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quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Somos todos vítimas do sistema carcerário



 Apesar de minha formação em Direito, pouca experiência tenho na área de direito penal, menos ainda no dia a dia da população reclusa de liberdade.
Aí entendi que seria a pessoa indicada para escrever algo sobre a nossa crise carcerária e de segurança pública, pois a minha formação permitiria pesquisar sobre temas desta natureza e trazer a nossa população algumas informações que muitas vezes entendo estarem deturpadas pelos nossos meios de comunicação, dando uma visão errônea da verdade da história.

Fui buscar em uma história recente o que nossos ministros do STF discorriam em seus votos naqueles julgamentos que se levavam à baila o regime carcerário no Brasil.

Para a minha surpresa, deparei-me com um veio rico de informações, como se descoberto uma mina de ouro. Porém, de desconhecimento da sociedade e de jornalistas, que tanto clamam pelos direitos humanos ou até mesmo se surpreendem com rebeliões, mortes, e porque não dizer, chacinas.

Decidi ir a um passado recente, ano de 2015, onde encontrei acórdãos de julgamentos de recursos extraordinário (RE 592.581 RIO GRANDE DO SUL) que tratava da situação carcerária no Estado do Rio Grande do Sul.

Em resumo, os votos dos ministros do STF discorreram sobre a precariedade do sistema prisional do Brasil, reconhecendo tratar de uma bomba relógio prestes a explodir.

As superpopulações nos presídios colocavam em risco aqueles presos de menor periculosidade misturados com aqueles de maior periculosidade, o comando nos presídios por facções criminosas, entre outras dificuldades do regime prisional.
Avançando em outros acórdãos, encontramos vários outros, mas como já citamos o estado do Rio Grande do Sul, manteremos as decisões sobre demandas deste estado (RE 641.320 RIO GRANDE DO SUL )

Destaco aqui parte do voto do Relator Ministro Gilmar Mendes “Quando na Vice-Presidência do Tribunal - sempre rememoro esse fato -, recebi a visita da Comissária dos Direitos Humanos da ONU, que veio ao Brasil naquele momento, 2007/2008, para fazer as inspeções de praxe, certamente sempre com foco no sistema prisional, dentre outros. E, à época, preocupava-se Sua Excelência com aquele episódio lamentável, conhecido de todos, de Abaetetuba, em que uma moça ficou presa num presídio de homens por vários dias. Ela, com muita delicadeza, com ia acontecer nesses momentos, depois de conversamos sobre vários assuntos, disse-me que estava muito preocupada com o sistema prisional brasileiro e, claro, introduziu o tema de Abaetetuba. E, ao fazê-lo, disse: Isso clama por providências.

Eu narrei as medias que tinham sido tomadas, falei que o Judiciário tinha responsabilidade parcial nisso, uma vez que era um gestor do sistema carcerário, mas era um gestor parcial. A construção de presídios dependia da administração e tudo mais. E ela, com uma fidalguia anglo-saxã, porém com certa firmeza, disse que compreendia aquelas minhas explicações, mas se eu não achava que era demasiado levar trinta dias para descobrir esse fato. E eu só tive que dizer yes, sim, porque não tinha resposta de fato. Por quê? Porque um sistema não chega a esse estado de coisa, quer dizer, é preciso haver método, não basta só incompetência. ’ (sic)

Sem citar mais partes do voto, chega-se à conclusão que há muito nossos ministros do STF bem como nossos governantes sabiam dos problemas de superpopulação dos presídios e ainda mais grave, a mistura de presos condenados desde os crimes mais leves até os hediondos, convivendo no mesmo ambiente.

Nosso sistema prisional não está preparado para a quantidade de população que acolhe.

Ainda, buscando me aprofundar um pouco mais na minha pesquisa, fui a um centro de detenção provisória situada em São Paulo e arredores, não vou citar qual delas, para não causar constrangimento a equipe que lá trabalha, mas como exemplo, trata-se de um centro de detenção provisório, que de provisório nada tem. No regime fechado, acolhem o dobro da capacidade de vagas, chegando em momentos a acolheram mais do que o dobro de sua capacidade.

Já no semiaberto atendem mais do que o dobro de sua capacidade, e a mistura de qualidade de criminoso é enorme, ou seja, é comum estarem no mesmo local detido, dividindo cela no caso do regime fechado ou dividindo acomodações no regime semiaberto, homicidas, estupradores, assaltantes de roubos a mão armada, entre outros crimes hediondos com aqueles que cometeram pequenos furtos, detidos por dirigir embriagado, crimes contra o sistema financeiro, crimes tributários entre outros.

