O
direito ao descanso, ou dito de outra forma a compatibilização de tempo de
trabalho com ócio, nem sempre foi bem compreendido na história das relações de
trabalho ou em qualquer ramo de atividade. Ficar sem trabalhar desumaniza o
homem, que tem no trabalho e no tempo que a ele dedica uma forma de ganhar a
vida ao encontro de possível felicidade. O tempo do homem teve direcionamento
produtivo e a ociosidade tem sido estigmatizada como tempo perdido e o trabalho
se confunde com necessidade moral.
No
mundo capitalista do trabalho, o tempo foi apropriado como forma de valorizar a
renúncia do tempo livre e subtraído daquele que teria o livre arbítrio de sua
utilização para impor critérios medidores de utilização do tempo. Na parte que
se refere ao lazer, foi elevado à garantia social pelo Estado a todos os
cidadãos. Neste sentido, entre nós, o art. 6º da Constituição Federal, ao
tratar do direito ao lazer como direito social fundamental, daqueles tidos na
sua verticalidade e, na expectativa que venha a se expandir na horizontalidade,
como efetiva garantia social, inquestionável. Seu exercício independe de lei ou
condições para seu reconhecimento.
Nas
relações trabalhistas, o tempo é o que mede a força de trabalho disponibilizada
para o exercício de uma atividade profissional. Tudo se mede em tempo e se
valoriza pelo tempo: é o valor do tempo de trabalho que fixa o custo de
produtos e serviços cuja mais valia permitirá a compra de mais tempo,
proporcionando diretamente que maior número de pessoas possa utilizar sua força
de trabalho. O desemprego, neste sentido, é perda de tempo da sociedade porque
o Estado é incapaz de proporcionar tempo de valor aos trabalhadores. O seguro
desemprego é benefício previdenciário ao revés, ou seja, inverte-se o padrão da
incapacidade do trabalhador para o benefício, a sociedade é que está doente e
por esta razão paga ao trabalhador desempregado involuntariamente o benefício
de subsistência na expectativa de que a economia se equilibre e o tempo volte
ao seu valor na força de trabalho.
Ainda
no campo das relações de trabalho, a aposentadoria é o tempo de descanso
adquirido e que pressupõe continuidade da vida e respectiva qualidade. Claro,
nem sempre se passa desta forma porque o sistema de custeio fundado no custo de
vida provável se vê atualmente em xeque,T porque o que arrecada não sustenta a
longevidade dos aposentados, quebrando o princípio de solidariedade entre as
gerações.
No
campo trabalhista, o direito ao descanso semanal de 24 horas,
exemplificativamente, foi assegurado pela CF de 1937, no art. 137, “d” e a CLT
dispôs no mesmo sentido, acrescentando inclusive intervalo de 11 horas entre
jornadas de trabalho. Tais direitos podem ser ditos fundamentais porque
incondicionados e reconhecidos como tal.
Posteriormente,
com o fim da II Guerra Mundial e a queda do fascismo e nazismo, empurrados
pelas novas conquistas impostas pelos trabalhadores, o direito ao descanso
semanal foi mantido com uma característica especial: deveria ser remunerado,
princípio este absorvido pela Constituição Federal de 1946. Portanto, o
que era um direito a descanso passou à condição de valorização do tempo de
descanso, abandonando a prática anterior de que somente se remunerava
efetivamente o tempo de trabalho.
Somente
três anos após a promulgação da Constituição Federal de 1946, a Lei nº 605/1949
regulamentou a forma pela qual o tempo de descanso seria remunerado e, trouxe
um aspecto razoável: a remuneração do descanso passou a compor o salário mensal
de dias trabalhados e não trabalhados. Portanto, o descanso garantido de
24 horas teria uma compensação pelo tempo médio dispensado pelo trabalhador nos
dias trabalhados.
Entretanto,
a remuneração desse descanso ficou condicionada ao cumprimento da jornada da
semana anterior, criando um paradoxo comparativamente ao direito fundamental ao
lazer, este preservado e garantido a qualquer custo. O paradoxo é de que
o direito ao descanso semanal remunerado passou a ser um direito de conquista
porque se o trabalhador descumprir a duração do trabalho na semana, o direito
ao remunerado do descanso semanal estará comprometido. Aqui, mesmo descumprida
a duração do trabalho, o descanso semanal está assegurado sem o valor da
remuneração respectiva.
O
mesmo raciocínio é adequado para as férias anuais. Neste caso, o direito
fundamental ao lazer está condicionado ao trabalho de 12 meses, para mesmo
empregador e, ainda, segundo escala de dias de folga de acordo com o número de
faltas injustificadas ao serviço. De novo, para ter férias o trabalhador deve
conquistar, pois não se trata de direito incondicional. Neste caso é um direito
sujeito à perda por ato do empregado.
Por
estes aspectos, não se pode ignorar a revolução dos meios de comunicação e a
nova modalidade de utilização do tempo. Assim é que a evolução na forma de
entrega de resultado de trabalho o desconsidera como fator preponderante porque
o foco não é mais a venda de tempo, mas o serviço a ser executado e que
pressupõe implicitamente sua adequação com o resultado, atribuindo ao prestador
maior autonomia na utilização de seu tempo, personalíssimo e indisponível, até
mesmo em relação ao Estado.
Paulo
Sérgio João - advogado e professor de
Direito Trabalhista da FGV-SP e PUC-SP.
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