Imperativos
de consciência significam muito para mim. Meu grilo falante fala. Isso por um
lado. Por outro, o senso de realidade me faz entender o peso dos fatos e a
força das circunstâncias. Faz saber que o bem pode estar onde, não havendo
estrada, torna necessário usar um off
road. Então, querendo o bem do meu país e à luz do que sei sobre nossa
política, trago estas reflexões aos tantos que, como eu, nos mobilizamos pelo
impeachment de Dilma Rousseff.
Se
nós, os milhões que nos integramos naquelas jornadas cívicas, não nos
esforçarmos para entender os fatos, identificar e adotar a atitude correta ante
o momento atual da política brasileira, poderemos ficar na posição de
coniventes com o que está acontecendo, ou escolher a atitude errada ante o que
vemos. Não! A ética, para nós, não está em negociação. O que se discute são as
alternativas para o país. Governo petista nunca mais será alternativa. Caiu de
podre e de tanto maltratar a democracia com a mentira e o engodo. E caiu porque
a inqualificável gestão de Dilma Rousseff apenas concretizou o desastre
cuidadosamente arquitetado no governo não menos transviado de Luis Inácio Lula
da Silva. Este, irresponsavelmente, semeou na planície dos anos bons a
catástrofe que Dilma colheria nas escarpas. Não tinha e não tem como dar certo
o governo de um partido cuja orientação econômica segue a linha de Celso
Furtado e Maria da Conceição Tavares, cuja filósofa é Marilena Chauí, cuja
socióloga é Maria Victória Benevides, cujo pedagogo é Paulo Freire e cujo
político referencial é Luiz Inácio Lula da Silva.
É
claro, também, que nosso objetivo nas ruas, durante a viabilização política do
impeachment, não era destituir Dilma para
empossar Michel Temer. A posse do vice-presidente eleito com ela foi o
desdobramento constitucional do afastamento da mandatária. E só alguém muito
ingênuo, mormente à luz do que já se sabia em meados de 2015 sobre a
participação de congressistas do PMDB e do PP nos crimes investigados pela Lava
Jato, poderia aguardar, na sequência, um governo de honoráveis espartanos.
Mesmo que houvesse número suficiente de tais cidadãos no Congresso Nacional,
compor governo só com eles não arregimentaria base suficiente para aprovar nem
mesmo um voto de louvor a Madre Teresa de Calcutá.
São
duras estas observações? Perdoem-me, mas estão moldadas na realidade. A Orcrim,
a organização criminosa no foco da Operação Lava Jato, cindiu-se durante o
processo de impeachment. Foi ruptura política, mas não foi uma cisão à morte,
como as que ocorrem entre as forças mais ferozes do crime organizado. A prova
disso surgiu na madrugada do dia 30 de novembro, quando o plenário da Câmara
dos Deputados aprovou, pelas avessas, o pacote anticorrupção. Em fraternal
algazarra, 313 macaquinhos cuidavam, juntos, dos próprios rabos.
"O
governo Temer também não deveria cair?".
Essa pergunta pode comparecer aos lábios de muitos leitores. "Deus
nos livre disso!", respondo. Num sistema presidencialista, em que os
processos de substituição de governantes se arrastam pelo tempo e com os
transtornos que acabamos de presenciar, um novo impeachment seria total
irresponsabilidade. Ademais, não teria qualquer viabilidade política, visto que
Temer dispõe de sólida base de apoio. Ele só pode ser atingido por uma decisão
do TSE que venha a derrubar a chapa Dilma-Temer . Mas isso está longe de ser
desejável, ao menos por quem quer o bem do país e almeja, em favor de 12
milhões de desempregados, que saiamos da crise que sufoca o setor privado e o
setor público nacional, com pesados reflexos na vida de todos. Que se levantem
os sigilos para que a nomenclatura do crime se torne conhecida antes de 2018, e
sigam seu imprescindível curso os processos criminais. Mas que a roda da gestão
continue girando. Nova e crescente instabilidade, desejada por irresponsáveis,
só acrescentaria danos ao que já está danado de ruim.
Percival Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
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