Nesta pesquisa ainda nos deparamos com a péssima qualidade dos alimentos servidos aos detentos, adquirida com o nosso dinheiro (contribuinte), falta de assistência médica, ou seja, quando deveria haver médicos de plantão, se conseguir um enfermeiro é lucro.

Caso um detento sofra um ataque cardíaco, um avc, um ferimento por armas, etc..., não conseguirá ser atendido de forma rápida e eficaz. Daí tem aquele que vai dizer: “bem feito é bandido”, mas esquecem que amanhã pode ser ele mesmo a estar nesta situação. Imaginem você dirigindo após ter tomado umas e outras e acaba sendo preso e destinado a uma casa de detenção provisória até sua audiência. Chegando lá, você tem um mal súbito a noite ou mesmo durante o dia e não há recursos para lhe socorrer e você vai a óbito ou fica com sequelas irreparáveis que poderiam ser evitados com um socorro imediato. É justo isto?

Alimentação é intragável. Feijão com pedras, arroz cru ou sem qualquer gosto, uma carne que é impossível comer. Algumas vezes tem feijoada, mas sem qualquer qualidade. Pior que isto, custou dinheiro do contribuinte. Soma-se a isto um detento mal alimentado, pressionado por inúmeros outros de maior periculosidade, e demais.

Nestas circunstancias, foi mostrado pela mídia que nos presídios entram tudo, celulares, armas, drogas. Será que você vai ter estrutura para aguentar tudo isto? E se não tiver? Vai cair na tentação de usar drogas? Se cair, saiba que isto custa dinheiro e para pagar há muitos meios dentro do sistema prisional.
E as facções criminosas? Não podemos esquecer deste detalhe, pois é, talvez o mais importante em todos os males.

As medidas originárias das decisões dos diversos julgamentos de Recursos Extraordinários, ADI’s – Ações diretas de inconstitucionalidades, ADPF - Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, entre outras, que tratam do assunto, são tratadas com descaso pelos nossos governantes e o resultado ai esta, rebeliões, fugas, chacinas, etc...

No estado de São Paulo temos o CG 1414/16 – Comunicado Geral, que determinou a elaboração em caráter de urgência o Cadastro Único de Pessoas Privadas de Liberdade da Unidade Penal – CadUPL, tendo como um dos objetivos, citamos: “CONSIDERANDO o disposto no artigo 84 da Lei de Execução Penal, com redação dada pela Lei 13.167/2015, que define os critérios de separação dos presos nas unidades penais, e cuja implementação exige visão sistêmica que permita a fiscalização do critério de separação das pessoas privadas de liberdade em cada unidade, de acordo com a classificação legal:
Art. 84. O preso provisório ficará separado do condenado por sentença transitada em julgado.

§ 1º Os presos provisórios ficarão separados de acordo com os seguintes critérios:

I - acusados pela prática de crimes hediondos ou equiparados;
II - acusados pela prática de crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa;

III - acusados pela prática de outros crimes ou contravenções diversos dos apontados nos incisos I e II.

§ 2° O preso que, ao tempo do fato, era funcionário da Administração da Justiça Criminal ficará em dependência separada.

§ 3º Os presos condenados ficarão separados de acordo com os seguintes critérios:

I - condenados pela prática de crimes hediondos ou equiparados;

II - reincidentes condenados pela prática de crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa;

III - primários condenados pela prática de crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa;

IV - demais condenados pela prática de outros crimes ou contravenções em situação diversa das previstas nos incisos I, II e III.

§ 4º O preso que tiver sua integridade física, moral ou psicológica ameaçada pela convivência com os demais presos ficará segregado em local próprio. “
Vejam, previsões não faltaram para prevenir o que ocorreu e está ocorrendo em nosso sistema prisional. Atualmente já esquecido pelos jornalistas de noticiarem o sistema prisional até que ocorra outra chacina igual Manaus, Alcaçuz, entre outras.

Que tal manifestarmo-nos sobre este assunto? Não se esqueça de que você pode ser a próxima vítima do sistema ou daqueles que fugiram ou fogem do sistema penitenciário.



Paulo Eduardo Akiyama - formado em economia e em direito 1984. É palestrante, autor de artigos, sócio do escritório Akiyama Advogados Associados, atua com ênfase no direito empresarial e direito de família. Para mais informações acesse http://www.akiyamaadvogadosemsaopaulo.com.br/




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