecidos. A ANS publicou a regra em que os novos contratos de
convênios médicos adotarão franquia e coparticipação – quando o cliente arca
com uma parte dos custos do procedimento toda vez que usa o plano de saúde, com
limites de 40% para exames e consultas. Este limite poderia chegar a 60% nos
planos empresariais que fechassem acordo com os trabalhadores.
Entretanto,
menos de 20 dias depois de publicada, tal norma foi suspensa pela presidente do
Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, após um pedido da Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB). Trata-se de uma decisão em caráter liminar, cabe
recurso da ANS e o caso ainda será será examinado pelo ministro relator do
caso, Celso de Mello, e, provavelmente discutido no Plenário da Corte Suprema,
a partir de agosto, quando terminar o recesso do Judiciário.
No
último dia 30 de julho, após intensa pressão popular, a ANS decidiu revogar a
resolução que estabelecia coparticipação e de franquias dos consumidores nas
despesas médicas e hospitalares. A Agência disse que irá reabrir a discussão
com a sociedade.
Sem
dúvidas, a decisão do STF teve um peso enorme nesta decisão repentina da ANS. O
que mais chamou atenção na decisão da ministra Cármem Lúcia é que ela foi
veemente em frisar que: “Saúde não é mercadoria. Vida não é negócio. Dignidade
não é lucro. Direitos conquistados não podem ser retrocedidos sequer
instabilizados, como pretendeu demonstrar a entidade autora (OAB) da presente
arguição de descumprimento de preceito fundamental”.
Esses
últimos capítulos deixam claro que a saúde suplementar no Brasil precisa ser
revista. Como bem disse também a ministra presidente do STF, essa
regulamentação deveria ser discutida no Legislativo, com uma participação
popular, como recomenda a Constituição. E não ser editada tecnicamente pela
agência que, como disse seu presidente, não representa o consumidor. Precisamos
mudar o rumo.
O
plano de saúde está se tornando artigo de luxo para as famílias
brasileiras. Os recentes e sucessivos reajustes anunciados pela ANS, que
são palco de batalhas nos tribunais federais, estão fazendo com que milhares de
pessoas deixem de pagar e, sucessivamente, se desfiliar do plano de saúde, por
falta de possibilidade financeira de arcar com os custos elevados das
mensalidades.
Entretanto,
utilizar o bolso do paciente para mudar esse cenário é o melhor caminho?
Obviamente que não, pois muitos estão abrindo mão da proteção da saúde pelos
altos gastos mensais. Deve-se relembrar que os usuários já sofrem com a
ausência de planos de saúde individuais, estando obrigados à contratação de
planos coletivos, estratégia que as operadoras criaram para não ter de conceder
aumentos segundo os percentuais determinados pela ANS.
É
preciso criar regras flexíveis que auxiliem os trabalhadores e pacientes
brasileiros a utilizarem os planos de saúde de forma mais fácil e acessível. A
saúde é uma das prioridades dos brasileiros, mas muitos estão abrindo mão desta
proteção por não terem condição de incluir no seu orçamento familiar. A
discussão deve ser feita de forma mais transparente com a sociedade e com os
profissionais do setor para se encontrar um melhor caminho, urgentemente.
Sandra Franco - consultora jurídica especializada em
Direito Médico e da Saúde, presidente da Comissão de Direito da Saúde e
Responsabilidade Médico-Hospitalar da OAB de São José dos Campos (SP),
presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde, membro do
Comitê de Ética da UNESP para pesquisa em seres humanos e Doutoranda em Saúde
Pública – drasandra@sfranconsultoria.com.br
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