O escritor Mário de Andrade disse: “Acho a mulher o
mais incomparável vir-a-ser que tem neste mundo”. De fato, por meio da arte,
diversas mulheres brasileiras atingiram o que há de melhor em termos
artísticos. Dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher é uma excelente
oportunidade para refletir sobre a importância de alguma delas para a cultura
nacional, principalmente no que diz respeito à valorização de um poder que não
está em coroas de rainha ou em honoríficos cargos públicos, mas em atitudes.
Nessa ótica, uma
das mulheres mais importantes na cultura nacional é a escritora Clarice
Lispector (1920-77). Em novelas como Água Viva e clássicos como A hora da
estrela, levado ao cinema pela excelente cineasta Suzana Amaral, sua prosa
alcançou um nível inigualável de mergulho na densidade da alma feminina.
Se Clarice espelha
a faceta mais filosófica dessa alma, o cotidiano do trabalho pode ser
encontrado nas mágicas palavras de Cora Coralina (1889-1985). A poeta
goiana publicou a primeira obra aos 75 anos, estudou apenas até o terceiro ano
primário e se tornou a primeira mulher a ganhar o conceituado Prêmio Juca Pato,
da União Brasileira de Escritores, em 1983.
Ainda na
literatura, é impossível esquecer Rachel de Queiroz. Nascida em 1919, estreou
aos 16 anos e, aos 19, publicou O Quinze, livro que a tornou a primeira dama da
literatura brasileira. Obras como essa e Memorial de Maria Moura a consagraram
como a primeira mulher a ser eleita para a Academia Brasileira de Letras, em
1977.
A mesma
irreverência de Raquel pode ser encontrada na vida e nas partituras de
Chiquinha Gonzaga (1847-1935). Após dois casamentos infelizes, passou a dar
aulas de piano para sobreviver e, em 1885, estreou como a primeira maestrina do
Brasil, com a opereta A corte na roça. Compositora e pianista, conseguiu o que
parecia impossível: sobreviver de música no Brasil no século XIX.
E se falar de arte
significa coragem, duas grandes pintoras, Anita Malfatti (1889-1964) e Tarsila
do Amaral (1886-1973) seguiram trajetórias opostas. A primeira estudou em
Paris, Berlim e Nova York, voltando ao Brasil com um estilo marcado pela
influência das cores quentes e do expressionismo europeu. Influenciou assim a
Semana de Arte Moderna de 1922, mas, arrasada por uma célebre crítica de
Monteiro Lobato,
perdeu sua espontaneidade inicial e foi se recolhendo até uma morte quase
despercebida.
Tarsila do Amaral
seguiu o caminho contrário. Conheceu a arte moderna no Brasil, viajou
para o exterior e, ao lado do marido Oswald de Andrade, lançou a Antropofagia,
vertente modernista que pregava deglutir os valores da arte nacional em nome
das manifestações nacionais, como a cultura indígena e as cores verde e
amarelo, presentes em um de seus quadros mais famosos, o Abaporu.
Ao falar de
quadros, uma referência obrigatória é o Museu de Arte de São Paulo, o MASP,
cuja arquiteta foi uma mulher, Lina Bo Bardi (1914-1992). Italiana de
nascimento, veio para o Brasil, em 1946, com o marido Pietro Maria Bardi e foi
a responsável pelo célebre vão livre de 78 metros, que encanta, fascina e
desafia o olhar de todos os moradores e visitantes da cidade, com uma notável
mistura de beleza e sobriedade.
A arte brasileira
tem ainda mulheres de grande esplendor em diversas outras manifestações. As
bailarinas Márcia Haydée (1937) e Ana Botafogo (1957) representam duas gerações
de leveza com as sapatilhas, enquanto a cantora lírica Bidu Sayão (1906-1999)
sempre foi mais respeitada no exterior do que por aqui.
Isso sem falar no
teatro. Se os mais novos ainda têm o privilégio de poder ver Fernanda
Montenegro (1930) em cena, tem que se contentar com os poucos registros visuais
das atuações do mito Cacilda Becker (1921-1969). Em compensação, a mais
brasileira das portuguesas, Carmen Miranda (1909-1955), teve seu humor,
sensualidade e trejeitos registrados para sempre durante 15 anos de uma sólida
carreira em Hollywood.
A lista poderia
não terminar nunca, mas nos deixa com uma grande certeza. O potencial feminino
de que nos falava Mário de Andrade se realizou plenamente. Na frondosa árvore
de talentos chamada Brasil, as mulheres têm seu lugar assegurado, oferecendo
frutos da melhor qualidade. Nas artes de escrever, pintar, compor ou
representar, o “vir-a-ser” do escritor paulistano se realiza num ser que
caminha para a imortalidade.
As mulheres, nesse
contexto, mostram os sentidos de Eva, mulher primeira na concepção
judaico-cristã, que, em seu âmago, guarda as principais características das
mulheres citadas neste texto, principalmente o desejo de se superar
constantemente, tornando-se, a partir da bíblica costela de Adão, o esteio e suporte
de uma civilização.
Oscar D'Ambrosio - jornalista, mestre em Artes
Visuais e doutor em Educação, Arte e História da Cultura. É assessor-chefe da
Assessoria de Comunicação e Imprensa da Unesp.
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